Hordes of Hunger é o mais recente título da Hyperstrange, um estúdio que já nos habituou a experiências intensas e visualmente marcantes. Com um preço acessível e uma proposta que mistura elementos de ARPG com mecânicas de sobrevivência em hordas, o jogo apresenta-se como uma aposta sólida para quem procura ação frenética com uma camada narrativa densa e obscura. À primeira vista, parece uma fusão entre o espírito caótico de Vampire Survivors e a progressão característica de jogos como Diablo, mas rapidamente demonstra ter uma identidade própria. Lançado exclusivamente para PC, pelo menos por agora, Hordes of Hunger aposta num ambiente opressivo, numa jogabilidade refinada e num sistema de progressão intrigante, prometendo agarrar o jogador desde os primeiros minutos.
O título coloca-nos no papel de Mirah, uma rapariga encarregue de purgar uma maldição que ameaça mergulhar o mundo numa escuridão irreversível. Sozinha, mas não completamente desamparada, Mirah recebe orientação e ajuda do enigmático Pai, uma figura misteriosa que serve como âncora narrativa e mecânica. Ao longo das partidas, vamos desbloqueando novas opções, personagens e melhorias permanentes, criando uma sensação de evolução constante num mundo que não perdoa erros. Com uma estrutura roguelite bem delineada e combates intensos, Hordes of Hunger é mais do que apenas mais um clone de Vampire Survivors – é uma experiência própria que merece atenção.
Jogabilidade
No centro da experiência de Hordes of Hunger está uma jogabilidade sólida, desafiante e recompensadora. O jogo segue a fórmula clássica dos roguelites: começamos fracos, enfrentamos hordas de inimigos, vamos ganhando experiência e, a cada subida de nível, escolhemos entre três melhorias possíveis. Estas melhorias vão desde simples aumentos de atributos até novas habilidades ofensivas e passivas. O que distingue este sistema é a forma como os bónus se acumulam. Em vez de aumentos diretos do tipo +5% de dano, algumas melhorias oferecem, por exemplo, +2% a cada nível futuro, o que incentiva escolhas estratégicas a longo prazo e acrescenta profundidade ao planeamento das builds.
As arenas onde ocorrem os combates têm uma particularidade interessante: verticais e com vários níveis de altura, introduzem um elemento de mobilidade raro neste tipo de jogos. Podemos fugir por escadas, flanquear inimigos por corredores elevados ou criar oportunidades para controlar melhor as multidões. A divisão de cada run em três segmentos, com momentos de pausa chamados Sanctuary, permite que o jogador escolha entre continuar ou regressar ao hub, mantendo os recursos adquiridos. Esta mecânica de risco versus recompensa é bem implementada e cria tensão adicional nas decisões. O Pai, além de funcionar como guia espiritual, desempenha também o papel de mentor mecânico, permitindo salvar recursos entre runs e desbloquear melhorias permanentes. Estas incluem aumento de vida máxima, poder ofensivo ou novas armas, acrescentando uma camada de progressão que mantém o interesse mesmo após múltiplas derrotas. O combate é satisfatório, com respostas precisas e ataques variados, consoante as armas e habilidades escolhidas. A fluidez dos combates e a variedade de estratégias tornam cada run distinta, mesmo que o núcleo da jogabilidade se mantenha familiar.

Mundo e história
Apesar de o foco principal ser a ação, Hordes of Hunger não descurou a componente narrativa. O mundo apresentado é sombrio, quase sufocante, com uma melancolia constante que se manifesta tanto na ambientação como na história. Jogamos com Mirah, a única esperança de um mundo amaldiçoado, mergulhado em trevas e condenado ao esquecimento. A história desenrola-se de forma fragmentada, surgindo em pequenas fatias entre os segmentos de combate ou através de interações com o Pai e outros sobreviventes encontrados ao longo do jogo. Este ritmo narrativo lento e espaçado cria, por vezes, uma certa desconexão. Os pontos da história são interessantes, mas a sua distribuição ao longo da jogabilidade faz com que seja fácil esquecer ou confundir detalhes importantes. Felizmente, existe um Codex que compila os eventos e diálogos principais, ajudando a manter uma linha narrativa coesa, ainda que de forma superficial. A escrita é competente e evoca temas como a solidão, a responsabilidade e o sacrifício, reforçando a atmosfera geral de desespero e luta constante.
