Análise: The House of Da Vinci 2

Num mundo em que o caos e a imprevisibilidade parecem dominar o quotidiano, a busca por ordem e lógica nos videojogos torna-se quase terapêutica. The House of Da Vinci 2 surge como uma resposta perfeita a esse desejo, oferecendo uma experiência envolvente centrada em puzzles mecânicos, ambientada num contexto histórico fascinante. Desenvolvido pela Blue Brain Games, este segundo capítulo dá continuidade ao título de 2017, expandindo o conceito e a escala da aventura original. Ao colocarmo-nos na pele de Giacomo, um aprendiz de Leonardo da Vinci, somos desafiados a mergulhar num mundo de segredos, sociedades ocultas e engenhocas elaboradas, sempre com a promessa de que cada enigma resolvido nos levará mais fundo numa narrativa misteriosa e envolvente.

Ao contrário do primeiro jogo, que se concentrava quase exclusivamente na oficina de Leonardo, esta sequela leva-nos a viajar por várias cidades da Itália renascentista, como Ferrara, Florença e Milão. Este alargamento geográfico traduz-se também numa maior diversidade visual e numa complexidade acrescida dos puzzles, oferecendo uma experiência mais robusta e imersiva. The House of Da Vinci 2 não se limita a repetir a fórmula do original: evolui em praticamente todos os aspetos, com mais variedade de quebra-cabeças, melhor apresentação e uma narrativa mais ambiciosa, ainda que nem sempre bem executada.

Jogabilidade

The House of Da Vinci 2 é jogado numa perspetiva na primeira pessoa, com o rato a servir de ferramenta principal para explorar o ambiente e interagir com os objetos. O controlo é simples, mas extremamente intuitivo: clicamos para nos movermos entre pontos fixos do cenário, arrastamos para rodar a câmara ou inspecionar objetos, e usamos movimentos do rato para abrir portas, girar rodas ou levantar tampas. A movimentação fluída da câmara, que gira e balança com as nossas ações, contribui para uma sensação de dinamismo rara num jogo deste género. Mesmo a mais simples das interações adquire uma certa graciosidade graças à atenção ao detalhe na animação e ao desenho mecânico dos puzzles. O jogo apresenta uma boa variedade de enigmas, desde os puramente lógicos até pequenos minijogos de destreza, como acompanhar uma esfera escondida debaixo de copos ou manipular mecanismos complexos com tempo limitado. A dificuldade cresce de forma gradual, e embora alguns momentos possam tornar-se frustrantes, o sistema de pistas ajuda bastante. Este sistema oferece sugestões em várias camadas, desbloqueadas após um curto tempo de espera, permitindo que o jogador avance sem se sentir perdido, mas também sem banalizar os desafios. No entanto, não é possível saltar puzzles, o que poderá ser um obstáculo para alguns jogadores, especialmente quando se deparam com desafios particularmente difíceis, como um puzzle tipo cubo de Rubik que aparece mais para o final da campanha.

Um dos elementos centrais da jogabilidade continua a ser o Oculus Perpetua, uma engenhoca criada por Leonardo que permite ver e interagir com o passado. Este dispositivo é usado para viajar entre dois momentos temporais no mesmo local, revelando caminhos outrora destruídos ou alterações no ambiente que nos permitem progredir. A introdução deste conceito de viagem no tempo adiciona profundidade mecânica aos puzzles e proporciona momentos visuais marcantes, ao permitir ver locais tanto em pleno verão como cobertos de neve, por exemplo.

Mundo e história

A narrativa de The House of Da Vinci 2 desenvolve-se lentamente, mas começa de forma bastante promissora. Após uma breve introdução passada em Ferrara, em 1495, descobrimos que controlamos Giacomo, um homem injustamente acusado de bruxaria e preso numa cela decadente. A nossa fuga, aparentemente facilitada por um benfeitor misterioso, é apenas o início de uma intriga mais profunda. Este aliado secreto não ajuda por altruísmo: quer que nos aproximemos de Leonardo da Vinci, espionando-o e descobrindo o que está a construir em segredo. Para conquistar a confiança do génio renascentista, teremos de resolver uma série de provas que testam o nosso engenho e capacidade de observação. Ao longo da aventura, vamos conhecendo mais sobre uma sociedade secreta envolvida em planos complexos, embora grande parte da informação relevante sobre esta conspiração seja reservada para a longa cena final, o que acaba por enfraquecer o impacto da narrativa. Este desfecho algo apressado e expositivo, aliado a um cliffhanger abrupto, pode deixar os jogadores com uma sensação de recompensa incompleta. Apesar disso, a jornada até lá está repleta de momentos interessantes, e a forma como a história se entrelaça com os puzzles e a exploração é geralmente bem conseguida.

