Antevisão: RailGods of Hysterra

RailGods of Hysterra é um título que chama imediatamente a atenção, não só pelo nome excêntrico mas também pela sua proposta curiosa: um survival-crafter com uma forte componente Lovecraftiana. Desenvolvido com recurso ao Unreal Engine 5, o jogo coloca-nos num mundo pós-apocalíptico dominado pelos Grandes Antigos, onde os poucos sobreviventes lutam pela existência enquanto utilizam shoggoths como locomotivas. Esta combinação inusitada de horror cósmico, fantasia onírica e mecânicas de sobrevivência parece, à partida, promissora, especialmente para fãs de H.P. Lovecraft e de jogos como V Rising, The Forest ou Subnautica. Contudo, RailGods of Hysterra levanta sérias questões logo nos primeiros minutos de jogo, tanto a nível estrutural como mecânico.

Tendo sido disponibilizado em Acesso Antecipado, é natural que existam arestas por limar. No entanto, o que aqui encontramos vai além do que se espera de um jogo em desenvolvimento. A frustração constante, a falta de informação clara e uma sensação geral de desorganização tornam a experiência menos envolvente do que seria desejável. Ainda assim, o conceito e a estética podem despertar curiosidade, e há certamente aspectos positivos que merecem ser destacados. O resultado, no entanto, está longe de atingir o potencial que o seu ponto de partida prometia.

Jogabilidade

A maior fraqueza de RailGods of Hysterra está, infelizmente, na jogabilidade. O título insere-se no género survival-crafter, mas fá-lo de forma particularmente confusa e, por vezes, injusta. O sistema de crafting é o primeiro obstáculo: carece de clareza, não explica de forma adequada os materiais necessários nem a progressão lógica entre ferramentas e recursos. Há uma ausência quase total de dicas ou ferramentas de apoio ao jogador, o que leva a momentos de pura frustração. Pior ainda, o sistema de blueprints encontra-se tão mal implementado que é possível acabar por criar cópias do plano em vez do próprio item desejado.

O combate, por sua vez, alterna entre o aborrecido e o frustrante. As armas corpo-a-corpo pouco impacto têm nos inimigos, que parecem ser sempre mais rápidos e eficazes do que o jogador. Os ataques ocorrem em simultâneo, o que significa que raramente se consegue evitar dano ao atacar. O combate à distância e o uso de magias, embora mais eficazes, estão limitados por tempos de recarga pouco consistentes. As magias, denominadas Dark Powers, poderiam ser uma mais-valia, mas acabam por perder relevância devido à forma como o combate é desenhado. A gota de água surge em encontros com bosses, onde a dificuldade sobe abruptamente sem preparação adequada. Um exemplo particularmente frustrante é um combate numa arena claustrofóbica, onde morrer repetidamente significa ter de recuperar todo o equipamento numa situação praticamente impossível. A falta de balanceamento e a aparente necessidade de jogar em grupo (quando o jogo não o comunica claramente) tornam estas secções quase punitivas. Para quem gosta do género e já experimentou títulos como Enshrouded ou Empyrion, a comparação não é favorável.

Mundo e história

RailGods of Hysterra aposta numa narrativa arrojada, com claras influências do universo de Lovecraft. Após o regresso dos Grandes Antigos e a destruição da civilização, alguns humanos escaparam para as Dreamlands, um espaço onírico onde aprenderam magia e domesticaram criaturas como os shoggoths, transformando-os em locomotivas vivas. De regresso à Terra, esses chamados Dreamers tentam agora recuperar pequenos bolsos de civilização enquanto resistem ao domínio absoluto das entidades cósmicas. A ideia é, no papel, fascinante. Ter Lovecraft como personagem no jogo é um toque meta que funciona bem no início. A premissa de insurgência mágica contra deuses antigos tem potencial para criar momentos épicos, mas este potencial raramente se materializa durante o jogo. A história existe, mas está dispersa, mal comunicada e raramente serve como motivação direta para o jogador. A sensação de descoberta que outros jogos do género transmitem está praticamente ausente aqui, e isso é particularmente grave quando se parte de um mundo tão rico em possibilidades. A estrutura do mundo também contribui pouco para reforçar esta narrativa. Os locais visitados carecem de identidade própria e raramente transmitem a grandiosidade ou o terror que se esperaria de um planeta devastado por entidades cósmicas. Falta coesão no worldbuilding, e o jogador sente-se frequentemente perdido — não no sentido desejável de exploração, mas no sentido literal e frustrante da palavra.

