Ghost of Tsushima surgiu num momento perfeito. Quando os jogadores começavam a sentir fadiga dos mundos abertos e o confinamento pandémico nos deixava sedentos por aventuras distantes, a recriação do Japão feudal pela Sucker Punch foi uma lufada de ar fresco. Era inevitável que o sucesso desse jogo levasse a uma continuação, e é exatamente isso que acontece com Ghost of Yōtei. Ainda que não tenha o mesmo impacto imediato do original, Ghost of Yōtei é uma sequela digna, sólida e ambiciosa, que volta a mergulhar na cultura japonesa com uma mestria rara no panorama atual dos videojogos.
A grande diferença está na abordagem. Em vez de continuar a história de Jin Sakai, Ghost of Yōtei é um conto totalmente novo, passado cerca de 300 anos depois dos eventos do primeiro jogo. Ao cortar a ligação direta com Tsushima, a Sucker Punch libertou-se das amarras narrativas e temáticas, abrindo espaço para explorar novas personagens, conflitos e dilemas morais. O resultado é uma aventura mais fria, mais sombria e introspectiva, onde a vingança e a solidão substituem a honra e o dever.
Jogabilidade
Ghost of Yōtei mantém as bases do sistema de combate de Tsushima, mas acrescenta-lhe novas camadas e algumas mecânicas que tentam refrescar a fórmula. O combate continua a ser o grande pilar da experiência, e embora nem tudo seja revolucionário, continua a ser incrivelmente satisfatório. A precisão dos parries, o peso das espadas e o impacto dos duelos continuam a ser exemplares. Há uma sensação quase coreográfica em cada confronto, como se cada golpe fosse uma nota numa peça de música violenta.
A maior novidade é a introdução dos ataques dourados, golpes devastadores que desarmam o jogador se este for atingido. Contudo, se o jogador conseguir contra-atacar com um ataque pesado no momento certo, é o inimigo que fica sem arma, criando oportunidades emocionantes de reversão. Estas armas caídas podem até ser arremessadas, e acertar um inimigo com a katana de outro é um prazer brutal. Outras adições incluem novas armas — o odachi, o kusarigama e o mosquete de mecha — que variam o ritmo dos combates, mas acabam por funcionar de forma semelhante às posturas de combate do primeiro jogo. O sistema de “chave e fechadura” mantém-se, obrigando o jogador a usar armas específicas contra certos tipos de inimigos. É um sistema eficaz mas algo limitador, pois impede a liberdade total de improviso.
A componente furtiva regressa praticamente intacta, embora continue a ser algo permissiva. É divertido esgueirar-se pelos acampamentos, eliminando sentinelas sem ser visto, mas a inteligência artificial raramente representa um verdadeiro desafio. Ainda assim, há momentos de pura tensão e elegância, especialmente quando se executam eliminações sincronizadas com o novo companheiro de Atsu — o lobo.
Atsu, a protagonista, pode encontrar e libertar alcateias inteiras de lobos aprisionados, e um deles torna-se seu aliado. Este companheiro é mais do que uma curiosidade: participa em combates, distrai inimigos e até partilha “standoffs” com a protagonista. É uma ideia simples mas poderosa, que reforça o tema central da união entre os que foram feridos pela injustiça. Por fim, o sistema de progressão continua muito ligado à exploração. As fontes termais aumentam a vitalidade, os desafios de bambu concedem energia espiritual e os pontos de habilidade são obtidos ao visitar santuários espalhados por Ezo. É um ciclo de exploração recompensadora que incentiva a conhecer cada canto do mapa. A personalização também recebeu mais atenção, permitindo criar estilos de jogo muito distintos. Há novos amuletos, combinações de armaduras e um sistema de “loadouts” que permite alternar rapidamente entre conjuntos de equipamento, um toque prático e bem-vindo.

Mundo e história
Ghost of Yōtei decorre em Ezo, a região que corresponde ao norte do Japão e à atual Hokkaido. A protagonista, Atsu, é uma mercenária que procura vingança contra os Yōtei Seis, um grupo de senhores de guerra liderados por Saito, um homem ambicioso que domina a região com punho de ferro. O seu domínio sangrento acaba por destruir a família de Atsu, deixando-a como a única sobrevivente. Dezasseis anos mais tarde, fria e endurecida pelo sofrimento, Atsu regressa para ajustar contas.
A narrativa é estruturada em torno das caçadas aos seis membros do grupo, cada um com uma história e personalidade próprias. O problema é que esta estrutura se repete um pouco em demasia: chegar à região, investigar, confrontar, falhar, recuar e repetir. Esta repetição quebra algum do ritmo e torna a segunda parte do jogo menos coesa. Apesar disso, cada arco individual oferece momentos fortes, e as lutas contra os líderes são autênticos pontos altos — intensas, cinematográficas e emocionalmente carregadas.
