Os jogos de quebra-cabeças sempre tiveram uma relação especial com a Realidade Virtual. A natureza envolvente do meio permite que o jogador se sinta realmente dentro dos desafios que precisa de ultrapassar, e poucos jogos tiram tão bom partido desse potencial como The House of Da Vinci VR. Esta adaptação da popular série de quebra-cabeças traz para o mundo da realidade virtual a engenhosidade e o mistério que sempre a caracterizaram, e fá-lo com um respeito assinalável pelo material original. Desenvolvido e editado pela Blue Brain Games, o jogo chega ao Meta Quest 3 com uma reinterpretação completa da experiência, mantendo o espírito renascentista que lhe dá identidade.
A versão original foi lançada em 2017 para ecrãs planos e conquistou os fãs de puzzles exigentes, inspirados pelas invenções e ideias de Leonardo da Vinci. Agora, com uma abordagem pensada de raiz para VR, a Blue Brain Games procura não apenas replicar a experiência, mas torná-la mais imersiva, tátil e memorável. A premissa mantém-se simples: somos um aprendiz de Leonardo, à procura do nosso mestre desaparecido, guiados por uma sequência de enigmas e engenhocas que desafiam o raciocínio e a atenção ao detalhe. Mas será esta versão VR apenas um truque visual ou consegue verdadeiramente reimaginar a série?
Jogabilidade
A essência da jogabilidade em The House of Da Vinci VR reside na resolução de puzzles complexos, muitos deles inspirados diretamente nas invenções reais de Da Vinci. Desde mecanismos com engrenagens a fechaduras labirínticas, passando por enigmas ópticos e manipulações espaciais, há uma enorme variedade de desafios que exigem lógica, observação e persistência. O que distingue esta versão é a forma como esses puzzles foram adaptados para VR, permitindo que o jogador interaja com os objectos como se os tivesse nas mãos. Girar manivelas, puxar alavancas, deslizar peças ou observar mecanismos de diferentes ângulos torna-se uma experiência física, quase artesanal. Além da manipulação direta dos puzzles, o jogo dá-nos ferramentas especiais integradas nas luvas da personagem. Com um simples gesto, podemos ativar uma visão que destaca elementos importantes, mostra mecanismos internos invisíveis ou até projeta um holograma de Leonardo da Vinci que interage com o ambiente. Uma das luvas permite-nos movimentar esse holograma, essencial para resolver certos puzzles mais elaborados.
Estes poderes dão variedade à jogabilidade e introduzem momentos de verdadeira surpresa e criatividade. No entanto, nem tudo é perfeito. A sensibilidade de algumas peças móveis pode levar a interacções acidentais, como rodar demasiado rapidamente um mostrador ou puxar peças além do necessário. Embora isto não comprometa seriamente a experiência, pode frustrar em momentos mais precisos. A movimentação também é limitada a pontos fixos, com teletransporte entre posições predeterminadas e rotação em saltos. Não existe deslocamento livre nem rotação suave, o que poderá incomodar alguns jogadores mais habituados a controlo total.

Mundo e história
O enredo de The House of Da Vinci VR não é particularmente complexo, mas cumpre bem a sua função. Somos o aprendiz de Leonardo da Vinci, e a nossa missão é descobrir o paradeiro do mestre, que desapareceu misteriosamente. Ao longo da aventura, vamos encontrando pistas deixadas por ele, na forma de pergaminhos, pequenos textos e mensagens subtis nos próprios puzzles. A história é sobretudo contada através de monólogos internos que surgem à medida que resolvemos certos desafios, funcionando mais como um fio condutor do que como uma narrativa elaborada. Apesar da simplicidade, este contexto narrativo serve de motivação suficiente para prosseguir. A ideia de seguir os passos de Leonardo e de decifrar os enigmas que ele próprio terá criado para nós encaixa perfeitamente na estrutura do jogo. Haveria espaço para aprofundar mais a personagem principal e o próprio Da Vinci, talvez com diálogos falados ou cenas mais cinemáticas, mas mesmo sem isso, a história nunca deixa de ser envolvente. A sensação de descoberta constante e a progressão lógica entre áreas e puzzles dá um ritmo agradável à experiência.
