Lyca é um pequeno jogo indie que mistura elementos de jogos incrementais com uma experiência relaxante e quase contemplativa. Desenvolvido com um conceito simples mas eficaz, coloca o jogador na pele de um lobo mágico cuja missão é transformar um mundo árido e desolado num prado verdejante e cheio de vida. À primeira vista, Lyca pode parecer apenas mais um idle game, mas a sua proposta vai um pouco além disso, oferecendo uma jornada curta, mas cativante, com um sistema de progressão bem estruturado e um ambiente sonoro acolhedor. O jogo assume-se como uma experiência que pode ser completada em poucas horas, ideal para quem procura algo leve para passar o tempo. Com suporte para teclado, rato e comando, é acessível a praticamente qualquer tipo de jogador, incluindo aqueles que preferem uma experiência mais passiva ou que se querem desligar da complexidade habitual de muitos jogos. No entanto, nem tudo em Lyca é tão suave quanto parece. Apesar do seu charme evidente, o jogo apresenta alguns problemas técnicos e de design que acabam por interferir negativamente na experiência, principalmente nas fases mais avançadas.
Jogabilidade
Lyca baseia-se num ciclo de jogo bastante simples: correr, apanhar recursos, desbloquear melhorias e repetir. Começamos com um lobo a atravessar uma paisagem vazia e aos poucos vamos recolhendo energia e fazendo florescer pequenos tufos de relva. Com o tempo, novas habilidades são desbloqueadas, desde sementes explosivas que fazem crescer relva em massa até modos automáticos que permitem ao jogador deixar o jogo a correr sozinho. A progressão é incremental e o jogo recompensa bem o investimento em melhorias, criando uma sensação de evolução constante. O sistema de prestígio também ajuda a dar algum fôlego adicional à longevidade do título, mesmo sendo curto. Existem ainda modos desbloqueáveis como o modo infinito e o idle, que adicionam alguma profundidade à estrutura base.
Contudo, a simplicidade esconde algumas decisões de design questionáveis. Um dos principais problemas surge com as sementes explosivas. Inicialmente, são extremamente úteis e satisfatórias, permitindo cobrir rapidamente grandes áreas de terreno. Porém, mais à frente, ao desbloquearmos habilidades que aumentam os nossos atributos consoante a quantidade de relva que florescemos diretamente, estas sementes tornam-se um entrave. Como não podem ser desativadas, acabam por florescer a relva antes que o jogador a possa tocar, anulando o efeito das habilidades e tornando-se numa espécie de sabotagem involuntária. Isto é particularmente frustrante quando tentamos completar os últimos troféus, exigindo grind excessivo e paciência. Além disso, a performance do jogo degrada-se consideravelmente nas fases mais avançadas. Mesmo em sistemas relativamente potentes, é comum a taxa de fotogramas cair para níveis inaceitáveis, o que afeta diretamente a jogabilidade. O modo de baixo fps ajuda a mitigar o problema, mas não o resolve por completo, e é lamentável que um jogo tão simples tecnicamente cause tamanhos engasgos.

Mundo e história
Lyca não apresenta uma narrativa tradicional, mas o seu mundo transmite uma ideia clara e simbólica de regeneração e renascimento. Começamos num terreno morto e, com o tempo, vemos a vida a regressar. A chuva volta a cair, as flores começam a aparecer e o deserto transforma-se num campo florido. É uma abordagem minimalista, mas eficaz. O jogador sente que está a devolver algo ao mundo, que está a curar um ambiente danificado. A ausência de texto ou enredo explícito pode ser vista como uma limitação, mas também como uma escolha consciente para manter o foco na experiência sensorial e na mecânica de jogo. A simplicidade da narrativa combina bem com o tom relaxado e contemplativo que o jogo tenta transmitir. Infelizmente, essa mesma simplicidade pode tornar o mundo algo repetitivo, especialmente em sessões mais longas. O ambiente, por mais bonito que seja, pouco evolui em termos visuais ou interativos. Não há novos biomas, não há surpresas, não há acontecimentos marcantes. A única grande mudança acontece quando desbloqueamos as melhorias relacionadas com a neve, que alteram a paisagem e a dificuldade de forma bastante brusca, mas de maneira pouco recompensadora. Essa transição quebra o ritmo do jogo e obriga o jogador a recuar significativamente na progressão, algo que poderá afastar os menos pacientes.
Grafismo
Visualmente, Lyca aposta numa estética simples e colorida. Os gráficos são minimalistas mas funcionais, com animações suaves e um estilo que remete para jogos retro e experiências indie focadas no relaxamento. O design do lobo é carismático e as explosões de flores e relva trazem uma satisfação visual que encaixa bem na proposta do jogo. No entanto, essa simplicidade gráfica não justifica os problemas de desempenho que o jogo apresenta. Quando o ecrã começa a encher-se com múltiplas partículas, relva em constante crescimento e elementos animados, o motor do jogo parece não aguentar, transformando a experiência numa espécie de apresentação em PowerPoint. Isto é especialmente notório em sessões prolongadas ou quando se atinge o final da árvore de talentos. Outro ponto a mencionar é a falta de variedade visual. O jogo mantém praticamente o mesmo cenário do início ao fim, com poucas alterações que criem uma sensação de progressão espacial ou descoberta. Ainda que seja coerente com a temática minimalista, acaba por retirar algum entusiasmo a quem gosta de explorar mundos com identidade visual distinta.

Som
O som é, sem dúvida, um dos pontos fortes de Lyca. A banda sonora composta por temas lo-fi, maioritariamente da autoria de Purrple Cat, cria uma atmosfera acolhedora e relaxante. As músicas encaixam perfeitamente na experiência proposta, tornando o jogo ideal para sessões descontraídas ao final do dia. Os efeitos sonoros, embora discretos, estão bem implementados e oferecem um bom feedback às ações do jogador. O som da relva a florescer, por exemplo, é particularmente satisfatório, ajudando a reforçar a sensação de progresso constante. Apesar de não haver grande variedade musical, o conjunto funciona bem dentro da curta duração do jogo. É pena que a banda sonora não esteja disponível em plataformas como o Spotify, já que seria facilmente algo que muitos jogadores gostariam de ouvir fora do jogo.
Conclusão
Lyca é um jogo com muito coração. A sua proposta de transformar um mundo morto num jardim florido, aliado a uma jogabilidade incremental e uma banda sonora relaxante, torna-o numa excelente escolha para quem procura um jogo simples e acolhedor. É uma experiência curta, ideal para uma tarde de fim de semana, e oferece um sistema de progressão que, quando funciona, é altamente satisfatório. Contudo, os problemas de performance, algumas decisões de design frustrantes e a falta de variedade acabam por manchar uma experiência que podia ter sido memorável. O sistema de explosões que se volta contra o jogador, a curva de dificuldade abrupta nas fases finais e a sensação de repetição tornam-se obstáculos difíceis de ignorar. Mesmo assim, para fãs de jogos incrementais e experiências tranquilas, Lyca tem algo para oferecer. Não revoluciona o género, mas apresenta uma proposta charmosa que, com algumas melhorias técnicas e de balanceamento, poderia destacar-se muito mais. Fica a sensação de que estamos perante o esboço de algo maior, e será interessante acompanhar o percurso do criador no futuro.
Para já, Lyca é um jogo simpático, mas imperfeito. Recomendado com reservas, especialmente se conseguires tolerar os seus soluços técnicos e algumas frustrações de design.