World of Goo 2 chega dezasseis anos após o lançamento do original, um intervalo de tempo tão longo que a própria ideia de sequela parece deslocada no tempo. Em 2008, o primeiro World of Goo marcou um momento definidor na cena indie, com a sua combinação de mecânicas físicas engenhosas e uma estética absurda e cativante. Era um jogo que mostrava como ideias simples, mas bem executadas, podiam competir com produções muito maiores. Agora, em 2024, World of Goo 2 tenta recapturar essa magia, mas fá-lo num panorama de jogos completamente diferente e com um público mais exigente. Apesar disso, o jogo não deixa de impressionar pela criatividade e pelo charme visual, mesmo que pareça por vezes preso ao passado.
O novo jogo é desenvolvido novamente pela 2D Boy, agora em colaboração com a Tomorrow Corporation, e mantém a essência do original. Continua a ser um puzzle baseado em física onde a substância chamada “goo” é usada para construir estruturas com o objectivo de alcançar um ponto de extração. No entanto, desta vez o jogo tenta ir mais longe, expandindo a fórmula com novos tipos de goo, desafios mais complexos e uma abordagem mais focada em líquidos, criando novas formas de interagir com o ambiente e obrigando o jogador a pensar de forma menos linear.
Jogabilidade
No centro de World of Goo 2 está a mesma mecânica que definiu o original: usar pequenas bolas de goo para construir torres, pontes ou outras estruturas instáveis que permitam transportar outras bolas até um tubo colocado em posições geralmente absurdas. A tensão central de cada nível continua a ser a gestão entre sacrificar bolas para construção e conservar o suficiente para atingir o objectivo. É uma fórmula que permanece eficaz, mas que já não tem o mesmo impacto que em 2008. Felizmente, o jogo não se limita a repetir a fórmula original. Rapidamente começam a surgir novas variantes de goo e elementos que alteram completamente a dinâmica dos puzzles. Temos goo verde reutilizável, goo laranja que explode com fogo, e agora um novo protagonista: o goo líquido. Este novo tipo altera radicalmente a forma como se pensa em cada nível, uma vez que o jogador tem de manipular objectos para canalizar este líquido por caminhos improváveis até destinos ainda mais estranhos. Há criaturas que absorvem este goo e o devolvem em jactos grotescos, e outros tipos de goo que reagem ao contacto com líquidos de formas diferentes — como um goo rosa que incha ou um goo púrpura que encolhe. Estas novas mecânicas trazem variedade, mas também tornam o jogo mais frenético e, por vezes, frustrante. Muitos puzzles baseados em líquidos têm um elemento temporal que exige executar várias acções rapidamente, o que não casa bem com o carácter meditativo do original. Além disso, o botão de “undo” é representado por uma mosca que voa aleatoriamente pela interface, tornando a sua utilização irritante quando mais é necessária. Embora seja uma escolha estilística coerente com o espírito do jogo, dificulta desnecessariamente a experiência.

Mundo e história
Tal como o original, World of Goo 2 apresenta uma narrativa mínima, comunicada quase exclusivamente por sinais espalhados pelos níveis e pelo próprio design do mundo. Há uma espécie de humor melancólico e absurdo que atravessa todo o jogo, com mensagens que ora satirizam a sociedade de consumo, ora fazem troça de si próprias. A World of Goo Corporation continua presente, agora como um pano de fundo ainda mais vago, reforçando a sensação de um mundo que existe à beira do colapso, mas que insiste em ser adorável enquanto desmorona. Não se espere uma história tradicional com personagens, diálogos ou um arco narrativo claro. A experiência é mais sensorial do que narrativa, mais preocupada em fazer sentir um certo tipo de desconforto cómico do que em contar uma história coesa. E funciona, na maioria das vezes. Os cenários são suficientemente estranhos e intrigantes para criar uma curiosidade constante sobre o que virá a seguir. No entanto, é um tipo de worldbuilding que, após duas dezenas de níveis, começa a perder força pela ausência de progressão significativa. Há momentos memoráveis e piadas eficazes, como uma envolvendo um jetpack inútil, mas a estrutura episódica e algo repetitiva enfraquece o impacto da atmosfera geral.
