Bokura é um jogo de aventura cooperativa para dois jogadores que chega até nós pelas mãos da Tokoronyori e com publicação da Kodansha. Apesar de ser um título relativamente modesto, distingue-se claramente por oferecer uma experiência única que exige cooperação constante e comunicação entre dois jogadores. Não há muitos jogos que se possam comparar a Bokura, talvez The Past Within seja o exemplo mais próximo em termos de dinâmica, mas mesmo esse falha em capturar a identidade peculiar desta obra. Jogado na sua versão para PC, Bokura apresenta-se como uma aventura emocional, artística e intrigante, onde os jogadores assumem o papel de dois rapazes que fogem de casa e acabam numa realidade alternativa cheia de surpresas e mistérios. Mais do que um simples jogo de puzzles, é uma experiência narrativa e sensorial partilhada, com um toque artístico raro no panorama atual dos videojogos.
Jogabilidade
Bokura é um jogo desenhado exclusivamente para dois jogadores. Não existe modo a solo ou possibilidade de jogar com bots, sendo a comunicação entre os dois participantes absolutamente essencial. O título assenta em puzzles que requerem cooperação, coordenação e uma boa dose de atenção ao detalhe. Os controlos são bastante simples, utilizando apenas as teclas WASD para movimentação e a tecla Z para interagir com objectos. No entanto, esta tecla de interação encontra-se num local algo desconfortável e, infelizmente, não é possível reconfigurar os controlos, o que poderá causar algum incómodo em sessões prolongadas. Durante a experiência de jogo, é comum encontrar puzzles que envolvem mover caixas, pressionar botões, interpretar símbolos ou manipular plataformas. A variedade é suficiente para manter o interesse ao longo da aventura, embora nenhum dos quebra-cabeças seja particularmente difícil. A dificuldade está bem ajustada para que o foco permaneça na comunicação e partilha entre os jogadores, e não na frustração causada por desafios excessivos. É também importante referir que o jogo conta com alguns bugs menores, especialmente nas fases iniciais, como a ausência de ícones de instrução ou interações falhadas. Felizmente, estes problemas não comprometem seriamente a experiência e, na maioria dos casos, resolvem-se com uma simples repetição da acção.

Mundo e história
A narrativa de Bokura é simples, mas emocionalmente poderosa. Tudo começa com um homem adulto a recordar o seu amigo de infância durante uma viagem de comboio. A partir daí, somos lançados num flashback onde acompanhamos dois rapazes, oriundos de contextos familiares diferentes, que decidem fugir de casa em busca de um destino desconhecido. A relação entre os dois é o coração da narrativa, e o jogo faz um bom trabalho ao explorar os laços que os unem e os desafios que enfrentam. Ao longo da jornada, os protagonistas pretendem inicialmente escalar uma montanha para explodir a estátua do presidente da câmara, mas acabam por desmaiar após se depararem com um veado morto. Quando acordam, estão numa realidade alternativa, estranha e desconcertante. É neste mundo que o jogo verdadeiramente brilha, ao oferecer uma experiência única a cada jogador. Cada um vê cenários, personagens e até músicas completamente diferentes, o que não só reforça o tema da dualidade como também obriga a uma comunicação constante para ultrapassar os obstáculos. Esta abordagem narrativa e mecânica é, sem dúvida, um dos maiores trunfos do jogo.
Grafismo
Visualmente, Bokura é uma pequena maravilha. Com um estilo artístico que remete para uma novela gráfica em pixel art desenhada à mão, o jogo é ao mesmo tempo simples e encantador. Os cenários são variados, com ambientes que vão desde florestas outonais a cenários mais abstractos e tecnológicos. Cada área é rica em pequenos detalhes visuais que, embora não imponham complexidade gráfica, demonstram um cuidado artístico evidente. As animações das personagens são igualmente cativantes. Os protagonistas movem-se com pequenas oscilações corporais que lhes conferem uma certa doçura, e animações como escorregar ou cair são executadas com um estilo muito próprio. Mas aquilo que realmente torna Bokura especial é o facto de cada jogador ver um mundo completamente diferente. Enquanto um jogador pode ver um ambiente natural com animais antropomórficos, o outro poderá estar a explorar uma paisagem de inspiração azteca com criaturas robóticas. Esta abordagem não é apenas estética, mas tem impacto direto na forma como os puzzles são resolvidos e como os dois jogadores comunicam. É uma ideia brilhante que dá ao jogo uma identidade muito própria.

Som
O som em Bokura acompanha na perfeição o tom visual e narrativo do jogo. Cada jogador ouve uma banda sonora diferente, o que complementa a separação de realidades entre os dois protagonistas. Este detalhe subtil mas eficaz contribui imenso para a imersão, criando atmosferas distintas para cada jogador. A música é geralmente suave, melancólica e com um toque de inocência, reflectindo bem a jornada emocional das personagens. Os efeitos sonoros são discretos mas funcionais, contribuindo para a ambientação sem nunca se tornarem intrusivos. Há um cuidado claro na construção do ambiente sonoro, e isso nota-se sobretudo nas secções mais calmas ou mais estranhas da aventura. A ausência de vozes dá lugar a uma narrativa mais introspectiva, e a música assume um papel de destaque ao transmitir emoções que o texto por vezes apenas sugere.
Conclusão
Bokura é uma experiência especial. Não é apenas um jogo de puzzles, nem apenas uma aventura narrativa. É uma combinação rara de jogabilidade cooperativa, arte visual tocante e uma história que, embora simples, consegue ser emocionalmente envolvente. O conceito de mostrar mundos diferentes a cada jogador não só inova como obriga à verdadeira cooperação e partilha, algo que poucos jogos conseguem executar com esta elegância. Apesar de alguns pequenos problemas técnicos e da ausência de opções como remapeamento de teclas, a experiência geral é extremamente positiva. Seria interessante ver o jogo adotado com um sistema tipo Friends Pass na Steam, permitindo que apenas um jogador precise de adquirir o jogo, tal como acontece com títulos como It Takes Two. Esta adição poderia alargar significativamente o alcance do jogo, que merece ser jogado por mais pessoas. Se procuras um jogo cooperativo diferente do habitual, com um toque artístico, uma boa dose de puzzles e uma narrativa emocionalmente cativante, Bokura é uma escolha excelente. É daqueles jogos que marcam não só pelo que se joga, mas pelo que se sente enquanto se joga. E isso, no mundo dos videojogos, continua a ser algo muito valioso.