Rift of the Necrodancer chega com uma proposta ousada. Depois do sucesso de Crypt of the Necrodancer e da colaboração inesperada com a Nintendo em Cadence of Hyrule, seria natural esperar uma sequela direta do primeiro jogo, mantendo a fórmula de dungeon crawler rítmico que tantos fãs conquistou. No entanto, a Brace Yourself Games decidiu arriscar, mantendo-se fiel ao género musical mas afastando-se do formato que a tornou conhecida. O resultado é um jogo que troca a exploração de masmorras por uma experiência mais próxima de Guitar Hero, mas que consegue preservar a sua identidade e energia.
Para muitos, incluindo aqueles que nunca chegaram a passar do primeiro nível do original, Rift apresenta-se como uma oportunidade de entrar no mundo vibrante do Necrodancer através de uma experiência mais acessível e diferente. A base é a mesma: música forte, monstros peculiares e muito ritmo, mas aplicada de forma a surpreender quem já conhecia a série e a captar quem nunca lhe deu uma oportunidade.Este é um daqueles casos em que a mudança de fórmula podia ter corrido muito mal, mas também podia revelar novas formas de brilhar. Rift of the Necrodancer consegue encontrar um equilíbrio entre inovação e continuidade, resultando num jogo que merece ser analisado em detalhe.
Jogabilidade
O maior risco de Rift foi retirar o núcleo que definia o jogo original. Em vez de explorar masmorras ao ritmo da música, o jogador enfrenta agora batalhas estruturadas num sistema de três pistas, semelhante ao de jogos como Guitar Hero. Mas não se deixem enganar pela simplicidade aparente. Embora três linhas possam parecer pouco desafiantes, a verdade é que Rift esconde uma complexidade surpreendente.
Ao longo das músicas, descem monstros variados, cada um com o seu próprio padrão de ataque, que obrigam o jogador a manter uma atenção constante. A biblioteca do jogo inclui cerca de 35 faixas principais, mas a forma como estas são usadas, entre dificuldades ajustáveis e modos alternativos, garante que a jogabilidade se mantém fresca. Além da campanha, que mistura batalhas rítmicas com mini-jogos e bosses em quick-time events, há um modo Free Play onde é possível revisitar qualquer música com modificadores diferentes. O Remix Mode, por exemplo, altera a posição dos inimigos, criando uma sensação de novidade mesmo em músicas já conhecidas. Existe também o Merchant Mode, uma homenagem ao primeiro jogo, onde Freddy Merchantry acompanha o jogador a cantar.
Os bosses, apesar de interessantes na sua conceção, acabam por não atingir todo o potencial. Muitos deles parecem reduzidos a testes de reflexo curtos em vez de desafios musicais mais robustos. Ainda assim, a jogabilidade tem profundidade suficiente para manter o interesse durante dezenas de horas, especialmente para quem procura superar os desafios mais extremos.

Mundo e história
A narrativa de Rift of the Necrodancer continua após os eventos do primeiro jogo, com Cadence a ser transportada para o mundo humano. A partir daí, surgem fendas de onde saem monstros, e a protagonista precisa de as enfrentar enquanto se cruza com rostos familiares.
A história é apresentada em pequenos segmentos no estilo de visual novel, funcionando como pausas entre as músicas. Embora estes momentos tragam alguma contextualização e ofereçam espaço para conhecer melhor as personagens, acabam por se revelar pouco relevantes. Os capítulos seguem uma estrutura demasiado previsível e dão a sensação de estar ali apenas para justificar a progressão. No entanto, a simpatia das personagens e o tom leve ajudam a suavizar a experiência. O enredo não atrapalha, mas também não acrescenta muito. Curiosamente, a própria posição da campanha no menu principal — colocada a meio, quase como se fosse uma opção secundária — parece refletir a importância reduzida da história dentro do todo.
