Chronicles of the Wolf surge como uma carta de amor confessa aos clássicos da saga Castlevania, especialmente aos seus capítulos mais antigos da era 8-bit. Num panorama em que a série original continua adormecida nos cofres da Konami, a equipa francesa liderada por Mig “MIGAMI” Perez oferece uma experiência que não apenas presta homenagem, mas quase se posiciona como uma continuação espiritual dos títulos da velha guarda. Ao misturar plataformas de estilo retro com elementos modernos, o jogo assume o legado do passado e entrelaça-o com folclore francês, centrando-se na lendária Besta de Gévaudan como pano de fundo. Para quem anseia por uma nova aventura gótica, Chronicles of the Wolf é uma proposta séria que merece ser explorada.
Jogabilidade
Em termos de jogabilidade, Chronicles of the Wolf aproxima-se bastante das mecânicas dos títulos Castlevania da NES, apresentando um estilo de controlo mais rígido e deliberado. O movimento do protagonista pode parecer antiquado para os padrões actuais, especialmente para quem está habituado à fluidez de Alucard em Symphony of the Night, mas essa rigidez é parte da identidade da experiência. O jogo combina a estrutura clássica de plataformas com uma abordagem Metroidvania moderna, permitindo exploração livre, regresso a áreas anteriores e descoberta de itens e habilidades que desbloqueiam novas zonas do mapa.
Os controlos respondem bem e o desafio é constante, sendo necessário planear bem cada movimento e combate. A dificuldade sobe consideravelmente após os primeiros momentos mais tranquilos, com destaque para uma visita a um sinistro taxidermista onde as cabeças de veados flutuam e os restos de ursos empalhados disparam projécteis traiçoeiros. O jogo obriga o jogador a fazer uso inteligente do dinheiro recolhido para adquirir poções de saúde e equipamentos úteis, promovendo uma gestão cautelosa dos recursos. Há ainda espaço para armas secundárias interessantes e ataques especiais desbloqueáveis através de artefactos, o que adiciona variedade à acção.

Mundo e história
Um dos aspectos mais fascinantes de Chronicles of the Wolf é a forma como a narrativa assenta em mitos locais, neste caso, a lenda da Besta de Gévaudan. Esta criatura mítica, que alegadamente aterrorizou o interior de França durante o século XVIII, serve como alicerce narrativo para uma história densa, enraizada em folclore e mistério. A escolha é certeira, proporcionando um enredo rico em atmosfera, com um toque histórico e sombrio que encaixa perfeitamente no tom gótico da aventura.
A narrativa é pontuada por momentos narrados com grande qualidade, graças à voz icónica de Robert Belgrade, o actor que deu vida a Alucard em Symphony of the Night. A sua participação dá ao jogo um peso adicional e estabelece de imediato a ligação emocional com os fãs da série original. Ao longo da campanha, o jogador cruza-se com personagens estranhas, ambientes decadentes e revelações que expandem a mitologia do mundo. Tal como nos melhores Metroidvania, a história revela-se tanto através do ambiente como por diálogos e interacções, mantendo sempre um tom misterioso e envolvente.
Grafismo
Visualmente, Chronicles of the Wolf é uma carta de amor ao passado, com um estilo gráfico que replica com precisão a estética dos jogos 8-bit, mas com detalhes subtis que aproveitam o poder do hardware moderno. Os sprites são bem animados, os cenários variados e repletos de pequenos pormenores que dão vida ao mundo gótico do jogo. Embora a paleta de cores e o design visual se mantenham fiéis aos clássicos, existe um brilho e nitidez que denunciam as capacidades contemporâneas por trás da fachada retro.
Durante a experiência, é possível encontrar pequenos problemas gráficos como flickering e glitches pontuais. No entanto, estes raramente interferem com a jogabilidade e até acabam por contribuir para o charme nostálgico do jogo. Houve momentos em que obstáculos se confundiam com o fundo, levando a alguma frustração, mas esses casos foram poucos e facilmente ultrapassáveis. No geral, a apresentação visual cumpre com distinção o seu objectivo de recriar uma era passada sem cair na armadilha da imitação cega.

Som
A componente sonora de Chronicles of the Wolf é um dos seus maiores triunfos. Composta por Jeffrey Montoya, a banda sonora combina elementos clássicos dos Castlevania com arranjos modernos de guitarra e baixo que lhe conferem uma identidade própria. Cada área tem uma faixa memorável que reforça a atmosfera sinistra e misteriosa do mundo, elevando a experiência emocional de cada momento.
Os efeitos sonoros também seguem a linha retro, mas com um cuidado especial na sua execução. Desde os sons das armas ao rugido das criaturas, tudo contribui para a imersão e para o sentimento constante de tensão. A narração, como já mencionado, acrescenta uma camada cinematográfica rara em jogos com este estilo visual. É um trabalho sonoro que respeita o passado mas não se coíbe de explorar novos caminhos.
Conclusão
Chronicles of the Wolf é, sem sombra de dúvida, uma das mais competentes homenagens aos Castlevania clássicos, e ao mesmo tempo, uma afirmação de identidade própria. O jogo consegue equilibrar a nostalgia com inovações subtis, oferecendo uma experiência desafiante, rica em atmosfera e cheia de surpresas para quem se deixar mergulhar no seu mundo sombrio. Os controlos podem parecer antiquados para alguns, e os ocasionais problemas gráficos estão presentes, mas esses detalhes são facilmente esquecidos perante a qualidade geral da proposta.
Com uma história envolvente baseada em mitologia francesa, uma direcção artística apaixonada e uma banda sonora marcante, Chronicles of the Wolf posiciona-se como uma proposta obrigatória para todos os fãs de plataformas góticas e aventuras retro. Resta agora esperar que este título sirva como um lembrete à Konami de que o legado de Castlevania merece continuar, mesmo que por agora o facho esteja a ser carregado por equipas talentosas e apaixonadas como a de MIGAMI.