RATSHAKER é um daqueles jogos que parece uma piada mal contada até o momento em que o instalamos e percebemos que há algo de verdadeiramente fascinante no seu conceito. À primeira vista, parece uma sátira bizarra ao mundo dos pesticidas, mas rapidamente se transforma numa experiência que mistura humor negro, desconforto psicológico e uma jogabilidade hipnótica. Desenvolvido por Calvin, um criador independente, RATSHAKER propõe-se a resolver todos os teus problemas com ratos… de forma bastante literal. A sua premissa absurda, aliada a uma execução surpreendentemente coesa, torna-o num dos jogos mais estranhos e, ao mesmo tempo, mais marcantes do panorama indie atual. O título apresenta-se como a solução definitiva para infestações, mas o que realmente está em causa aqui é uma reflexão muito mais profunda sobre obsessão, catarse e até culpa. Com uma estética perturbadora e uma jogabilidade que desafia as convenções, RATSHAKER não é um jogo para todos, mas certamente não deixará ninguém indiferente.
Jogabilidade
A jogabilidade de RATSHAKER é, na sua essência, simples: apanhas um rato e abanas até o problema desaparecer. É uma mecânica que, no papel, parece ridícula, mas que ganha uma profundidade inesperada à medida que o jogo avança. O sistema é construído em torno da interação direta com o rato – ou melhor, com a entidade que representa o teu problema. O rato reage, contorce-se, grita e por vezes até suplica, enquanto o jogador continua a abanar sem parar. O feedback é imediato e há um medidor que sobe com cada abanão, criando uma estranha sensação de progresso e recompensa. É incrivelmente satisfatório e, ao mesmo tempo, perturbador. A dificuldade não está em compreender os comandos, mas em lidar emocionalmente com o que estás a fazer. Em alguns momentos, o jogo exige interações tácteis, especialmente se jogado em dispositivos com ecrã sensível ao toque, o que limita a jogabilidade no Steamdeck, por exemplo. Apesar de ser curto – é possível completá-lo em cerca de uma hora e meia – há incentivos para voltar, como quadros de líderes e rankings que apelam aos jogadores mais competitivos. Além disso, pequenos segredos e nuances narrativas encorajam a repetição, especialmente para quem quer absorver todas as camadas desta experiência.

Mundo e história
É difícil falar da história de RATSHAKER sem estragar parte da sua magia. O jogo começa com um cenário aparentemente banal – uma casa infestada por ratos – mas rapidamente envereda por caminhos mais sombrios e metafóricos. A certa altura, deixa de ser sobre ratos e começa a ser sobre ti. Sobre os teus medos. Sobre aquilo que estás disposto a fazer para livrar-te de algo que odeias. A narrativa é entregue de forma subtil, através de pistas ambientais, fragmentos visuais e, acima de tudo, pela própria interação com o rato. Há um crescendo de tensão que culmina numa revelação que, embora não totalmente explícita, altera por completo a forma como interpretas tudo o que aconteceu até então. É um daqueles jogos em que o que não é dito grita mais alto do que o que é mostrado. O mundo em si é claustrofóbico, estranho e envolvente. Não há uma cidade inteira para explorar, mas cada espaço parece cuidadosamente pensado para transmitir inquietação. Ratshaker faz lembrar os melhores exemplos do terror psicológico: menos é mais, e o desconforto vem tanto da sugestão como da ação.
Grafismo
Visualmente, RATSHAKER é difícil de classificar. Não é bonito no sentido convencional, mas é incrivelmente eficaz. Os ambientes são distorcidos, com um design que desafia a realidade. Em certos momentos, esquecemo-nos de que estamos a jogar um videojogo. As texturas são intencionalmente grosseiras, os ângulos de câmara desorientam e há uma sensação constante de que algo está fora do lugar. O rato – protagonista involuntário da experiência – é animado com um realismo grotesco que beira o insuportável. Os seus olhos, movimentos e expressões conferem-lhe uma personalidade quase humana, o que só intensifica o impacto emocional da mecânica de jogo. O mundo ao redor vai-se desfragmentando à medida que se progride, refletindo a degradação emocional do jogador (ou do personagem que representamos). Não é um jogo para quem procura paisagens deslumbrantes ou realismo gráfico, mas para quem aprecia uma direção artística ousada e emocionalmente provocadora, RATSHAKER oferece uma viagem visual inesquecível.

Som
A componente sonora de RATSHAKER é absolutamente fundamental para a sua eficácia. Os sons que o rato faz – guinchos, choros, gritos distorcidos – são desconfortáveis ao ponto de quase obrigarem o jogador a fazer pausas. Não são apenas efeitos sonoros; são manifestações auditivas do sofrimento que estamos a infligir. A banda sonora é quase inexistente durante grande parte da experiência, sendo substituída por ruídos ambiente, respirações ansiosas e o ocasional som de algo a estalar. Quando a música surge, fá-lo em momentos chave, amplificando o impacto narrativo e emocional de certas revelações. É um jogo que deves jogar com auscultadores, não só para absorver todos os pormenores, mas também porque parte da experiência é o som a invadir a tua mente. É desconfortável, mas é isso que o torna tão eficaz. O trabalho de som em RATSHAKER é digno de elogios, e uma parte integral do motivo pelo qual o jogo funciona tão bem.
Conclusão
RATSHAKER é uma experiência difícil de recomendar da forma habitual. Não é divertido no sentido clássico. Não é bonito, nem longo, nem particularmente acessível. Mas é uma das experiências mais memoráveis que um jogador pode ter no meio indie atual. É um jogo que mistura crítica social, terror psicológico e uma mecânica de jogo minimalista para criar algo verdadeiramente único. A sua curta duração não diminui o impacto que deixa, e mesmo depois de terminado, fica a ecoar na mente do jogador como um pesadelo estranho mas revelador.
A proposta é arriscada e, para muitos, poderá ser simplesmente demasiado desconfortável. Mas para quem gosta de jogos que desafiam convenções, que provocam emoções contraditórias e que não têm medo de ir por caminhos bizarros, RATSHAKER é obrigatório. É uma carta de amor ao desconforto, uma sátira disfarçada de praga e um dos melhores exemplos de como um jogo pode ser simples e ainda assim profundamente perturbador. Se estiveres disposto a pegar no rato e começar a abanar, RATSHAKER promete que os teus problemas irão desaparecer… mesmo que não voltes a ser o mesmo depois.