Code Alkonost: Awakening of Evil é uma experiência invulgar no panorama dos videojogos atuais. Trata-se de uma aventura na primeira pessoa com uma forte componente narrativa, que mergulha o jogador num universo profundamente enraizado na mitologia eslava. Desenvolvido por uma pequena equipa que demonstra uma notável dedicação ao seu projeto, o jogo destaca-se tanto pela sua ambição como pelo respeito pelas raízes culturais em que se inspira. Estamos perante uma proposta que cruza elementos de terror psicológico, exploração narrativa e quebra-cabeças, sempre envoltos numa atmosfera densa e carregada de simbolismo. A produção apresenta um claro foco em criar uma experiência sensorial e emocional, mais do que se preocupar com mecânicas tradicionais de ação ou combate.
Não é um jogo para todos os gostos. A sua cadência lenta, a ausência de combates constantes e o carácter introspectivo da narrativa podem afastar quem procura algo mais imediato. No entanto, para quem aprecia histórias bem construídas e mundos densos em significado, Code Alkonost pode revelar-se uma das experiências mais envolventes e memoráveis dos últimos tempos. Lançado com atualizações frequentes e desenvolvido com base no feedback da comunidade, é também um exemplo de como a relação entre criadores e jogadores pode contribuir para a evolução de um projeto artístico.
Jogabilidade
A jogabilidade de Code Alkonost: Awakening of Evil assenta sobretudo na exploração e resolução de enigmas. A protagonista, Vera, move-se por ambientes semiabertos com liberdade suficiente para que o jogador investigue, descubra segredos e interaja com elementos do mundo. Não existem armas convencionais nem sistemas de combate complexos. O foco está na atmosfera e nas mecânicas que realçam a vulnerabilidade da personagem principal. Uma dessas mecânicas é o efeito de medo, que afeta tanto o ambiente como a perceção do jogador, contribuindo para uma sensação de constante ameaça sem necessidade de sustos gratuitos.
Durante a jornada, o jogador aprende a usar a estrela de Lada, um artefacto que funciona como proteção contra certos inimigos e forças ocultas. Esta mecânica é simples, mas eficaz, e está integrada nos enigmas e desafios que Vera enfrenta. Os puzzles são variados, envolvendo desde lógica até exploração ambiental e interação com personagens ou objetos mágicos. Existe uma curva de aprendizagem bastante natural, e o jogo nunca se torna frustrante, mesmo nos seus momentos mais desafiantes.
É também de destacar a forma como a narrativa está entrelaçada na jogabilidade. Em vez de recorrer a longos diálogos ou textos expositivos, o jogo opta por contar a sua história através de fragmentos espalhados pelo cenário, como pergaminhos antigos, estátuas, símbolos e eventos sobrenaturais. Esta abordagem reforça a imersão e incentiva a exploração minuciosa. O ritmo lento poderá não agradar a todos, mas encaixa perfeitamente no tom geral da experiência.

Mundo e história
A história de Code Alkonost é uma das suas componentes mais fortes. Inspirada profundamente nas crenças, lendas e espiritualidade da mitologia eslava, a narrativa segue Vera, uma jovem que entra num mundo proibido em busca da sua irmã gémea, Milena. A aventura começa com uma oferenda ao deus Perun, um ritual aparentemente simples que rapidamente se transforma num mergulho num submundo onde o real e o sobrenatural se misturam. Este universo, dividido entre Jawia, o mundo dos vivos, e Nawia, o submundo, está recheado de simbolismo, criaturas míticas e desafios espirituais. Ao longo da jornada, Vera não apenas procura a irmã, como também enfrenta os seus próprios medos e dúvidas. Existe uma clara metáfora de crescimento pessoal, com a protagonista a descobrir habilidades, forças e uma identidade que desconhecia. A passagem de criança a adulta é representada através da travessia de locais perigosos e da superação de obstáculos psicológicos. A história não é linear no sentido tradicional, com vários momentos interpretativos e secções abertas à leitura individual do jogador.
