Análise: Holy Shoot

Nos últimos anos, a cena indie de jogos de tiro em primeira pessoa tem provado que muitas vezes as ideias mais ousadas e refrescantes não vêm dos grandes estúdios. Enquanto os FPS AAA continuam a seguir fórmulas gastas, as equipas independentes arriscam mais, experimentam novos estilos e oferecem experiências cheias de adrenalina. Exemplos recentes como Scare Ritual, Turbo Overkill ou Fashion Police Squad mostraram que há espaço para criatividade e personalidade num género onde tudo parecia já explorado.

É neste contexto que surge Holy Shoot, da Tail Era Interactive, um roguelike em primeira pessoa feito em Unreal Engine e que ainda se encontra em acesso antecipado. A proposta é direta: descer aos infernos, recolher armas absurdas e enfrentar ondas de demónios num estilo visual inspirado em banda desenhada cel-shaded. É um jogo que assume desde logo a sua intenção: não quer ser realista nem militar, quer ser barulhento, caótico e divertido, puxando pela velocidade, pelas cores vibrantes e pelo ritmo constante.

Ainda imperfeito, como é natural num acesso antecipado, Holy Shoot já mostra bases sólidas. Entre a jogabilidade frenética, a arte estilizada e o humor irreverente, deixa claro que pretende oferecer uma experiência intensa, capaz de manter o jogador ligado ao ecrã com um sorriso.

Jogabilidade

Holy Shoot é um roguelike de estrutura simples, mas eficaz. Escolhe-se uma personagem, cada uma com habilidades próprias, e entra-se numa arena onde é preciso sobreviver a ondas de inimigos antes de enfrentar um chefe. Neste momento existem duas personagens jogáveis: Supersonic Samuel, focado em combate direto e rajadas de munição infinitas, e Toshiko Techno, que aposta em gadgets, camuflagem e torres automáticas.

Ambos começam com um revólver básico, mas as habilidades tornam cada experiência diferente. Samuel recompensa uma abordagem agressiva, de entrar de frente contra os demónios e manter sempre a pressão. Toshiko privilegia o posicionamento, a colocação de armadilhas e a paciência para enfraquecer os inimigos antes de os eliminar. Esta diferença de estilos incentiva a experimentar e dá alguma variedade ao loop central. As armas são outro dos pontos fortes. Há desde opções tradicionais como espingardas, metralhadoras e lança-foguetes até escolhas mais excêntricas como bestas, luvas de combate corpo-a-corpo ou granadas explosivas. Cada arma pode surgir em diferentes raridades, com perks adicionais que aumentam dano crítico, reduzem tempo de recarga ou adicionam efeitos elementais. Existe ainda a possibilidade de relançar as vantagens, o que dá algum controlo ao jogador e evita que tudo dependa apenas da sorte.

O movimento é essencial. As arenas são pequenas e os inimigos agressivos, o que obriga a estar em constante deslocação. Saltar, correr e usar o dash são fundamentais para não ser cercado. O jogo não chega ao nível de mobilidade extrema de ULTRAKILL, mas mantém um ritmo em que disparar e mover-se andam de mãos dadas. Não há coberturas, não há esconderijos: a ação é direta e obriga a dançar com o caos.

Mundo e história

A narrativa em Holy Shoot não é o foco e a própria equipa sabe disso. A premissa é simples: os demónios roubaram artefactos sagrados e cabe ao jogador recuperá-los. Cada artefacto é guardado por um dos três senhores demoníacos disponíveis na versão atual: Satan, Asus e Mammon.

Cada um reina sobre um domínio temático. Satan governa o clássico inferno de fogo e enxofre, Asus toma conta de um palácio neon cheio de luxúria e Mammon protege um cofre dourado onde a ganância se materializa em cada detalhe. Antes de cada confronto existe uma curta introdução animada que contextualiza o inimigo sem atrasar a ação. É uma escolha acertada: ninguém veio para assistir a longas cutscenes, mas sim para despedaçar demónios em explosões de estilo. As arenas funcionam como pequenos capítulos, cada uma repleta de inimigos variados. Goblins corpo-a-corpo, atiradores à distância, feiticeiros que se teletransportam, caveiras voadoras e estátuas com torres defensivas compõem um bestiário diversificado. A verdadeira prova, no entanto, chega nos combates contra os chefes, que representam os momentos mais memoráveis.

