Com o número quase infinito de jogos roguelike disponíveis atualmente, é raro encontrar um título que consiga destacar-se verdadeiramente. Aethermancer, lançado em acesso antecipado no Steam, é um desses casos especiais. Desenvolvido pela Moi Rai Games — o estúdio responsável por Monster Sanctuary — o jogo tenta fundir a fórmula clássica dos colecionadores de monstros com as mecânicas de roguelike e um sistema de combate por turnos. O resultado é uma experiência que, mesmo em fase inicial, mostra uma base sólida e um grande potencial.
Aethermancer tem uma estrutura simples mas viciante, onde cada derrota é apenas o início de uma nova tentativa. A cada nova corrida, há a sensação de que o jogador aprendeu algo, evoluiu e está mais perto de chegar ao fim. É um loop de jogabilidade que mistura frustração e recompensa, mas de forma equilibrada, e que convida constantemente a fazer “só mais uma tentativa”. Apesar de existirem outros jogos que já exploraram a ideia de combinar colecionismo de monstros com roguelike, Aethermancer dá-lhe uma nova vida, elevando o conceito com um sistema de combate inteligente e um mundo cativante.
Jogabilidade
Aethermancer coloca o jogador no papel de Siriux, um Aethermancer encarregado de travar a corrupção do Void, uma substância que ameaça destruir o mundo. Para enfrentar esse desafio, Siriux pode formar laços com criaturas chamadas monstros, que também se encontram presas num ciclo de morte e renascimento. No início de cada sessão, o jogador escolhe um monstro inicial com dois tipos elementares — água e vento, fogo e terra, fogo e vento ou terra e água — cada um com um estilo de combate distinto.
A forma de “capturar” novos monstros é engenhosa: durante as batalhas, o jogador deve explorar as fraquezas elementares do inimigo até quebrar o seu cristal de resistência. Uma vez enfraquecido, o monstro pode ser adicionado à rotação de renascimento através de um talismã, um item limitado que se renova a cada nova corrida. O jogo, nesta fase de acesso antecipado, conta com 28 monstros distribuídos por três biomas, oferecendo variedade suficiente para manter a experiência interessante. Os combates decorrem num campo de batalha 2D com confrontos até 3v3, mas a estrutura do sistema é diferente da maioria dos RPGs por turnos. Em vez de depender de um número fixo de usos por habilidade, Aethermancer introduz um sistema de orbes elementares. Os ataques básicos geram estas orbes, que depois são consumidas para executar movimentos mais poderosos. Este sistema incentiva o equilíbrio entre ofensiva e planeamento, dando ao combate um ritmo natural e dinâmico.
Durante as lutas, tanto os inimigos como os aliados podem receber uma variedade de efeitos, como veneno, queimaduras ou terror. Por outro lado, os monstros do jogador podem ganhar bónus como escudos, aumento de poder ou regeneração. O escudo é particularmente útil, funcionando como pontos de vida temporários que absorvem danos antes de afetar a saúde real do monstro. Ao subir de nível, cada criatura desbloqueia novas habilidades, estatísticas e traços que personalizam o seu estilo de combate, introduzindo o fator roguelike na progressão.

Mundo e história
O jogo decorre em Terastae, um mundo abalado por um evento cataclísmico que destruiu a cidade central de Vigil e deu origem ao Void — uma entidade de destruição e criação contínuas. Este caos cósmico é o inimigo principal, e a missão do protagonista é impedir a sua propagação nas Fractured Ruins. A narrativa é minimalista, mas o conceito de entropia e renascimento confere-lhe um tom quase filosófico, refletido no próprio ciclo de morte e renascimento do jogador.
Fora das batalhas, o jogador explora as ruínas a partir de uma perspetiva superior, semelhante à de Hades, o que contribui para uma sensação de dinamismo e verticalidade. O terreno é composto por diferentes níveis e plataformas, e o jogador pode teletransportar-se através de cristais ou executar um dash aéreo para alcançar zonas elevadas. Esta mecânica não serve apenas para navegação, mas também para combate estratégico: atacar monstros a partir de uma posição superior enfraquece a sua defesa elemental, tornando-os mais fáceis de capturar.