Grafismo
Visualmente, World of Goo 2 mantém a identidade do original mas com uma afinação evidente. O estilo desenhado à mão continua a ser predominante, com cores contrastantes e formas exageradas que tornam cada nível único. Há um cuidado enorme na forma como os elementos visuais comunicam informação de jogo — por exemplo, diferentes tipos de goo têm formas e expressões distintas, o que ajuda a identificá-los rapidamente em cenários por vezes caóticos. Apesar de o estilo gráfico não ser uma revolução em relação ao primeiro jogo, há melhorias subtis que tornam o mundo mais vivo. As animações são mais fluidas, os cenários mais detalhados e as reacções das criaturas mais expressivas. Há também um uso inteligente da física como elemento visual — ver uma estrutura a colapsar de forma realista ou um jacto de goo a voar pelo ecrã com trajectória convincente é, por si só, um espectáculo satisfatório. No entanto, há momentos em que o ecrã se torna excessivamente confuso, especialmente nos níveis mais avançados onde múltiplos tipos de goo e mecanismos coexistem. A clareza visual sofre um pouco nesses momentos, e seria útil ter uma forma de destacar elementos importantes de forma mais intuitiva.

Som
A componente sonora de World of Goo 2 continua a ser um dos seus pontos fortes. A banda sonora alterna entre o melancólico, o épico e o absurdo, acompanhando com eficácia o tom surreal do jogo. Há composições orquestrais que evocam grandiosidade em níveis particularmente ambiciosos, enquanto noutros momentos os sons são minimalistas e quase tristes, reforçando o carácter solitário do goo no seu percurso sem fim. Os efeitos sonoros são igualmente bem conseguidos. O som de cada tipo de goo é distinto e reforça a sua personalidade — o som pegajoso dos movimentos, os estalidos das ligações, os barulhos quase orgânicos dos jactos de líquido, tudo contribui para uma experiência sensorial muito própria. A interacção com o ambiente é também reforçada por feedback sonoro subtil mas eficaz, ajudando a perceber quando algo está prestes a correr mal sem necessidade de mensagens visuais intrusivas. O humor do jogo também se manifesta em pequenos detalhes sonoros, como o som absurdo que uma criatura faz ao vomitar goo ou a reacção exagerada a uma falha mecânica. Há uma coerência tonal que se mantém do início ao fim, e que ajuda a criar uma identidade auditiva forte, mesmo quando os visuais se tornam caóticos.
Conclusão
World of Goo 2 é um jogo difícil de classificar. Por um lado, é uma sequela fiel que respeita e expande a fórmula do original com engenho, apresentando novas ideias e desafios que mostram o talento e a criatividade dos seus criadores. Por outro, sente-se como uma obra deslocada no tempo, que tenta reviver uma era de ouro do indie mas que já não tem o mesmo impacto cultural ou mecânico. É um jogo que se destaca pela originalidade estética e pela consistência do seu tom, mas que por vezes frustra com escolhas de interface e falta de flexibilidade nos puzzles. Apesar das críticas, continua a ser uma experiência que merece ser jogada por quem aprecia puzzles baseados em física com personalidade e humor. O novo foco em fluidos traz variedade, mesmo que introduza também uma camada de stress que nem sempre combina com o espírito mais contemplativo do primeiro jogo. E embora algumas piadas envelhecidas, como o uso da sigla OCD como objectivo opcional, pareçam fora de lugar, o charme geral do jogo consegue sobreviver. No final, World of Goo 2 é uma visita nostálgica a um mundo estranho e encantador, que ainda tem algo a dizer, mesmo que já não o diga com a mesma frescura de outrora. É uma carta de amor a um tempo diferente dos videojogos, e por isso mesmo, uma experiência digna de ser vivida, ainda que talvez não repetida.