Satan lança bolas de fogo e ondas de lava, Asus enche o ecrã de projéteis fluorescentes num espetáculo quase psicadélico e Mammon transforma o campo de batalha numa armadilha dourada. São encontros marcantes e que demonstram bem a personalidade exagerada do jogo. Contudo, se o jogador tiver acumulado buffs suficientes, é possível despachá-los em segundos, o que acaba por diminuir o impacto.

Grafismo

Visualmente, Holy Shoot é uma carta de amor ao estilo cel-shaded. Claramente inspirado por jogos como Borderlands ou XIII, aposta em linhas grossas, sombreamento pesado e efeitos de banda desenhada que explodem no ecrã a cada impacto. Cada disparo parece arrancado de uma página colorida, tornando a ação vibrante e exagerada. Os cenários são variados e refletem bem os domínios dos chefes. O inferno de Satan é um mar de lava e rochas incandescentes, o palácio de Asus mistura vermelhos intensos com néons sedutores, e o cofre de Mammon está saturado de ouro reluzente em moedas, paredes e edifícios.

As armas em primeira pessoa têm modelos grandes e animações impactantes, transmitindo peso e potência. As explosões e flashes acrescentam estilo, mas em momentos de maior intensidade visual tornam-se quase um problema. De facto, um dos principais pontos negativos do jogo é o excesso de informação no ecrã. Entre partículas, números de dano, ícones de perks, barras de vida e projéteis por todo o lado, por vezes é difícil perceber o que está a acontecer.

Ainda assim, o estilo gráfico é marcante e dá ao jogo uma identidade própria, destacando-o de outros shooters indie. É chamativo, exagerado e divertido, mesmo que precise de ajustes para equilibrar clareza com espetáculo.

Som

O áudio segue a mesma filosofia do grafismo: barulhento, energético e sem subtilezas. A banda sonora é rápida e carregada de batidas fortes, perfeita para acompanhar a matança de demónios. Cada domínio tem o seu tema próprio, mas como a variedade de faixas ainda é reduzida, é fácil começar a reconhecer loops após algumas sessões.

Os efeitos sonoros das armas estão bem conseguidos. O estalo seco do revólver, o estrondo da caçadeira ou o rugido explosivo do lança-foguetes transmitem impacto imediato. As habilidades também têm sons característicos, o que ajuda a distingui-las no meio da confusão. No entanto, o jogo ainda sofre de alguns problemas técnicos neste campo. Passos demasiado altos, falas quase inaudíveis e até bugs ocasionais que fazem desaparecer o som de certas armas, como a minigun, prejudicam a consistência da experiência. São falhas típicas de um acesso antecipado, mas que precisam de correção para manter a intensidade sem frustrações.

Conclusão

Holy Shoot é um jogo em acesso antecipado cheio de potencial. A sua jogabilidade rápida, o estilo visual inspirado em banda desenhada e os combates contra chefes memoráveis fazem dele uma experiência divertida para sessões curtas e intensas. É um título que não pede moderação: quanto mais exagero, melhor.

Contudo, não está isento de problemas. O excesso de informação no ecrã dificulta a leitura da ação, o sistema de progressão é demasiado acelerado e retira longevidade, e o desempenho pode cair em momentos de maior caos. A estes pontos juntam-se pequenas falhas de som e a falta de variedade musical. Mesmo assim, o núcleo é sólido e viciante. Tail Era Interactive tem aqui uma base forte para trabalhar e, com mais polimento, ajustes no equilíbrio e adição de conteúdo, Holy Shoot pode facilmente tornar-se um jogo de culto dentro do género. Para já, é uma boa escolha para quem procura diversão rápida e caótica, sem grandes preocupações narrativas ou de realismo.

É um título que brilha quando jogado em sessões curtas, oferecendo meia hora de pura loucura estilizada. Ainda não está pronto para competir com os gigantes do género, mas se o estúdio continuar a investir no seu desenvolvimento, tem tudo para se tornar algo especial.

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