Grafismo
Um dos pontos mais impressionantes de The House of Da Vinci VR é o seu grafismo, especialmente tendo em conta as limitações técnicas de um dispositivo standalone como o Meta Quest 3. Cada sala da casa de Da Vinci, cada torre, cripta ou pátio exterior está repleto de detalhes e cuidado artístico. Os materiais parecem reais, as texturas são nítidas e variadas, e a iluminação dá uma atmosfera autêntica aos espaços. Há uma sensação palpável de estarmos num ambiente renascentista, repleto de história, engenho e segredos por descobrir. O uso da luz e sombra é particularmente bem conseguido, com jogos de iluminação que tornam cada sala única e reforçam o carácter dos puzzles que lá se encontram. As pequenas partículas no ar, os reflexos nas superfícies metálicas e o movimento natural dos objectos quando interagimos com eles dão vida ao mundo do jogo. O facto de os cenários estarem divididos por áreas fechadas com ecrãs de carregamento entre elas permitiu à equipa técnica concentrar os recursos e oferecer visuais detalhados sem comprometer o desempenho. Apesar de algumas divisões serem mais pequenas, o jogo evita a sensação de claustrofobia graças ao espaçamento inteligente dos pontos de movimentação e à escala dos elementos. A arquitectura de cada espaço é pensada para servir o puzzle que alberga, mas também para reforçar a atmosfera geral do mundo de Da Vinci.

Som
O trabalho sonoro em The House of Da Vinci VR é discreto mas eficaz. A banda sonora, composta por temas inspirados na música renascentista, encaixa perfeitamente no ambiente visual do jogo e contribui para a imersão. São melodias suaves, muitas vezes quase imperceptíveis, que acompanham o jogador sem se tornarem intrusivas. Em momentos mais importantes ou reveladores, a música cresce subtilmente, dando ênfase às descobertas ou à resolução de um puzzle particularmente desafiante. Para além da música, os efeitos sonoros desempenham um papel essencial. O som das peças a deslizar, dos mecanismos a encaixar ou das alavancas a rodar transmite realismo e reforça a sensação de presença física. Cada cenário tem também sons ambientais distintos, que ajudam a criar identidade para cada zona da casa de Da Vinci. O som contribui, assim, para a coesão da experiência, mesmo sem recorrer a diálogos falados. Ainda assim, teria sido interessante incluir voz para os monólogos internos do protagonista. Uma narração ocasional poderia dar mais personalidade à personagem e enriquecer a experiência narrativa, aproximando-nos mais da jornada emocional do aprendiz.
Conclusão
The House of Da Vinci VR é uma adaptação exemplar de um jogo de puzzles para Realidade Virtual. A Blue Brain Games conseguiu não só transportar o espírito do original para um novo formato, como também reinventar a experiência de forma a tirar pleno partido das capacidades da VR. Os puzzles continuam exigentes e brilhantemente desenhados, agora com uma camada tátil que os torna ainda mais satisfatórios. A ambientação renascentista, tanto visual como sonora, é de elevada qualidade e mergulha-nos completamente na atmosfera do jogo. Existem limitações, nomeadamente nos sistemas de movimento e na ausência de algumas opções de acessibilidade, como rotação suave ou narração áudio. No entanto, estes são detalhes que não retiram mérito à obra. A equipa fez um trabalho notável, especialmente tendo em conta que se trata da sua primeira incursão na Realidade Virtual. Para quem gosta de quebra-cabeças bem pensados, ambientes históricos ricos e uma experiência de jogo que valoriza a observação e a inteligência, The House of Da Vinci VR é uma recomendação clara. Um título que prova que o futuro dos puzzles em VR é promissor e que o legado de Da Vinci continua a inspirar, mesmo no mundo digital.