Análise: The House of Da Vinci

The House of Da Vinci é um jogo de puzzles desenvolvido pela Blue Brain Games que convida o jogador a mergulhar num mundo de engenhocas renascentistas, passagens secretas e mistérios escondidos nos recantos de uma oficina. O jogo inspira-se claramente em títulos como The Room, mas dá-lhe um toque muito próprio ao colocar o jogador na pele de um aprendiz de Leonardo da Vinci, envolvido numa conspiração sombria em plena Florença do século XVI. Com uma direcção artística fascinante e puzzles mecânicos intrincados, The House of Da Vinci consegue captar a essência de um período histórico efervescente em criatividade e engenho.

Apesar de ter uma narrativa algo leve e até um pouco absurda em certos momentos, o jogo compensa com uma atmosfera cuidada e uma jogabilidade desafiante, que se vai tornando progressivamente mais complexa. Ao longo das cerca de seis horas de duração, o jogador é constantemente testado, não só na sua capacidade de observação como na sua persistência em resolver mecanismos que lembram as invenções malucas de Rube Goldberg.

Jogabilidade

A jogabilidade em The House of Da Vinci assenta na exploração, manipulação de objectos e resolução de puzzles. O jogo foi pensado inicialmente para plataformas móveis, mas também pode ser jogado em PC. Em ambas as versões, a interacção com o mundo envolve rodar peças, empurrar alavancas, deslizar compartimentos e observar objectos minuciosamente em busca de pistas visuais. Os controlos, no entanto, nem sempre ajudam: são por vezes pouco precisos e exigem gestos exactos que nem sempre são bem interpretados pelo jogo. Deslizar com o dedo ou clicar e arrastar com o rato pode tornar-se frustrante quando os objectos não reagem como se espera, quebrando um pouco a imersão.

O jogo apresenta duas lentes especiais que vão sendo desbloqueadas ao longo da campanha. A primeira, Oculi Infinitum, permite ver elementos escondidos dentro dos mecanismos, funcionando como uma espécie de visão de raio-X. A segunda, Oculi Tempus, revela ecos do passado, mostrando ao jogador como determinado objecto foi utilizado anteriormente. Estas mecânicas acrescentam profundidade à resolução dos puzzles, embora nem sempre seja claro quando devem ser usadas. Muitas vezes, a única forma de avançar é experimentar as lentes em todos os cenários possíveis até encontrar a pista escondida, o que pode tornar o ritmo de jogo um pouco errático. Apesar de tudo, os puzzles são, no geral, inteligentes e satisfatórios. Alguns requerem atenção a pequenos detalhes como arranhões na madeira ou símbolos quase imperceptíveis, enquanto outros envolvem manipular peças até encontrarem a forma ou posição correcta. Existem também mini-jogos com elementos estratégicos, como mapas que precisam de ser conquistados através de padrões, e até momentos em que é necessário usar canhões para escapar de divisões. A variedade ajuda a manter o jogo fresco, mesmo quando os controlos atrapalham.

Mundo e história

O enredo de The House of Da Vinci gira em torno do desaparecimento de Leonardo e de uma conspiração misteriosa que o jogador terá de desvendar. Apesar do ambiente carregado de tensão sugerido pelas cutscenes, a verdade é que a sensação de urgência é praticamente inexistente. Não há inimigos à espreita nem ameaças directas, e a progressão é feita ao ritmo do jogador. Esta discrepância entre narrativa e jogabilidade tira algum peso dramático à experiência, tornando a história mais decorativa do que funcional.

