Análise: Beholder: Conductor

Beholder: Conductor é a mais recente entrada na série Beholder, uma saga de jogos que desde o seu primeiro título se destacou pela sua abordagem distópica, mecânicas de vigilância e dilemas morais. Neste novo capítulo, trocamos os edifícios e apartamentos dos jogos anteriores por um comboio em constante movimento, o Determination Bringer. A mudança de cenário vem acompanhada de novas mecânicas e uma estrutura que tenta refrescar a fórmula estabelecida, mantendo o espírito opressivo e as escolhas difíceis que sempre definiram a série. Apesar do conceito interessante e do potencial temático de uma viagem ferroviária por um regime autoritário, Beholder: Conductor apresenta uma experiência dividida. Se por um lado tenta inovar com novas formas de interação e progressão, por outro perde parte da profundidade emocional e narrativa que tornaram os jogos anteriores tão memoráveis. A ausência de funcionalidades básicas como o sistema de gravação manual e uma execução apressada em alguns aspetos acabam por prejudicar o que poderia ser uma evolução natural para a franquia.

Jogabilidade

A jogabilidade de Beholder: Conductor mantém-se fiel à essência da série, mas com alterações significativas ao contexto. O jogador assume o papel de um revisor sénior responsável por manter a ordem numa carruagem, revistar bagagens, interagir com os passageiros e reportar qualquer atividade suspeita. As ferramentas ao dispor incluem a vigilância, a intimidação, as revistas e a expulsão de passageiros. Tudo isto é realizado dentro de um sistema de autoridade, onde acumular pontos é essencial para evitar o despedimento e garantir promoções. Um dos pontos mais controversos nesta iteração é a ausência de uma funcionalidade de gravação manual. O jogo depende exclusivamente de gravações automáticas, o que obriga os jogadores a memorizar momentos-chave e muitas vezes a repetir longos trechos do jogo por causa de más decisões ou falhas técnicas. Além disso, a dificuldade do jogo, sobretudo nos níveis mais altos, exige multitarefa constante, onde missões com recompensas mínimas competem com objetivos principais que exigem milhares de pontos de autoridade em pouco tempo.

Embora existam mecânicas interessantes, como a reposição correta de objetos após revistas ou a possibilidade de interagir com um animal de estimação, a execução das tarefas tende a tornar-se repetitiva e mecânica. Os passageiros servem frequentemente apenas como meios para cumprir tarefas de entrega de objetos, e falhar uma missão raramente tem consequências significativas.

Mundo e história

O mundo de Beholder: Conductor continua a expandir o universo distópico da série. O jogador começa como revisor de terceira classe num comboio que atravessa o país, interagindo com passageiros de diferentes estratos sociais e eventualmente ganhando acesso a carruagens VIP e compartimentos de luxo. O objetivo principal é descobrir as verdadeiras intenções dos passageiros de alto escalão e o propósito oculto do comboio. Infelizmente, a narrativa perde força em comparação com os jogos anteriores. Os passageiros, em grande parte, carecem de profundidade. Onde antes tínhamos inquilinos com histórias complexas, dilemas morais e interações emocionantes, agora temos personagens que mal dizem duas frases e que raramente revelam mais do que o necessário para cumprir uma missão. Mesmo quando surgem personagens conhecidas de jogos anteriores, estas aparecem como meros cameos sem o peso emocional esperado. As missões principais e secretas continuam a existir e podem levar a múltiplos desfechos, dependendo das ações do jogador. No entanto, muitas vezes estas missões entram em conflito direto com o sistema de autoridade, obrigando o jogador a escolher entre seguir a narrativa ou garantir a sobrevivência profissional. Esta dissonância mecânica acaba por comprometer a liberdade de escolha, que sempre foi um ponto forte da série.

Grafismo

Visualmente, Beholder: Conductor mantém a identidade visual da série, com personagens sombrias e estilizadas, quase sempre em silhueta, e um ambiente opressivo que transmite bem a sensação de viver num regime autoritário. A estética minimalista continua a ser eficaz e apropriada ao tom do jogo, embora pouco tenha evoluído desde as entradas anteriores. As carruagens do comboio são desenhadas com atenção ao detalhe, e o design dos interiores ajuda a diferenciar os espaços sociais de cada classe. Ainda assim, a repetição de ambientes e a falta de variedade nos cenários tornam-se evidentes ao fim de algumas horas de jogo. O comboio, sendo o único cenário durante toda a experiência, limita o impacto visual e cria uma sensação de monotonia que poderia ser atenuada com mais eventos únicos ou variações artísticas.

Som

O design sonoro de Beholder: Conductor é competente, mas pouco memorável. A música de fundo contribui para a atmosfera de vigilância e tensão constante, mas raramente se destaca. Os efeitos sonoros, como o som das portas, passos ou notificações de eventos, cumprem a sua função sem sobressair. Tal como nos jogos anteriores, o jogo não tem vozes, o que é uma escolha estilística coerente com o estilo visual e orçamental do projeto. No entanto, a ausência de expressividade vocal contribui para a falta de empatia com os passageiros, já de si pouco desenvolvidos. Um trabalho sonoro mais envolvente poderia ajudar a compensar a simplicidade das interações e reforçar o impacto emocional das decisões difíceis.

Conclusão

Beholder: Conductor é uma experiência mista. Por um lado, tenta inovar e trazer novas mecânicas e cenários à fórmula Beholder. Por outro, sacrifica muito da profundidade narrativa, ligação emocional e coerência de design que tornaram a série tão especial. A ausência de gravação manual, os desequilíbrios nas missões e a repetição de tarefas transformam o jogo numa experiência frustrante, sobretudo para quem já está familiarizado com os padrões da franquia. Há mérito na ideia de colocar o jogador num comboio como observador e fiscal de um regime distópico. É um conceito com potencial, que poderia ter servido para aprofundar novas temáticas e criar personagens marcantes. No entanto, a execução apressada e algumas decisões de design comprometem o impacto geral. Para fãs dedicados da série, Beholder: Conductor pode ainda oferecer valor pela continuidade e pela curiosidade de explorar novos rumos. Para novos jogadores, será provavelmente melhor começar pelos títulos anteriores, mais completos e emocionalmente envolventes. Neste momento, é um jogo que precisa de mais atualizações, ajustes e melhorias para atingir o mesmo nível de qualidade dos seus antecessores. Há boas ideias aqui, mas ainda não estão bem afinadas. O comboio pode estar em movimento, mas ainda não chegou ao destino certo.

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