Análise: Quantum Witch

Quantum Witch é um jogo de aventura 2D com estética pixelizada, desenvolvido e publicado por NikkiJay. Longe de ser um tradicional jogo de plataformas, apresenta-se como um PLOTformer — uma experiência focada na narrativa. Assumimos o papel de Ren, uma jovem pastora carismática que começa o dia à procura do seu rebanho e acaba envolvida num enredo multiversal com potencial para alterar ou destruir o seu mundo. Combinando comédia, escolhas narrativas e temas obscuros, Quantum Witch é uma obra curta, mas que pretende ser vivida múltiplas vezes para que a história se revele por completo.

Jogabilidade

A jogabilidade de Quantum Witch é simples, mas incorpora uma mecânica bastante criativa: a habilidade quântica de Ren permite-lhe interagir com o fundo do cenário para progredir, algo que obriga o jogador a olhar além do óbvio. Esta ideia de explorar o plano de fundo para se movimentar no espaço demonstra uma originalidade rara e acrescenta profundidade ao design dos níveis.

O jogo pode terminar em poucos minutos ou estender-se por algumas horas, consoante as escolhas feitas. Estas decisões influenciam o destino de Hus, a aldeia de Ren, dos seus habitantes e da narrativa em geral. Felizmente, Quantum Witch inclui um sistema de checkpoints que facilita a exploração de diferentes finais, embora este só seja desbloqueado após algumas repetições. O título incentiva múltiplas jogadas, já que a sua história completa só é revelada ao longo de várias experiências. Este aspecto, porém, pode dividir os jogadores: há quem adore procurar todos os caminhos possíveis, mas outros poderão não sentir motivação para repetir a aventura, especialmente se a narrativa não os prender desde início.

Mundo e história

A história de Quantum Witch é, ao mesmo tempo, o seu maior trunfo e o seu maior obstáculo. O enredo toca em temas profundos, como trauma causado por seitas, inspirando-se em vivências pessoais da própria criadora do jogo. Essa bagagem emocional está presente no subtexto da narrativa e em alguns dos momentos mais obscuros do jogo. Porém, há um contraste evidente entre os temas sérios e o tom cómico da maior parte dos diálogos. Este desalinhamento tonal torna difícil criar empatia com os acontecimentos e personagens. Há momentos em que Ren é assassinada e depois ressuscitada por uma seita, sem que isso cause grande impacto na sua reação. Logo a seguir, ela retoma a sua busca pelas ovelhas como se nada tivesse acontecido. Esta falta de peso emocional reduz o impacto de cenas que deviam ser memoráveis.

Por outro lado, há momentos de humor bem conseguidos, como a necessidade de ouvir o desabafo de uma personagem semelhante a Lara Croft para receber uma faca. Estes episódios bizarros ajudam a manter a leveza, mas acabam por diluir o impacto dos temas mais densos, criando uma experiência algo inconsistente.

Grafismo

Visualmente, Quantum Witch aposta num estilo pixel art retro, com bom uso de cores e cenários que, embora simples, transmitem bem o ambiente das diferentes zonas exploradas. A direcção artística tem charme e coerência estética, sendo fácil identificar locais distintos dentro do multiverso apresentado. Apesar de não apresentar animações especialmente elaboradas, o grafismo cumpre bem a sua função e está em linha com outros títulos indie focados na narrativa. A criatividade visual reflete-se também na forma como o jogo representa as transições entre diferentes planos de realidade e os efeitos associados à habilidade quântica de Ren. Ainda assim, seria interessante ver mais variação nos ambientes, pois ao longo de várias jogadas, alguns locais tornam-se algo repetitivos.

Som

A componente sonora de Quantum Witch é discreta, mas competente. A música adapta-se bem às diferentes atmosferas e momentos do jogo, embora não se destaque particularmente por temas memoráveis. Os efeitos sonoros cumprem a sua função, dando alguma vida às interacções e ao ambiente, mas não contribuem significativamente para a construção emocional da narrativa. Dado o carácter introspectivo e tematicamente carregado de algumas secções, talvez uma banda sonora mais ousada e emotiva pudesse ter reforçado melhor o peso dramático das escolhas e das situações vividas por Ren. Ainda assim, o som nunca atrapalha e complementa bem a estética geral do jogo.

Conclusão

Quantum Witch é uma experiência narrativa peculiar, que mistura de forma inesperada temas traumáticos, humor, e mecânicas criativas. A sua proposta é ambiciosa, especialmente para um jogo tão curto, e oferece valor aos jogadores que gostam de repetir jogos para desvendar todos os caminhos narrativos.

Contudo, essa mesma ambição acaba por ser o calcanhar de Aquiles da experiência. A transição entre comédia e drama é demasiado abrupta e prejudica a coesão emocional da narrativa. A ausência de reacções fortes por parte das personagens perante eventos impactantes dificulta a ligação com o mundo e com as consequências das decisões tomadas. Ainda assim, é impossível ignorar o mérito da criadora ao tentar usar a arte como ferramenta de expressão pessoal e de catarse. Para quem valoriza histórias invulgares, humor inteligente e mecânicas experimentais, Quantum Witch pode ser uma aventura curiosa e, em certos momentos, cativante. Para os que preferem narrativas mais lineares e com maior clareza emocional, este jogo poderá revelar-se frustrante.

No fim de contas, Quantum Witch é uma obra que desafia convenções e vai dividir opiniões. Seja pela sua estrutura, tom ou ambição, não deixará ninguém indiferente — e talvez isso, por si só, já seja motivo suficiente para dar uma hipótese a esta aventura pixelada.

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