Análise: Vellum

Vellum é um jogo que chega em Acesso Antecipado com uma proposta ambiciosa e uma identidade visual e temática que o distingue da maioria dos roguelites em terceira pessoa. Desenvolvido pela Alvios Games, Vellum aposta numa jogabilidade baseada em magia, com uma forte componente estratégica e um sistema modular que permite ao jogador criar o seu próprio estilo de combate. Ao contrário de muitos títulos que escondem as suas mecânicas mais profundas por detrás de camadas complexas, Vellum apresenta os seus sistemas de forma transparente, incentivando a experimentação desde os primeiros minutos. O jogo apresenta-se como uma fusão de elementos familiares de outros roguelites, como Risk of Rain 2, com novas ideias centradas numa estética literária, onde cada partida é uma narrativa emergente construída com base nas decisões do jogador. Apesar de ainda estar em desenvolvimento, Vellum já mostra uma base sólida e uma direcção clara, apostando em experiências curtas mas intensas, com muitas possibilidades de personalização e variedade.

Jogabilidade

O núcleo da jogabilidade de Vellum gira em torno de um sistema de combate rápido e flutuante, onde controlamos um avatar mágico que se move constantemente a alguns centímetros do solo. Esta escolha de design dá uma sensação única ao movimento e permite aos jogadores esquivar, saltar e deslizar pelas arenas com agilidade, introduzindo também habilidades especiais que podem ser activadas durante estes movimentos, como a colocação de bombas ao utilizar o dash ou a execução de saltos altos para escapar ao perigo. A principal mecânica do jogo é a construção do grimório de feitiços. Em vez de nos limitar a uma classe ou conjunto de armas fixas, Vellum oferece um sistema dinâmico de feitiços e habilidades que podem ser combinados livremente. A cada nova run, o jogador escolhe uma tinta assinatura que define o estilo de magia base – algo que funciona como uma classe inicial – e depois vai adquirindo e combinando feitiços, melhorias e modificadores ao longo da sessão. Estas tintas definem a identidade mágica do nosso escriba e introduzem variações importantes, como feitiços que invocam companheiros, drenam vida dos inimigos ou aumentam o dano crítico.

O jogo incentiva a experimentação e raramente nos apresenta uma solução óbvia. Não há um feitiço vencedor que se possa repetir até à vitória. Cada sessão exige escolhas diferentes, adaptações ao que o jogo nos oferece e a tomada de riscos estratégicos. A progressão do jogador entre runs é feita através de uma biblioteca que serve como hub central, onde se desbloqueiam novas tintas, melhorias permanentes e conteúdo adicional. A isto junta-se a opção de jogar em modo cooperativo, que reforça a componente estratégica ao permitir sinergias entre diferentes builds.

Mundo e história

A ambientação de Vellum é profundamente inspirada pelo mundo da literatura e da criação de histórias. Cada campanha – designada como tomo – é composta por uma série de missões curtas com temáticas literárias distintas, culminando sempre num confronto contra um boss. Esta estrutura dá ao jogo uma sensação episódica, como se estivéssemos a folhear capítulos de um livro mágico, com cada página a oferecer novos desafios e decisões. O que torna este sistema interessante é que tanto o jogador como os inimigos evoluem entre missões. As decisões tomadas, boas ou más, influenciam directamente o resultado dos combates seguintes. É possível escolher como os inimigos se tornam mais poderosos, através de modificadores chamados bindings, que funcionam de forma semelhante aos skulls em Halo. Estes desafios opcionais introduzem novos obstáculos, como piscinas de lava ou buffs nos adversários, aumentando a tensão e a imprevisibilidade de cada partida. A história, embora não apresentada de forma tradicional com longos diálogos ou cutscenes, é contada através da jogabilidade e da estrutura dos tomos. Há um forte foco em narrativa emergente, onde os acontecimentos inesperados, as sinergias improváveis e os erros cometidos criam pequenas histórias pessoais que ficam na memória. Esta abordagem respeita o tempo do jogador, oferecendo sessões de 20 a 30 minutos que não sacrificam profundidade pela brevidade.