É na relação entre Atsu e o seu passado que o jogo mais brilha. Tal como nas obras de Akira Kurosawa, que claramente servem de inspiração, Ghost of Yōtei é uma reflexão sobre a natureza da vingança e a perda de humanidade que ela acarreta. A protagonista não é carismática no sentido tradicional, mas é fascinante pela sua determinação e fragilidade interior. O jogo também utiliza de forma inteligente a mecânica de regressar à casa de infância de Atsu, onde é possível alternar entre o presente e o passado, revivendo momentos que ajudam a compreender as suas motivações.
O retrato da cultura Ainu, povo indígena de Hokkaido, é outro dos aspetos mais notáveis. A Sucker Punch passou tempo com comunidades Ainu durante o desenvolvimento e esse cuidado reflete-se na autenticidade das tradições, vestimentas e mitologia representadas. É um toque de respeito histórico e cultural raro nos videojogos, que eleva a credibilidade e a riqueza do mundo apresentado.
Grafismo
Visualmente, Ghost of Yōtei é um colosso. Se Ghost of Tsushima já era um dos jogos mais belos da geração passada, Yōtei é pura demonstração de poder da PlayStation 5. A densidade dos ambientes, a qualidade da iluminação e o detalhe dos modelos são impressionantes, mas é na direção artística que o jogo realmente deslumbra.
Cada região de Ezo tem uma identidade distinta e profundamente ligada à narrativa. As planícies de Yōtei recordam os campos de Tsushima, cheios de flores e vento; as planícies de Ishikari, em contrapartida, são um espetáculo de tons vermelhos e cinzentos, com árvores em chamas e cinzas no ar, refletindo a brutalidade do senhor de guerra que ali impera. Esta ligação entre o estado do mundo e o estado emocional da história é uma das marcas de excelência da Sucker Punch.
O jogo oferece três modos visuais principais — desempenho, qualidade e ray tracing — que equilibram bem fluidez e detalhe. No modelo PS5 Pro existe ainda um modo Ray Tracing Pro que combina o melhor dos anteriores, com iluminação mais realista e 60 FPS estáveis. A nível artístico, o jogo introduz novos modos cinematográficos: o regresso do Modo Kurosawa em preto e branco, o novo Modo Miike, que adiciona mais sangue e sujidade, e o Modo Watanabe, que troca a banda sonora tradicional por batidas lo-fi, criando um tom mais descontraído e poético.
Ghost of Yōtei é também um dos jogos mais fotogénicos já feitos. Cada paisagem é uma pintura viva, cada pôr do sol um convite ao uso do modo fotografia. Há um domínio absoluto da cor e da composição, com momentos que parecem saídos de um filme.

Som
A componente sonora mantém a mesma qualidade exemplar que o primeiro jogo apresentou. A banda sonora mistura instrumentos tradicionais japoneses com composições orquestrais modernas, criando uma atmosfera que alterna entre o épico e o melancólico. As melodias de flauta, shamisen e taiko acompanham cada passo de Atsu, acentuando tanto a solidão das paisagens gélidas de Ezo como a intensidade das batalhas.
Os efeitos sonoros também são de grande qualidade. Cada golpe de espada tem peso e textura, cada passo na neve é audível, e o som do vento nas montanhas é quase hipnótico. A dublagem japonesa é recomendada e extremamente bem interpretada, transmitindo as nuances emocionais da história com naturalidade. O modo Kurosawa, com o som processado como se fosse de um filme antigo, é uma delícia para os puristas do cinema japonês clássico.
Conclusão
Ghost of Yōtei não reinventa a fórmula estabelecida por Ghost of Tsushima, mas aperfeiçoa-a com subtileza e respeito. É um jogo mais sombrio, mais contido e mais introspectivo, que troca a grandiosidade heroica de Jin Sakai por uma história de perda e vingança narrada com peso e maturidade. Ainda que o segundo ato perca alguma força e que as novas armas não tragam a revolução prometida, o conjunto é coeso e memorável. A beleza do mundo, a força da narrativa e a autenticidade cultural fazem de Ghost of Yōtei uma das experiências mais marcantes da PlayStation 5.
A Sucker Punch mostra novamente o seu talento em criar mundos que respiram história, espiritualidade e emoção. Ghost of Yōtei é uma viagem ao coração frio da vingança, mas também uma celebração da resiliência e da redenção. Pode não ter o mesmo impacto de Tsushima, mas é, sem dúvida, um novo clássico moderno — uma carta de amor ao Japão e à arte de contar histórias através do silêncio, da espada e do vento.