Mirthwood é um daqueles jogos que surgem no horizonte com ambição desenfreada e um brilho promissor. Apresentado em feiras como o PAX West, onde recebeu reconhecimento como um dos melhores títulos do evento, este RPG de mundo aberto não esconde a sua vontade de marcar presença. Inspirado por clássicos como Stardew Valley e envolto numa atmosfera que parece retirada diretamente do universo de Tolkien, Mirthwood é uma aventura que mistura fantasia, simulação de vida e exploração num só pacote. Apesar de algumas imperfeições técnicas, como pequenas quebras de desempenho e um sistema de combate menos refinado, o jogo consegue criar uma experiência cativante, rica em liberdade e repleta de possibilidades narrativas. A sensação de estar a viver uma nova vida num mundo estranho e cheio de segredos está sempre presente e é o motor que impulsiona o jogador.
Jogabilidade
A base jogável de Mirthwood assenta numa liberdade quase total. O jogador não é empurrado para missões específicas ou caminhos narrativos obrigatórios. Em vez disso, é convidado a construir a sua própria história, começando com a reconstrução de um lar deixado ao abandono e expandindo a sua influência numa nova terra. A progressão do personagem é feita através de um sistema de cartas, uma abordagem pouco convencional mas bastante eficaz. À medida que se realizam tarefas — seja colher recursos, fabricar objetos ou lutar — ganha-se experiência, desbloqueando cartas que oferecem bónus específicos. O jogador pode então personalizar o seu baralho de cartas ativas, atribuindo melhorias conforme o seu estilo de jogo. Esta camada estratégica não só torna o progresso mais interessante como também permite adaptar o personagem a múltiplas abordagens, do guerreiro ao artesão pacífico. No entanto, o combate é claramente o ponto mais fraco do conjunto. Apesar de incluir mecânicas típicas como bloqueios, esquivas e ataques leves e fortes, o sistema sofre de atrasos nos comandos, prejudicando a fluidez. É comum que o personagem sofra um golpe por não ter virado a tempo ou que os ataques falhem por milésimos de segundo. As armas de longo alcance também não ajudam, com uma mira exigente e imprecisa. Estes problemas não tornam o combate impossível, mas reduzem o prazer em enfrentamentos, levando muitos jogadores a evitá-los sempre que possível.
Apesar disso, o sistema de moralidade e interação social introduz uma variedade bem-vinda. As ações têm consequências reais. Ajudar ou sabotar personagens, manter relações saudáveis ou desestabilizadoras, casar, ter filhos e até ser recusado por um comerciante por não ser suficientemente sombrio — tudo isto influencia o rumo da história. O jogo recompensa escolhas menos óbvias e não trata o bem ou o mal como binários, criando uma experiência mais rica e imprevisível.

Mundo e história
A história de Mirthwood começa num tom sombrio: o personagem foge de uma cidade natal devastada por saqueadores, ferido e sem lar. Enviado para uma nova terra em busca de recomeço, é logo recebido por uma figura misteriosa com máscara de peste que lhe oferece uma casa — ainda que em ruínas. A premissa inicial funciona como ponto de partida para uma exploração mais livre, mas o mundo que se revela é tudo menos simples. Entre rumores de magia antiga, relíquias esquecidas e masmorras escondidas, o jogador é constantemente convidado a mergulhar mais fundo neste universo. Ainda assim, não é obrigatório enfrentar perigos de imediato. O jogo respeita o ritmo de cada jogador, permitindo que se dediquem à agricultura, comércio, relações sociais ou pura exploração. Os eventos aleatórios são um dos pontos mais interessantes do mundo de Mirthwood. Encontrar um ladrão na estrada pode levar a uma perseguição até à aldeia, onde os habitantes prontamente o afugentam com espadas em punho. Noutro caso, um aldeão pode lidar com o problema por nós sem que tenhamos de intervir, deixando o saque à nossa disposição. Estas situações imprevisíveis dão vida ao mundo e fazem com que cada sessão de jogo seja única. É essa sensação de um mundo que reage às nossas ações e onde tudo pode acontecer que sustenta a sua longevidade.
Grafismo
Visualmente, Mirthwood destaca-se pela sua estética desenhada à mão. A direcção artística remete para ilustrações dos séculos XV e XVI, conferindo-lhe uma identidade visual muito própria. Quando o jogador descobre uma nova área, o nome da região surge no ecrã com uma tipografia digna dos mapas de fantasia clássica, evocando de imediato a sensação de se estar num épico medieval. Os cenários, embora estilizados, são ricos em detalhe e cuidadosamente construídos para transmitir uma atmosfera viva e imersiva. Desde florestas densas a aldeias encantadoras, há sempre algo novo para descobrir e admirar. Apesar da beleza visual, há problemas técnicos que não podem ser ignorados. Em particular, o jogo sofre de quebras de framerate e stuttering, especialmente durante momentos mais exigentes, como perseguições ou fugas de combate. Ver o personagem saltar vários frames de repente pode comprometer a imersão e, em alguns casos, levar a falhas frustrantes. Embora não sejam erros críticos, ocorrem com frequência suficiente para merecer atenção futura por parte dos desenvolvedores.

Som
No campo sonoro, Mirthwood opta por uma abordagem subtil e eficaz. A banda sonora não é intrusiva, preferindo acompanhar o ambiente de forma quase invisível, mas sempre presente. As composições reforçam o tom épico e melancólico da aventura, sem se sobrepor à experiência. As transições entre áreas e eventos são acompanhadas por variações musicais apropriadas, ajudando a criar um sentimento de continuidade no mundo. Os efeitos sonoros cumprem a sua função sem deslumbrar. O som das ferramentas, dos combates e da natureza é suficientemente convincente, mas não atinge o nível de realismo que se poderia esperar num jogo com este grau de ambição artística. A ausência de vozes nas interações com NPCs pode ser sentida por alguns jogadores como uma oportunidade perdida, mas também reforça a ideia de um jogo mais introspectivo e pessoal, onde a narrativa se constrói em silêncio e escolhas subtis.
Conclusão
Mirthwood é um jogo que aposta tudo na liberdade, na narrativa emergente e na construção de um mundo cheio de possibilidades. A sua mistura de elementos de simulação, RPG e fantasia resulta numa experiência onde cada jogador pode escrever a sua própria história. Se por um lado o combate precisa de revisão e os problemas técnicos reduzem a fluidez geral, por outro, a profundidade das interações, o sistema de evolução com cartas e os momentos imprevisíveis que o mundo proporciona tornam-no memorável. Não é um jogo perfeito, mas é um jogo que arrisca. E, no meio de tantas produções seguras e previsíveis, é refrescante ver uma proposta que acredita tanto na sua própria visão. Mirthwood pode não agradar a todos, especialmente aqueles que procuram uma aventura mais dirigida ou polida, mas para os que valorizam a liberdade, a atmosfera e a construção do seu próprio caminho, é uma experiência a não perder. Se Stardew Valley tivesse um primo mais sombrio e épico, ele chamar-se-ia Mirthwood.