A viagem por várias cidades italianas contribui para uma sensação de progressão e descoberta constante, e os locais históricos servem de pano de fundo a uma experiência que mistura factos históricos com ficção especulativa de forma elegante. Mesmo sem conhecimento prévio do primeiro jogo, é possível acompanhar a história sem grandes dificuldades, embora alguns elementos narrativos ganhem mais peso para quem jogou o original.

Grafismo

Visualmente, The House of Da Vinci 2 é um deleite constante. A fidelidade gráfica não é de ponta, mas o design artístico compensa largamente. As cidades que visitamos estão repletas de detalhes e atmosfera, desde ruas de pedra iluminadas por tochas douradas, até bibliotecas escuras adornadas com tapeçarias e pinturas. Cada cenário é cuidadosamente construído para transmitir uma sensação de lugar real, mas também para servir como palco para os elaborados mecanismos que vamos encontrar. Os puzzles, em particular, destacam-se pelo seu design visual. Muitos apresentam estruturas complexas e visualmente impressionantes, com peças que se movem, abrem, rodam ou se transformam à medida que vamos resolvendo cada passo. É uma sensação profundamente satisfatória ver uma escada metálica enrolar-se graciosamente ou o tromba de um elefante dourado desenrolar-se como resultado direto das nossas ações. Estes momentos tornam cada resolução de puzzle não apenas um triunfo intelectual, mas também um espetáculo visual. A mecânica de alternância temporal introduz ainda uma interessante duplicidade estética: certos locais podem ser vistos em duas versões distintas, separadas no tempo, proporcionando contrastes belíssimos entre estações do ano ou estados de conservação.

Som

O trabalho sonoro em The House of Da Vinci 2 é discreto, mas eficaz. A banda sonora é usada com parcimónia, surgindo principalmente nos momentos finais de cada capítulo, quando os puzzles mais complexos são resolvidos e sentimos o clímax da nossa progressão. A música recorre a tons graves e instrumentos de corda, criando uma atmosfera envolvente e apropriada ao contexto histórico e à tensão da narrativa. Os efeitos sonoros merecem destaque especial. Cada engrenagem, fecho ou mecanismo reage com sons realistas, transmitindo peso e materialidade aos objetos com que interagimos. Estes sons ajudam a tornar os puzzles mais tangíveis e reforçam a sensação de que estamos realmente a manipular engenhocas físicas, com todas as suas fricções, estalidos e rangidos. A representação vocal é limitada, mas competente. O protagonista nunca fala, o que ajuda a manter a imersão, mas há algumas vozes pontuais, como a do misterioso benfeitor e de Leonardo da Vinci. Este último está particularmente bem conseguido, com uma voz que transmite carisma e um leve tom de irritação quando interrompido, por exemplo, durante a pintura da Última Ceia.

Conclusão

The House of Da Vinci 2 é uma sequela exemplar, que não só honra as qualidades do original como as amplia em praticamente todos os aspetos. Com mais locais para explorar, puzzles mais variados e complexos, e uma apresentação cuidada tanto ao nível visual como sonoro, esta aventura oferece uma experiência rica e envolvente para todos os fãs de jogos de puzzles. Ainda que a narrativa tenha alguns tropeços, nomeadamente no seu final demasiado expositivo e dependente de um cliffhanger, o percurso até lá é suficientemente cativante para justificar o tempo investido. A mecânica de viagem no tempo, os cenários renascentistas e as engenhocas meticulosamente desenhadas criam um ambiente único, onde a lógica e a criatividade se cruzam de forma magistral.

Com cerca de oito horas e meia de duração, The House of Da Vinci 2 é um convite irresistível a mergulhar no engenho do passado, resolvendo enigmas que não só desafiam o intelecto como encantam os sentidos. Para quem procura uma experiência cerebral, mas também visualmente recompensadora, este é um título que merece ser jogado com toda a atenção e curiosidade que um verdadeiro aprendiz de da Vinci saberá dar-lhe.

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