Grafismo

Visualmente, Vellum destaca-se com uma direcção artística coesa e distinta. O mundo flutua entre o místico e o estilizado, com ambientes compactos mas visualmente ricos que reforçam a ideia de que estamos dentro de um livro mágico. O design das arenas, apesar de limitado em tamanho, é variado o suficiente para manter a frescura ao longo das runs, e os efeitos visuais dos feitiços ajudam a transmitir impacto e clareza nas acções. As animações são suaves e contribuem para o sentimento de fluidez constante que caracteriza a movimentação no jogo. Há uma elegância quase etérea nas transições entre movimentos e ataques, o que faz com que o combate tenha uma identidade própria.

Ainda assim, existem aspectos que poderiam ser mais refinados, sobretudo no feedback visual dos impactos e nas reacções dos inimigos aos feitiços. Nestes pontos, a equipa de desenvolvimento já demonstrou vontade de melhorar durante o Acesso Antecipado, o que indica que o grafismo ainda vai evoluir. As personagens e inimigos possuem um design funcional, mais centrado na leitura imediata do que na complexidade estética. Isto é compreensível num jogo com ritmo elevado, mas há espaço para alguma variedade adicional nos modelos e nas animações dos bosses, especialmente considerando a temática literária que poderia permitir soluções mais criativas.

Som

A componente sonora de Vellum acompanha bem o resto da experiência, ainda que não seja particularmente marcante. A música cumpre o seu papel de reforçar a atmosfera mágica e misteriosa do jogo, com temas que variam consoante a intensidade do combate e o tipo de missão. Há momentos em que a trilha sonora eleva a tensão, principalmente durante os confrontos com bosses, mas no geral mantém-se subtil e sem se sobrepor à acção. Os efeitos sonoros dos feitiços e habilidades são satisfatórios, embora, tal como o grafismo, possam beneficiar de um reforço adicional no impacto. Sons mais distintos para certos feitiços ou feedbacks sonoros mais fortes para os acertos críticos poderiam melhorar a sensação de potência nas batalhas. Do ponto de vista técnico, não foram registados bugs sonoros ou problemas de sincronização, e o jogo mostra-se estável nesta área. O voice acting, se existir, é residual, o que faz sentido numa experiência onde a narrativa é mais simbólica e interpretativa. A ausência de vozes contribui para a imersão silenciosa que o jogo pretende criar, focando-se mais na acção e nas escolhas do jogador do que em diálogos expositivos.

Conclusão

Vellum é um jogo que, mesmo em Acesso Antecipado, já demonstra uma forte identidade e uma base jogável muito bem concebida. A forma como mistura combate mágico, narrativa emergente e personalização estratégica torna-o numa proposta única dentro do género dos roguelites. O seu foco em sessões curtas mas intensas, a liberdade de abordagem dada ao jogador e a estética inspirada na literatura criam uma experiência memorável, mesmo que ainda haja espaço para melhorias. O jogo respeita o tempo do jogador sem sacrificar profundidade, e convida à experimentação constante. O sistema de tintas assinatura, a construção do grimório e os modificadores de dificuldade trazem uma riqueza táctica que recompensa quem arrisca. O combate é fluido e divertido, ainda que possa beneficiar de um maior impacto visual e sonoro, e os problemas técnicos encontrados são mínimos e já reconhecidos pelos desenvolvedores. Vellum não é um produto acabado, mas sim uma obra em constante escrita. A Alvios Games mostra uma abordagem atenta ao feedback da comunidade, o que deixa boas indicações para o futuro. Se o jogo continuar a evoluir nesta direcção, poderá tornar-se uma referência no género. Por agora, é uma leitura que vale a pena começar, e que promete muitas páginas interessantes nos capítulos que ainda estão por vir.

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