Análise: Hell is Us

Hell is Us é um jogo que tenta encontrar o equilíbrio entre narrativa profunda, exploração livre e combate intenso. Desenvolvido com uma forte aposta na construção de mundo, o jogo coloca o jogador em Hadea, um cenário misterioso e envolvente, que rapidamente se revela um dos seus maiores atrativos. A narrativa é complexa e rica, com um universo cheio de pormenores e uma atmosfera que se destaca pela forma como envolve o jogador.

No entanto, apesar de começar com uma base sólida e promissora, Hell is Us não consegue manter o mesmo nível de qualidade em todos os aspetos. A história e a exploração são cativantes, mas o combate, que ocupa cerca de metade do tempo de jogo, acaba por ser repetitivo e pouco inspirado. É um jogo que se apresenta como uma experiência única, mas que também deixa a sensação de que podia ter alcançado algo ainda maior, se tivesse sido melhor equilibrado.

Nesta análise, vamos mergulhar nos pontos fortes e fracos de Hell is Us, analisando a jogabilidade, o mundo e a narrativa, assim como a componente gráfica e sonora, para percebermos se este título merece um lugar na coleção dos jogadores que procuram algo diferente.

Jogabilidade
A jogabilidade de Hell is Us está dividida essencialmente em duas vertentes: exploração e combate.

A exploração é, sem dúvida, um dos pontos altos do jogo. O jogador percorre várias zonas interligadas, regressando a locais anteriores à medida que descobre novas pistas e desbloqueia áreas antes inacessíveis. Ao longo da jornada, encontramos missões chamadas Boas Ações, onde é necessário ajudar os habitantes de Hadea. Estas missões geralmente envolvem encontrar e entregar itens, e o sistema é interessante porque permite negociar e trocar itens com qualquer NPC do jogo. Nunca sabemos ao certo quem precisa de quê, o que adiciona um elemento de descoberta constante.

Um detalhe que torna este sistema mais desafiante é o avanço do tempo. À medida que nos deslocamos entre zonas, o mundo muda — personagens podem desaparecer, paisagens alteram-se e certas missões podem falhar se não forem completadas a tempo. Por exemplo, se alguém estiver desesperado por medicamento e não conseguirmos entregá-lo a tempo, essa personagem morrerá e a missão falhará. Esta mecânica acrescenta um peso emocional às decisões e reforça a imersão no mundo. Além disso, a exploração envolve resolver puzzles que desbloqueiam segredos, lore e recompensas. Estes desafios variam desde portas trancadas que exigem chaves até mecanismos complexos, como encontrar combinações, ativar interruptores na ordem correta ou descobrir gatilhos escondidos no cenário. Não existe mapa no jogo, o que obriga o jogador a memorizar locais e pistas, tornando a experiência mais orgânica. Felizmente, o menu oferece pequenas ajudas, como indicar a região onde se encontra uma determinada porta, embora a chave possa estar noutro local distante.

Esta abordagem mais livre à exploração é refrescante, especialmente num mercado saturado por jogos que guiam constantemente o jogador com marcadores e setas. A liberdade de escolher quais áreas explorar e em que ordem, combinada com a necessidade de descobrir o propósito de cada item, faz com que esta parte do jogo seja envolvente e gratificante.

Já o combate não consegue atingir o mesmo nível de qualidade. Os controlos básicos — atacar, desviar, aparar e usar habilidades — funcionam bem, mas a falta de variedade de inimigos torna os combates repetitivos rapidamente. Depois de completar a segunda zona, o jogador já terá enfrentado praticamente todos os tipos básicos de inimigos, com apenas pequenas variações a partir daí. Os bosses, que podiam trazer momentos épicos, acabam por ser apenas versões mais fortes dos inimigos comuns, sem mecânicas únicas que os tornem memoráveis. Existem apenas quatro tipos de armas, e muitas das habilidades disponíveis revelam-se pouco úteis, fazendo com que o combate perca interesse após cerca de cinco horas de jogo.

Há ainda um sistema de equipamentos e relíquias que funcionam como melhorias passivas, semelhante aos anéis ou talismãs em jogos como Dark Souls. Embora acrescentem alguma profundidade, não alteram significativamente a forma como os combates se desenrolam. Um dos poucos destaques é o drone, que pode ser personalizado com diferentes funcionalidades para apoiar durante as batalhas. Esta mecânica traz alguma variedade, mas não é suficiente para compensar a falta de criatividade no design dos inimigos.