Durante a exploração, é possível recolher ouro, usado apenas dentro das ruínas para comprar itens e serviços a um mercador local, e Aether, uma moeda mais valiosa usada em Pilgrim’s Rest — o centro de operações onde o jogador pode melhorar o seu equipamento, aumentar a vida dos monstros, fortalecer poções e expandir o número de itens iniciais. À medida que o jogador progride, novas personagens não-jogáveis aparecem neste hub, trazendo upgrades e histórias adicionais.
Grafismo
Visualmente, Aethermancer é deslumbrante. O estilo de pixel art é vibrante, detalhado e repleto de personalidade. Cada ambiente parece cuidadosamente construído, com uma atmosfera única que transmite tanto a decadência das ruínas como a energia mágica que as permeia. A perspetiva de topo ajuda a destacar os elementos do cenário e as animações das criaturas, que são fluidas e expressivas.
Em comparação com Monster Sanctuary, o design dos monstros é mais maduro e diversificado. A Moi Rai Games optou por criar criaturas que equilibram traços intimidantes e encantadores, evitando cair na estética excessivamente “fofa” do seu jogo anterior. O resultado é uma galeria de monstros com identidades fortes e memoráveis.
A única falha visual notável é a ausência de retratos de algumas personagens durante os diálogos. Apesar de os modelos estarem bem desenhados, a falta de arte de personagem quebra um pouco a imersão. No entanto, tendo em conta que o jogo está em acesso antecipado, é compreensível e provável que esta lacuna seja colmatada em futuras atualizações.

Som
O trabalho sonoro de Aethermancer complementa perfeitamente o ambiente e o estilo visual. A banda sonora mistura tons melancólicos com temas de aventura, criando uma sensação constante de descoberta e perigo. Cada bioma tem a sua própria identidade sonora, com melodias que variam entre o misterioso e o épico.
Os efeitos sonoros também são competentes, desde o impacto dos ataques às pequenas animações de interface. Os ruídos do ambiente, como o eco das ruínas ou o som etéreo dos cristais, contribuem para uma imersão agradável. Ainda assim, há espaço para melhorias, especialmente em termos de variedade de efeitos durante as batalhas. Se a Moi Rai Games continuar a expandir esta componente, Aethermancer poderá alcançar um nível de refinamento comparável a produções muito maiores.
Conclusão
Aethermancer é uma das surpresas mais agradáveis do género roguelike dos últimos tempos. Mesmo em acesso antecipado, o jogo apresenta uma base extremamente sólida que combina o espírito de exploração e descoberta dos colecionadores de monstros com a intensidade estratégica dos roguelikes. A estrutura por turnos é fresca, equilibrada e recompensadora, e o ciclo de tentativa e erro mantém o jogador sempre motivado.
Visualmente impressionante, mecanicamente profundo e com um ritmo viciante, Aethermancer consegue capturar a essência do que torna o género tão apelativo. É daqueles jogos que, após cada derrota, deixam a vontade de tentar de novo — uma sensação que poucos títulos conseguem transmitir desde Hades.Com mais conteúdos, ajustes e polimento, Aethermancer pode facilmente transformar-se numa referência dentro do género. A Moi Rai Games mostra aqui um talento especial para evoluir as suas próprias ideias, levando o conceito de Monster Sanctuary a um novo patamar de maturidade e complexidade. Mesmo com menos de trinta monstros disponíveis, o equilíbrio entre o adorável e o poderoso está perfeitamente conseguido.
Se o desenvolvimento continuar neste caminho, Aethermancer poderá vir a ser lembrado como um dos grandes exemplos de como o acesso antecipado deve ser feito: com ambição, identidade e um sistema de jogo que já agora é, por si só, viciante.