Rift não é um jogo que se viva pelo enredo, mas sim pela música e pela jogabilidade. Nesse sentido, a narrativa acaba por ser um acessório, um pano de fundo que dá cor mas nunca rouba o protagonismo ao que realmente importa.
Grafismo
Um dos aspetos mais imediatos e marcantes de Rift é a sua direção visual. O jogo aposta num estilo de banda desenhada, com linhas fortes e cores contrastantes, criando um ambiente vibrante e cheio de vida. Cada elemento no ecrã parece pulsar ao ritmo da música, desde os inimigos até aos efeitos visuais, o que aumenta a imersão mas pode, por vezes, ser excessivo. A quantidade de informação em simultâneo pode tornar-se caótica, sobretudo para novos jogadores. Felizmente, o jogo inclui opções de acessibilidade que permitem reduzir a intensidade visual, como transformar inimigos em estáticos ou diminuir certos efeitos. Estas opções não só tornam a experiência mais clara, como ajudam a manter o ritmo sem frustração.
Apesar da possibilidade de sobrecarga visual, a consistência gráfica é exemplar. Nunca há dúvidas sobre o que está a acontecer em combate, e a identidade visual combina perfeitamente com a música frenética. O estilo adotado não só embeleza, como também reforça a jogabilidade, criando um espetáculo audiovisual que prende o olhar e mantém a energia sempre alta.

Som
Se há elemento onde Rift of the Necrodancer brilha sem sombra de dúvida, é na banda sonora. A série sempre foi reconhecida pela sua qualidade musical, e aqui o estúdio conseguiu elevar ainda mais a fasquia. A lista de compositores inclui nomes como Danny Baranowsky, Alex Moukala e Josie Brechner, entre outros, e o resultado é uma das melhores coleções de músicas de 2025.
A variedade de géneros é impressionante: jazz, funk, metal, eletrónica, e até fusões inesperadas, tudo com uma intensidade que mantém o jogador ligado ao ecrã. Faixas como Disco Disaster trazem energia imediata, enquanto outras, como Progenitor, constroem momentos mais atmosféricos e culminam em finais memoráveis. Cada música é pensada não só como peça sonora, mas como parte integrante da jogabilidade. A sincronização entre sons e ações é perfeita, e é difícil não se deixar contagiar pelo ritmo. Além disso, com a integração do Steam Workshop, já existem centenas de músicas criadas pela comunidade, de Daft Punk a temas de anime, o que multiplica a longevidade do jogo.
É difícil destacar apenas uma faixa, mas Matriarch acaba por ser um dos pontos altos, tanto pela intensidade como pelo desafio. A forma como a música cresce e se funde com a jogabilidade é um exemplo perfeito do que Rift oferece de melhor.
Conclusão
Rift of the Necrodancer é uma aposta arriscada que acabou por compensar. Ao abdicar do formato de dungeon crawler e mergulhar mais fundo no género rítmico, a Brace Yourself Games podia ter perdido a identidade que tornou a série especial. Mas, na verdade, conseguiu reinventá-la e expandi-la.
O modo história é fraco e pouco memorável, e os bosses podiam ter tido mais ambição, mas fora isso o jogo oferece quase tudo o que um fã de música e ritmo pode querer. A direção artística é vibrante, a jogabilidade desafiante e recompensadora, e a banda sonora é, sem exagero, uma das melhores do ano. Além disso, a existência de modos alternativos, desafios extremos e suporte a músicas personalizadas faz com que Rift tenha conteúdo suficiente para satisfazer tanto jogadores ocasionais como os mais competitivos. É um jogo que não só cumpre como supera as expectativas, mostrando que a Brace Yourself Games não é um estúdio preso a uma única fórmula.
Rift of the Necrodancer não é para quem procura uma grande narrativa, mas sim para quem quer perder-se no ritmo, desafiar os reflexos e deixar-se levar por uma banda sonora inesquecível. É uma experiência vibrante, intensa e viciante, que merece destaque entre os melhores jogos de ritmo da atualidade.