Análise: Primal Planet

Primal Planet é um título independente no género Metroidvania, criado inteiramente por uma única pessoa: Seethingswarm. Ambientado num mundo selvagem repleto de dinossauros, ruínas antigas e tecnologia alienígena, o jogo convida-nos a viver a história de um pai separado da sua família, lutando para sobreviver e, acima de tudo, para se reunir com os seus entes queridos. É uma proposta que impressiona de imediato pelo seu ambiente envolvente e pelo cuidado visual, mas que, à medida que se desenrola, vai revelando um conjunto de escolhas de design que podem testar seriamente a paciência do jogador. Primal Planet é uma obra feita com paixão, mas nem sempre com a clareza que se desejaria de uma experiência tão ambiciosa.

Jogabilidade

A estrutura de Primal Planet segue a fórmula clássica do Metroidvania: exploração aberta, áreas interligadas, progressão através de habilidades adquiridas, combate com inimigos progressivamente mais perigosos e um forte foco na descoberta. Os controlos são fluidos e há uma atenção notável à forma como o personagem interage com o ambiente, desde escalar vinhas até deslizar por ravinas. O combate, inicialmente satisfatório e equilibrado, começa por premiar a atenção e o ritmo, com inimigos que telegrafam os seus ataques e deixam espaço para resposta.

Contudo, à medida que o jogo avança, o combate torna-se mais errático. A curva de dificuldade parece desequilibrada, com picos súbitos que apanham o jogador desprevenido. Inimigos começam a causar muito mais dano, e por vezes atravessar uma simples porta pode ser suficiente para encontrar um desafio quase impossível, sem qualquer indicação de que não se está preparado. Esta falta de sinalização e o facto de o jogo não fornecer um sistema claro de progressão ou níveis acentuam ainda mais a frustração.

Existem também elementos de sobrevivência integrados na jogabilidade: recolher carne, madeira, ervas, sílex, construir ferramentas, cozinhar alimentos e até melhorar a cabana e o inventário. Estas mecânicas, apesar de interessantes no papel, sofrem de uma implementação pouco intuitiva. Os itens são mal identificados, os menus são pouco claros e a falta de explicações complica o processo de aprendizagem. O resultado é um sistema que podia enriquecer a experiência, mas que acaba por parecer um fardo adicional, sobretudo em ecrãs mais pequenos como o da Steam Deck.

Mundo e história

O mundo de Primal Planet é vasto, misterioso e, acima de tudo, silenciosamente emocional. A narrativa, apesar de não utilizar qualquer diálogo ou narração, transmite eficazmente a sua mensagem através de pequenos momentos visuais e interações simbólicas. A relação entre o protagonista e a sua família é sentida em cada gesto: ao segurar a mão da filha, abraçar a esposa ou simplesmente parar para descansar à beira de uma fogueira. Estes momentos breves mas poderosos dão um peso emocional à jornada, tornando o mundo hostil mais humano e menos desesperante.

A ausência de texto ou voz não prejudica a narrativa, antes a fortalece. A história é contada através do ambiente, da música e da animação, deixando espaço para o jogador interpretar e sentir o que está a acontecer. Há uma aura de tristeza melancólica, mas também de esperança, e é esse equilíbrio que torna o percurso tão marcante.

O problema surge na estrutura da exploração. Após um início breve mas guiado, o jogo liberta completamente o jogador no seu mundo interligado. Não existem objetivos visíveis, listas de tarefas ou qualquer forma de direcção. Para alguns, este estilo de descoberta orgânica pode ser encantador, mas para muitos outros, rapidamente se torna exaustivo. Sem pistas ou ajudas, acabamos por andar em círculos, revendo zonas que já visitámos, à procura de uma habilidade que pode ter passado despercebida ou um interruptor escondido numa parede que parecia inócua. Sem orientação e com um mapa confuso, o potencial do mundo perde-se na frustração.

Grafismo

É no departamento visual que Primal Planet brilha com mais intensidade. Os gráficos em pixel art são absolutamente deslumbrantes, com cada cenário a exibir cor, profundidade e uma identidade própria. Das copas de árvores tropicais a grutas bioluminescentes, tudo parece vivo e cuidado ao mais ínfimo detalhe. Os pequenos pormenores, como pirilampos a dançar na luz do entardecer ou o brilho das águas profundas, revelam uma dedicação impressionante. As animações são outro ponto de destaque. Tudo flui com naturalidade e personalidade, desde o simples movimento do protagonista até às interações com o mundo e os outros personagens. Há charme e emoção em cada ação, seja ao escalar um penhasco ou ao trocar um gesto de carinho com a família.

Infelizmente, o mapa do jogo é um contraste gritante com o resto da apresentação visual. O mapa global é pixelizado e pouco legível, dificultando perceber onde estamos ou para onde devemos ir. Os mapas locais são ainda piores: confusos, sobrecarregados e sem qualquer marcação útil. Parece algo feito rapidamente e nunca finalizado. Esta falha é especialmente grave num jogo de exploração, onde um bom mapa pode ser a diferença entre o prazer da descoberta e a irritação de estar completamente perdido.

Som

A banda sonora de Primal Planet é uma das mais belas surpresas da experiência. Com uma sonoridade quente e envolvente, a música remete-nos para a era Super Nintendo, mas com uma riqueza moderna que a torna ainda mais eficaz. As faixas variam entre o nostálgico e o melancólico, servindo de pano de fundo perfeito para a jornada emocional do protagonista.

Não existe qualquer voice acting, mas isso está longe de ser uma falha. A ausência de vozes contribui para a atmosfera silenciosa e introspectiva do jogo. A música, os sons ambientes e os efeitos sonoros bastam para criar um mundo emocionalmente ressonante. O design sonoro consegue ser subtil mas expressivo, dando vida a um planeta alienígena sem nunca precisar de palavras.

Conclusão

Primal Planet é um projeto apaixonado e corajoso, nascido da visão de um único criador. É uma experiência que impressiona pelos visuais, emociona pela simplicidade da sua narrativa e envolve com a sua atmosfera melancólica. Mas também é um jogo que exige paciência, tolerância e uma certa disposição para aceitar falhas de design em troca de autenticidade e alma.

A falta de um sistema de mapas funcional, a ausência de orientação e os picos bruscos de dificuldade prejudicam seriamente a experiência. Há momentos de frustração que poderiam ser evitados com algumas melhorias na interface e na comunicação com o jogador. Ainda assim, é difícil não admirar o esforço envolvido nesta criação. Os defeitos de Primal Planet são, em muitos casos, reflexo das limitações naturais de um projeto solitário. Se procuras uma aventura com coração, que aposta numa abordagem retro e emocional, e se tens paciência para explorar um mundo sem ajudas e sem atalhos, Primal Planet poderá muito bem valer o teu tempo. Só não esperes que te guie pelo caminho. Aqui, estás por tua conta — para o bem e para o mal.

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