Mundo e história
O mundo de Hadea é a grande estrela de Hell is Us. A construção de lore é detalhada, coerente e rica em elementos que incentivam a exploração. Cada local parece ter uma história própria, e a sensação de descobrir segredos e compreender a cultura e os acontecimentos que moldaram este universo é recompensadora.

A narrativa acompanha Remi, o protagonista, que procura respostas num mundo em colapso. A história é contada de forma gradual, através de diálogos, documentos e pistas encontradas no cenário, incentivando o jogador a prestar atenção a cada detalhe. A forma como o jogo apresenta esta informação é natural e evita longas exposições, permitindo que a narrativa se desenrole de forma orgânica à medida que exploramos. Apesar de tudo isto, o final acaba por ser um dos pontos mais fracos da história. Após uma jornada tão envolvente, o desfecho não corresponde às expectativas criadas. Parece apressado e não atinge a mesma qualidade do restante enredo. Esta falha não anula o impacto da experiência, mas deixa uma sensação agridoce para quem se deixa envolver profundamente pelo mundo do jogo.

Grafismo
Visualmente, Hell is Us é impressionante. O estilo artístico destaca-se pela sua beleza e atenção ao detalhe, criando uma atmosfera única que mistura mistério e desolação. As paisagens são variadas e repletas de elementos que reforçam a sensação de estar num mundo vivo, em constante mudança.

O design dos ambientes é particularmente notável, com locais que parecem ter uma história própria e incentivam a exploração. O jogo também utiliza a passagem do tempo de forma inteligente, alterando a aparência dos cenários e reforçando a sensação de que o mundo continua a evoluir, mesmo sem a presença do jogador. No PC, o desempenho é sólido. Com uma placa gráfica 3080 Ti e processador 12900k, é possível alcançar uma média de 80 FPS a 1440p em definições altas, com quedas mínimas e praticamente sem crashes. Os bugs são raros e de pouca gravidade, como diálogos que não ativam corretamente, resolvidos com um simples carregamento do jogo.

Som
A componente sonora é outro ponto alto de Hell is Us. A banda sonora é envolvente e contribui de forma significativa para a imersão, com temas que conseguem transmitir emoções fortes e momentos de tensão. Em várias ocasiões, a música consegue provocar arrepios, reforçando a atmosfera já criada pelo grafismo.

O design sonoro é igualmente bem trabalhado, com efeitos que complementam a experiência de forma natural. O voice acting, embora competente, não chega a ser excecional. Infelizmente, Remi, o protagonista, acaba por ser a personagem menos interessante em termos de interpretação, ficando aquém da qualidade do resto do elenco.

Conclusão
Hell is Us é um jogo ambicioso que brilha na criação de mundo e na forma como incentiva a exploração livre. A narrativa é envolvente, a atmosfera é densa e a sensação de descoberta está presente em cada momento de jogo. É uma experiência que se destaca num mercado onde muitos títulos optam por guiar o jogador em excesso, oferecendo aqui uma abordagem mais orgânica e gratificante.

No entanto, a falta de variedade no combate acaba por comprometer parte significativa da experiência. Quando metade do jogo se baseia em enfrentar inimigos repetitivos e bosses pouco memoráveis, a diversão acaba por se desgastar rapidamente. Com uma campanha que pode durar entre 30 a 40 horas, dependendo do grau de exploração, Hell is Us oferece uma única jogada sólida, mas com pouca motivação para ser repetido. A ausência de decisões ramificadas ou múltiplos finais contribui para essa limitação.

Em termos de preço, o valor pedido na edição standard pode parecer justo se o combate não for uma prioridade para o jogador. Caso contrário, pode ser mais sensato esperar por uma promoção. No fim, Hell is Us é uma experiência que merece ser vivida, sobretudo por quem aprecia narrativas ricas e exploração detalhada. É um jogo que mostra imenso potencial e que poderia ter sido um forte candidato a jogo do ano, se o combate tivesse recebido a mesma atenção dedicada ao mundo e à história. Mesmo com as suas falhas, consegue oferecer uma aventura memorável para quem estiver disposto a mergulhar em Hadea e descobrir os seus segredos.

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