A escrita é contida e eficaz, e o uso de lendas reais dá uma sensação de autenticidade rara em jogos do género. Os vários encontros com entidades do folclore, assim como as decisões que Vera toma, criam um enredo que se sente pessoal e mitológico ao mesmo tempo. O jogo faz lembrar antigas histórias orais passadas de geração em geração, mas com uma estética sombria e moderna. É um universo fascinante, com espaço para expansões e novas histórias futuras.
Grafismo
Visualmente, Code Alkonost não impressiona pelos seus recursos técnicos, mas sim pela direção artística. Construído com o Unreal Engine 5, o jogo surpreende pela fluidez mesmo em máquinas mais modestas, o que é um feito digno de nota. A verdadeira força visual está na estética profundamente atmosférica, com florestas escuras, aldeias abandonadas e castelos em ruínas que parecem saídos de um conto popular distorcido. A paleta de cores privilegia os tons escuros e ocres, contribuindo para um ambiente sombrio e onírico. Os cenários estão cheios de pequenos detalhes que enriquecem a ambientação. Objetos tradicionais, símbolos religiosos, esculturas e inscrições eslavas são integrados de forma natural, dando ao jogo um ar de autenticidade etnográfica. Um dos aspetos mais impressionantes é a forma como a iluminação é utilizada para criar tensão: o simples cair da noite ou o aproximar de uma névoa altera drasticamente o estado de espírito do jogador.
O design das criaturas e entidades sobrenaturais merece também destaque. Evitando clichés de terror ocidental, o jogo recorre a elementos do folclore local, com aparições estranhas, distorções de forma e visões inquietantes. O grafismo serve sempre a narrativa e a atmosfera, nunca se impondo por si só. É uma abordagem inteligente que funciona muito bem no contexto do jogo.

Som
A componente sonora de Code Alkonost é talvez o seu elemento mais poderoso. A banda sonora mistura música étnica tradicional com arranjos modernos, criando uma sonoridade única que eleva a experiência a outro nível. Instrumentos como flautas, tambores e cordas são usados para evocar emoções específicas, com ritmos mais rápidos a anunciar o perigo iminente e temas melancólicos a acompanhar momentos de introspeção. A música não é apenas decorativa, mas sim uma parte ativa da narrativa, guiando o jogador emocionalmente. Os efeitos sonoros são igualmente eficazes. Passos sobre folhas secas, gritos distantes, sussurros, estalidos e outros sons ambientais contribuem para uma tensão constante. Em alguns momentos, o silêncio torna-se um elemento dramático por si só, aumentando a sensação de solidão e vulnerabilidade. O som é usado como uma ferramenta narrativa, criando momentos de inquietação que marcam mais do que qualquer monstro visível. O voice acting, embora limitado, é competente e serve o tom do jogo. A escolha de manter alguns trechos em línguas eslavas reforça a autenticidade e contribui para o exotismo cultural que caracteriza toda a experiência. É evidente que houve um cuidado especial na componente sonora, o que se traduz num ambiente verdadeiramente imersivo.
Conclusão
Code Alkonost: Awakening of Evil é uma experiência diferente, intensa e profundamente atmosférica. Não é um jogo feito para quem procura ação ou recompensas rápidas, mas sim para aqueles que valorizam a narrativa, o simbolismo e a imersão. O seu foco na mitologia eslava, aliado a uma estética única e uma banda sonora memorável, fazem dele um dos projetos mais originais e ambiciosos do género nos últimos anos.
A história de Vera é simultaneamente pessoal e universal, misturando o folclore com o psicológico de forma elegante e emocionalmente envolvente. A jogabilidade, ainda que simples, serve perfeitamente os propósitos do jogo, e a direção artística compensa qualquer limitação técnica. É um título que mostra como a criatividade e o respeito pela cultura podem resultar numa obra memorável mesmo com meios modestos.
Num panorama onde muitos jogos se tornam indistintos, Code Alkonost destaca-se como uma joia rara. Um conto sombrio que pede para ser vivido com calma, atenção e entrega. Para os fãs de folclore, histórias densas e ambientes inquietantes, é uma experiência obrigatória. E com uma sequela já a ser ansiada por muitos, é seguro dizer que o despertar do mal pode ter sido apenas o início de algo muito maior.