Ainda assim, os fragmentos narrativos servem para contextualizar as várias invenções de Leonardo e as divisões que vamos explorando. Ao longo do jogo, recebemos cartas deixadas por Leonardo, guiando-nos através dos desafios e revelando detalhes sobre as suas criações e intenções. Há uma certa elegância em como a história é entregue, com um tom enigmático e quase místico, mesmo que o enredo em si seja demasiado simples para prender por si só. O ponto mais interessante da narrativa está mesmo na ligação com as obras reais de Leonardo. O jogador encontra recriações de algumas das suas invenções mais icónicas, como o tanque de madeira ou a máquina voadora, bem como referências a obras como a Batalha de Anghiari, aqui transformada num puzzle visual. Este cuidado em homenagear o legado do mestre renascentista é louvável e oferece um toque educativo que enriquece a experiência.

Grafismo

Visualmente, The House of Da Vinci é deslumbrante. Cada sala é uma obra de arte, com atenção ao detalhe e um uso inteligente da luz e sombra para criar ambientes credíveis e evocativos. As texturas dos materiais são realistas, desde o mármore dos pisos aos mecanismos metálicos e às superfícies em madeira envelhecida. O jogo aposta forte na fidelidade visual para reforçar a imersão, e fá-lo com grande competência. As animações também são um ponto forte. Abrir uma porta secreta ou puxar uma gaveta revela movimentos fluidos e naturais, com peças que deslizam, rodam ou se encaixam de forma convincente. Há algo de hipnótico em observar estes mecanismos em acção, como se estivéssemos a interagir com uma máquina antiga, complexa e fascinante. Mesmo quando os puzzles se tornam frustrantes, o prazer visual de ver as engrenagens a funcionar compensa um pouco o esforço. A direcção de arte opta por uma paleta rica em tons quentes e materiais envelhecidos, criando uma atmosfera que evoca o romantismo e mistério do Renascimento. Desde os vitrais coloridos que deixam passar luz difusa até aos bustos esculpidos e prateleiras repletas de livros antigos, tudo contribui para um cenário que parece saído de um museu interactivo.

Som

O trabalho sonoro em The House of Da Vinci complementa com elegância o seu ambiente visual. A banda sonora discreta, com predominância de cordas como violoncelos, cria uma sensação de contemplação e leve tensão, sem nunca distrair o jogador dos desafios. A música cumpre a sua função atmosférica, evocando uma Florença noturna e misteriosa, onde cada canto pode esconder um segredo. Os efeitos sonoros são particularmente bem conseguidos. As engrenagens rangem, os metais tilintam, as madeiras deslizam com suavidade. Cada interacção tem um som próprio, e isso reforça a sensação de manipular objectos físicos e reais. É um jogo onde o som desempenha um papel mais sensorial do que narrativo, mas fá-lo com grande eficácia. Ainda que o jogo não tenha vozes, as cartas de Leonardo são apresentadas com uma música ambiente subtil e sons de papel a ser desdobrado, o que ajuda a manter a imersão. Nada no design sonoro é excessivo ou fora de tom, e isso contribui para a coerência estética geral do jogo.

Conclusão

The House of Da Vinci é uma experiência visualmente rica e intelectualmente estimulante, que presta homenagem ao génio renascentista com um conjunto de puzzles envolventes e uma atmosfera densa de mistério. Apesar de alguns problemas nos controlos e da ocasional frustração provocada por puzzles pouco intuitivos, o jogo compensa com um design artístico requintado e uma série de desafios que testam a lógica e a observação do jogador. É verdade que a história serve mais de pano de fundo do que como motor da acção, e que há momentos em que a ausência de feedback claro pode prejudicar o ritmo. Ainda assim, para os fãs de jogos de quebra-cabeças, especialmente aqueles que apreciaram a série The Room, este é um título altamente recomendável.

Ao fim de seis horas de portas secretas, lentes mágicas e máquinas engenhosas, fica uma sensação de satisfação por ter acompanhado, ainda que de forma fictícia, os passos de uma das mentes mais brilhantes da história. The House of Da Vinci não é perfeito, mas é um belíssimo tributo à arte da descoberta e à curiosidade que move os verdadeiros inventores. E, no final, isso é o que melhor define esta aventura.

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