Grafismo

No que toca ao visual, RailGods of Hysterra consegue impressionar. O uso do Unreal Engine 5 é competente e há momentos em que o jogo brilha, especialmente quando se trata de retratar a fusão entre o estilo da Nova Inglaterra do início do século XX e os elementos monstruosos do Mythos. O design das criaturas é convincente e a atmosfera geral consegue ser, por vezes, perturbadora e imersiva. A personalização do personagem é satisfatória, permitindo criar avatares que se encaixam bem no contexto estético do jogo. As animações são, na sua maioria, funcionais, embora não isentas de falhas. Alguns elementos gráficos, como os indicadores de ataques em área, são bem implementados e ajudam na navegação do caos durante os combates. No entanto, há problemas de legibilidade em certos menus e textos, que se apresentam demasiado compactos e difíceis de ler.

No geral, o trabalho artístico é uma das maiores qualidades do jogo. Nota-se uma dedicação ao detalhe visual e uma vontade clara de respeitar o legado de Lovecraft através da estética. Para fãs do horror cósmico, há aqui momentos que merecem ser vistos — mesmo que o jogo, como um todo, não esteja à altura dessas visões.

Som

Infelizmente, a componente sonora não acompanha a qualidade visual. Tirando a cinemática inicial e alguns efeitos sonoros decentes das criaturas, RailGods of Hysterra apresenta uma paisagem sonora bastante vazia. A quase total ausência de vozes é uma oportunidade perdida, especialmente quando os designs das personagens e do mundo pedem mais personalidade e presença vocal. A banda sonora é desinspirada e genérica. Percebe-se a tentativa de evitar uma sonoridade convencional — afinal, neste universo, o jazz nunca chegou a florescer — mas isso não significa que a música tenha de ser esquecível. Um uso mais criativo de música dissonante ou de temas retirados do domínio público poderia ter criado um ambiente sonoro mais envolvente e condizente com o tom do jogo. Como está, os efeitos sonoros até são competentes, mas a falta de música marcante e de vozes torna a experiência sonora monótona.

É como se os criadores quisessem mostrar que conseguiram fazer os barulhos básicos — os tiros, os impactos, os ruídos das criaturas — mas depois se tivessem esquecido de tudo o resto que compõe uma experiência auditiva rica.

Conclusão

RailGods of Hysterra é um daqueles jogos que começa com uma ideia brilhante mas tropeça na sua execução. O conceito é forte, a ambientação lovecraftiana está bem integrada visualmente e há momentos de verdadeiro potencial. Contudo, tudo o resto — jogabilidade, equilíbrio, som, narrativa — está ainda numa fase demasiado embrionária ou simplesmente mal planeada. Mesmo para um jogo em Acesso Antecipado, os problemas são graves e estruturais. A sensação que se fica é a de um produto que ainda está preso na fase de protótipo, longe de conseguir oferecer uma experiência coesa. Pior do que isso, é um jogo que pode afastar fãs do género pela frustração que provoca. RailGods of Hysterra quer ser uma viagem de comboio épica pelos confins do terror cósmico, mas neste momento está mais perto de um descarrilamento.

Há esperança, claro, caso os desenvolvedores estejam dispostos a rever profundamente os sistemas de jogo e a clarificar a sua proposta. Mas por agora, esta locomotiva ainda não saiu da estação — e não se sabe se alguma vez o conseguirá fazer.

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