A introdução de outras personagens que se juntam a Mirah dá alguma diversidade à história, oferecendo novas perspetivas e ajudando a construir uma sensação de comunidade num mundo hostil. No entanto, não há um desenvolvimento narrativo profundo dessas figuras, servindo mais como catalisadores para desbloquear novas funcionalidades e habilidades do que como agentes ativos da narrativa. Ainda assim, o mundo construído por Hordes of Hunger é intrigante o suficiente para manter a curiosidade ao longo de várias sessões de jogo.
Grafismo
Visualmente, Hordes of Hunger é um jogo marcado pela sua direção artística consistente e eficaz. Não estamos perante gráficos de última geração nem ambientes ultra-realistas, mas sim uma estética fortemente estilizada, com um uso inteligente de paletas escuras, texturas sujas e cenários opressivos. As arenas transmitem a sensação de decadência e corrupção, com elementos góticos e infernais que contribuem para o sentimento constante de perigo iminente. Os inimigos, embora algo repetitivos, são suficientemente diferenciados em comportamento e ataques para manter o desafio. O design das criaturas reforça a sensação de pesadelo, com formas distorcidas e animadas com fluidez. A protagonista e as personagens secundárias têm um visual simples, mas eficaz, e o interface é limpo, funcional e nunca intrusivo, permitindo ao jogador concentrar-se na ação sem distrações desnecessárias. O efeito visual das habilidades e dos ataques, embora não exagerado, é suficientemente claro para permitir uma boa leitura do campo de batalha. A verticalidade dos mapas é bem representada, com passagens elevadas e escadas bem integradas no cenário. No geral, Hordes of Hunger tem uma apresentação visual bem conseguida, não pela fidelidade gráfica, mas pela coerência e atmosfera que consegue transmitir.

Som
A componente sonora de Hordes of Hunger é um dos seus pontos mais fortes. A música que acompanha o jogo é melancólica, densa e atmosférica, encaixando perfeitamente com o tom sombrio da narrativa e dos cenários. As faixas variam entre temas lentos e pesados, quase meditativos, e momentos de tensão sonora mais acelerada durante os combates mais intensos. Esta alternância ajuda a construir uma cadência emocional interessante, reforçando os altos e baixos de cada run. Os efeitos sonoros são eficazes e servem o seu propósito sem serem demasiado exagerados. O som das armas, dos inimigos, das explosões de habilidades e dos passos da personagem são todos claros e bem integrados. Há um cuidado especial em criar uma sensação auditiva de claustrofobia, com ambientes que parecem ressoar em grutas ou zonas corroídas pela escuridão. Não há vozes completas nas interações, o que até faz sentido dada a estética e o tom geral do jogo, mas talvez uma narração ocasional ajudasse a reforçar os momentos narrativos mais marcantes. Ainda assim, o som em Hordes of Hunger cumpre com distinção o seu papel de elemento imersivo, tornando-se um dos principais responsáveis pelo impacto emocional do jogo.
Conclusão
Hordes of Hunger é uma agradável surpresa dentro de um género que começa a dar sinais de saturação. Numa altura em que os jogos de sobrevivência em hordas se multiplicam, este título consegue destacar-se graças a uma abordagem inteligente ao design de níveis, a um sistema de progressão interessante e a uma atmosfera coesa e envolvente. A mistura entre ARPG e roguelite é bem equilibrada, oferecendo desafio e variedade sem cair na repetição excessiva. Ainda que a história pudesse ser mais acessível e os inimigos mais variados, o jogo compensa essas falhas com uma jogabilidade refinada, uma apresentação visual estilizada e uma componente sonora memorável. A presença de melhorias permanentes, a liberdade de escolha entre risco e segurança, e a sensação constante de evolução fazem de cada sessão uma experiência significativa. Para quem procura uma alternativa mais densa e sombria a Vampire Survivors, Hordes of Hunger é uma aposta segura. Não reinventa a roda, mas molda-a com personalidade e qualidade, criando um jogo desafiante, estiloso e com alma própria. A Hyperstrange mostra mais uma vez que sabe trabalhar com orçamentos reduzidos e conceitos bem definidos, entregando um produto final que, pelo seu preço, é mais do que recomendável.