Everdeep Aurora é um daqueles jogos que à primeira vista promete uma experiência encantadora e intimista. Com um estilo visual simples, personagens carismáticas e uma premissa envolvente, é difícil não ficar curioso. Desenvolvido pela Nautilus Games e publicado pela Ysbryd Games, este título coloca-nos na pele de uma pequena gata chamada Shell, que parte numa jornada solitária para reencontrar a mãe. A viagem decorre num mundo onde a humanidade – e não só – foi empurrada para o subsolo devido a uma chuva constante de meteoros. No entanto, por detrás do charme visual e da promessa narrativa, esconde-se um jogo que sofre de várias lacunas em termos de acessibilidade e usabilidade, o que pode tornar a experiência mais frustrante do que gratificante.
Jogabilidade
À semelhança de títulos como SteamWorld Dig ou Mr. Driller, a jogabilidade base de Everdeep Aurora gira em torno da escavação. Shell começa com uma broca rudimentar alimentada por duas baterias. Cabe ao jogador explorar os túneis subterrâneos, perfurar diferentes tipos de materiais e interagir com criaturas residentes que muitas vezes oferecem pequenas missões ou informações úteis. Algumas dessas tarefas permitem adquirir upgrades para o equipamento ou novos combustíveis que possibilitam a progressão vertical mais profunda.
Apesar do ritmo de jogo ser bastante calmo, com uma ausência quase total de inimigos ou desafios de combate, a exploração pode tornar-se enfadonha e confusa devido à ausência total de tutoriais. Nada é explicado ao jogador. Como funciona a broca? Como recarregar energia? Como se guarda o progresso? Tudo é deixado ao instinto e à experimentação, o que pode tornar as primeiras horas de jogo particularmente frustrantes. Pequenos detalhes como aprender a transformar gemas em energia ou encontrar locais de upgrade tornam-se tarefas desnecessariamente obscuras.

Mundo e história
A narrativa de Everdeep Aurora é contada de forma subtil e discreta. Shell acorda à superfície, sozinha, com uma carta da mãe a pedir que a encontre no local de sempre. Sem mais indicações, e com o céu a ser continuamente bombardeado por meteoros, a pequena gata é obrigada a descer para as profundezas de um mundo fragmentado.
Ao longo da descida, Shell vai encontrando várias personagens que ajudam a construir um retrato mais completo do mundo em que vive. Desde o gentil sapo Ribbert, que lhe oferece a broca, a outros habitantes das profundezas, há sempre pequenas interações curiosas e diálogos que transmitem alguma vida à aventura. No entanto, esta componente narrativa é diluída pela estrutura do jogo e pelas dificuldades técnicas e mecânicas que prejudicam a imersão. A história existe, mas é preciso ter paciência e persistência para a ir desenterrando, o que poderá afastar alguns jogadores.
Grafismo
O estilo visual de Everdeep Aurora é minimalista mas eficaz. O jogo recorre a um esquema de cores limitado, com tons suaves e contrastes bem definidos, o que facilita a leitura dos elementos visuais, mesmo em modo portátil na Nintendo Switch. As personagens são simples mas expressivas, e os cenários, embora repetitivos, conseguem transmitir uma sensação de mistério e tranquilidade. Apesar da simplicidade gráfica, o jogo tem uma direção artística coesa. Os ambientes transmitem a solidão e o desconforto de um mundo subterrâneo, mas também são pontuados por momentos de beleza e cor que quebram a monotonia da escavação. No entanto, a ausência de variação significativa nos visuais acaba por se notar ao fim de algumas horas.

Som
A componente sonora de Everdeep Aurora acompanha bem o seu estilo visual e narrativo. As músicas são calmas, melancólicas, e reforçam a sensação de isolamento e contemplação que acompanha a descida. Não há grandes picos de tensão nem melodias memoráveis, mas existe uma harmonia entre o som e a jogabilidade que contribui para a atmosfera geral do jogo.
Os efeitos sonoros são igualmente simples. O som da broca a perfurar blocos, pequenos ruídos nas interações com NPCs e as mudanças subtis de ambiente servem bem o propósito, sem se tornarem intrusivos. Tudo no som de Everdeep Aurora é pensado para manter o jogador num estado de introspecção, reforçando a ideia de que esta é uma jornada pessoal e solitária.
Conclusão
Everdeep Aurora é um jogo que tem tanto de adorável como de frustrante. A sua apresentação visual e o tom narrativo prometem uma experiência tocante e relaxante, mas a execução falha em aspectos essenciais. A ausência de tutoriais, a gestão desajeitada do inventário e o sistema de gravação de progresso altamente limitado tornam a exploração subterrânea menos apelativa do que poderia ser. Pequenos detalhes, como o facto de só se poder guardar o jogo ao encontrar tendas específicas, ou a possibilidade real de ficar preso numa zona sem poder avançar nem recuar, penalizam duramente a experiência.
É um jogo que parece ter sido desenhado com muito carinho, mas que precisava de mais polimento em termos de usabilidade. Há detalhes positivos, como a possibilidade de ajustar o tamanho da fonte – algo raro e bem-vindo na Switch – e a presença ocasional de soluções de emergência, como Ribbert vir resgatar Shell, mas são paliativos que não resolvem os problemas estruturais.
No fim de contas, Everdeep Aurora será melhor apreciado por quem valoriza a estética e gosta de descobrir tudo por si mesmo, mesmo à custa da frustração. Para jogadores que preferem uma experiência mais guiada, com sistemas acessíveis e claros, este poderá ser um título difícil de recomendar.