Análise: The Book of Aaru

The Book of Aaru é um título que chama a atenção desde o primeiro segundo, especialmente por colocar o jogador na pele de um gato amaldiçoado com poderes de manipulação temporal. Esta proposta, que mistura mitologia egípcia com ficção científica e elementos roguelite, surge pelas mãos da Amenti Studios e tenta seguir os passos de jogos como Hades ou Curse of the Dead Gods. Com ambientes destrutíveis, combates rápidos e um mundo misterioso, há muito potencial por trás desta aventura. No entanto, nem todos os feitiços antigos funcionam como prometido, e apesar do conceito intrigante, a execução tropeça frequentemente nas suas próprias ambições.

Jogabilidade

Em termos de controlo, o jogo segue os padrões habituais do género, com o tradicional esquema WASD para movimentação e um sistema de combate que aposta na combinação de ataques com duas armas, parries e uma habilidade de abrandar o tempo, que recarrega ao acertar golpes com sucesso. Este último aspeto, em teoria, devia oferecer uma camada táctica interessante. Na prática, acaba por facilitar em demasia os combates, permitindo ao jogador explorar falhas no sistema e dominar inimigos sem grande esforço. A curva de dificuldade torna-se quase inexistente, o que reduz drasticamente o impacto das batalhas.

Os ambientes são destrutíveis e é realmente divertido rebentar pilares ou procurar tesouros escondidos entre os escombros. Há segredos, caminhos alternativos e explosões que transmitem peso, mas por detrás desta areia toda, o jogo começa a perder brilho rapidamente. Logo no tutorial surgem problemas: bugs constantes, zonas que não desbloqueiam, menus que bloqueiam ou deixam de funcionar, e até atalhos que simplesmente deixam de responder. Mesmo após atualizações pós-lançamento, alguns destes erros persistem, o que mina toda a experiência. O sistema de progressão também é desinspirado. Depois de atribuídos os pontos de habilidade (os chamados Glyphs), não há forma de os redistribuir. Isto frustra qualquer tentativa de experimentação com builds diferentes. O combate, por sua vez, tenta ser rápido e vistoso, mas acaba por ser confuso e pouco gratificante. Os bosses são pouco memoráveis e o sistema de parry é tão impreciso que é difícil perceber se falhámos por culpa nossa ou por falhas de leitura do jogo. Os níveis, apesar de supostamente gerados aleatoriamente, rapidamente se tornam repetitivos, com armadilhas, layouts e elementos visuais a reaparecerem em quase todas as tentativas. Não há mapa, não há variedade e, acima de tudo, não há motivação para continuar.

Mundo e história

A premissa do jogo é, sem dúvida, fascinante: um mundo onde mitologia egípcia e tecnologia futurista coexistem, com um protagonista felino amaldiçoado a explorar túmulos ancestrais. No entanto, a história parece nunca arrancar verdadeiramente. Há referências a uma personagem chamada Emily Sands e a uma expedição em 1926, mas esses fios narrativos são deixados soltos, sem nunca serem devidamente desenvolvidos. Falta contexto, falta construção de mundo e falta uma ligação emocional entre o jogador e a personagem. Não se percebe bem quem somos, o que procuramos ou por que razão estamos ali. O jogo tenta evocar mistério e misticismo, mas acaba por deixar demasiadas perguntas em aberto — não de forma intrigante, mas sim frustrante.

Grafismo

Visualmente, The Book of Aaru tem uma identidade interessante. O estilo egípcio misturado com elementos tecnológicos lembra o universo de Stargate, criando uma estética que, embora não seja original, ainda consegue atrair o olhar. Há hieróglifos brilhantes, túneis com armadilhas e portais que evocam rituais antigos, tudo com um toque cósmico que combina bem com a proposta do jogo. No entanto, os modelos e texturas deixam a desejar. Muitos elementos parecem datados e pouco polidos, o que contrasta com a ambição artística da direção visual. Apesar disso, é possível vislumbrar beleza nas ruínas, especialmente quando as luzes e os efeitos de partículas se conjugam bem. A interface, por outro lado, segue o estilo do tema egípcio mas por vezes é pouco clara, tornando a navegação nos menus uma tarefa confusa.

Som

A banda sonora é, sem dúvida, o ponto mais forte de The Book of Aaru. Com influências árabes e egípcias, as melodias criam uma atmosfera densa e hipnótica que nos transporta para catacumbas sagradas e túmulos perdidos no tempo. É fácil perdermo-nos na música e esquecer, por momentos, os problemas do jogo. Apesar da ausência de vozes ou de uma narrativa falada, a sonoridade compensa essa lacuna, preenchendo o silêncio com batidas rituais e harmonias misteriosas. Infelizmente, mesmo o som não consegue sustentar a experiência durante muito tempo, pois a falta de variedade nos ambientes e na jogabilidade quebra a imersão que a música tenta construir.

Conclusão

The Book of Aaru é um jogo que, no papel, tinha tudo para se destacar. Um protagonista invulgar, um cenário mitológico futurista, poderes temporais e um sistema de combate promissor. Mas a realidade é que a execução está longe de ser sólida. Entre bugs persistentes, sistemas mal implementados, repetição de conteúdos e uma narrativa mal desenvolvida, a experiência rapidamente se torna frustrante. Há esperança de que, com futuras atualizações, o jogo possa renascer e atingir o potencial que se adivinha por detrás da areia. Por agora, contudo, é uma joia enterrada, que precisa de muito mais polimento para brilhar verdadeiramente. É uma proposta curiosa, mas só para os mais pacientes — ou para os fãs dedicados de gatos com poderes temporais.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ComboCaster