Antevisão: Devil Jam

Nos últimos anos, o desenvolvimento independente de videojogos tornou-se um terreno fértil para experiências inovadoras, e um dos géneros que mais beneficiou dessa democratização foi o dos jogos de ritmo. O conceito do que constitui um jogo rítmico expandiu-se imenso, permitindo que os estúdios misturassem géneros e experimentassem novas formas de integrar a música na jogabilidade. É essa vontade de experimentar que deu origem a títulos como Hi-Fi Rush, Metal: Hellsinger, Beat Saber, Thumper ou Everhood. Agora, é a vez de Devil Jam, um jogo que combina o caos dos bullet heavens com a precisão rítmica, oferecendo uma experiência que soa tão bem quanto se joga.

Desenvolvido pela Rogueside, Devil Jam tenta fazer algo que poucos jogos do género ousaram: transformar cada disparo e ataque num batimento musical. O resultado é um jogo que não só apela aos fãs de ação frenética, mas também a quem aprecia a sincronização perfeita entre som e movimento. É uma abordagem criativa e refrescante num género que, por vezes, parece saturado de clones e ideias repetidas.

Jogabilidade

Devil Jam é, à primeira vista, um bullet heaven como tantos outros: o jogador controla uma personagem que enfrenta ondas de inimigos intermináveis, coleciona melhorias e tenta sobreviver o máximo de tempo possível. No entanto, a diferença fundamental está no ritmo. Todos os ataques automáticos disparam em sincronia com a música, o que obriga o jogador a pensar e agir em cadência, transformando a ação caótica do género numa coreografia precisa.

Esta abordagem muda completamente a forma como se joga. Em vez de encher o ecrã de projéteis sem critério, cada movimento e cada disparo têm de ser pensados de acordo com o ritmo da banda sonora. A sensação de acertar ataques consecutivos ao som da batida é extremamente satisfatória e cria uma fluidez que raramente se vê neste tipo de jogos. Há algo de quase hipnótico em ver os disparos ondularem em padrões que se entrelaçam com a música.

Outro elemento que acrescenta profundidade à jogabilidade é o sistema de grelha onde se colocam as habilidades. O jogador desbloqueia ataques e efeitos passivos que precisam de ser organizados estrategicamente dentro dessa grelha, o que determina em que batimentos da música os ataques são executados. Isto abre espaço para a criação de combos complexos, onde diferentes ataques se encadeiam em harmonia, resultando em danos massivos quando tudo está sincronizado.

Além disso, existem as chamadas Sub-Weapons — modificadores passivos que reforçam ataques específicos, mas apenas se forem colocados nas casas corretas da grelha. Esta mecânica transforma o sistema de progressão num pequeno puzzle estratégico, onde é necessário equilibrar poder, ritmo e posicionamento. No entanto, há uma limitação que se faz notar: não é possível reorganizar as habilidades a meio da partida. Muitas vezes, o jogador percebe tarde demais que poderia ter criado uma combinação mais eficaz se pudesse reajustar a grelha durante a ação.

Mesmo assim, o conjunto funciona bem. A jogabilidade é envolvente, recompensadora e suficientemente distinta para manter o jogador preso. O ritmo deixa de ser apenas um elemento de fundo e torna-se o coração do combate.

Mundo e história

Sendo um jogo focado na jogabilidade e no ritmo, Devil Jam não coloca grande ênfase na narrativa. A demo disponível apresenta apenas o essencial para contextualizar a ação, com um cenário infernal e personagens de design estilizado que parecem saídas de um concerto de rock demoníaco.

O mundo de Devil Jam parece girar em torno de um conceito simples mas eficaz: o inferno transformado numa gigantesca pista de dança onde o caos e a música coexistem. Essa atmosfera funciona muito bem, servindo de pano de fundo para o estilo visual e sonoro do jogo. Cada inimigo e ambiente reforça a sensação de estar num espetáculo infernal onde a música dita as regras. Embora a história seja secundária, há potencial para o estúdio expandir este universo no lançamento completo, talvez explorando as motivações das personagens ou criando bosses que representem diferentes géneros musicais. Por agora, o mundo de Devil Jam serve sobretudo como palco vibrante para a jogabilidade e a música brilharem.

Grafismo

Um dos aspetos mais agradáveis de Devil Jam é o seu estilo visual. Em vez de seguir a tendência habitual do pixel art pesado e retro, o jogo aposta em visuais desenhados à mão. O resultado é um estilo limpo, expressivo e cheio de personalidade. Os inimigos destacam-se pela criatividade. Os morcegos-altifalantes, por exemplo, são um dos destaques do design, misturando humor e irreverência com uma estética demónica. Cada nova vaga de inimigos é uma pequena surpresa visual, e é evidente que houve esforço em dar variedade e identidade a cada criatura.

A direção de arte aposta em cores fortes e contrastes marcados, criando um ambiente que pulsa ao ritmo da música. Os efeitos visuais acompanham o som com elegância, evitando o problema comum dos bullet heavens: o ecrã saturado de partículas e projéteis indistintos. Aqui, mesmo nas fases mais intensas, a leitura visual mantém-se clara, o que é essencial num jogo que exige tanta precisão.

Som

Num jogo de ritmo, a banda sonora é tão importante quanto a jogabilidade, e Devil Jam não desilude. Cada faixa é composta para servir de estrutura à ação, com batidas marcadas que facilitam a sincronização dos ataques. A música tem uma energia constante, misturando elementos de rock e eletrónica que combinam perfeitamente com a estética infernal do jogo.

A sonoplastia também merece destaque. Os sons dos disparos, dos impactos e das ativações de habilidades encaixam-se de forma harmoniosa nas faixas musicais, criando uma sensação de coesão impressionante. Tudo está pensado para que o jogador sinta que está a tocar um instrumento através da personagem.Mesmo na curta demo disponível, é fácil perceber o potencial do áudio dinâmico. Cada nova habilidade adiciona pequenas variações à composição, tornando a experiência auditiva única a cada jogada. É um daqueles casos em que jogar com auscultadores é praticamente obrigatório.

Conclusão

Devil Jam é uma lufada de ar fresco no género bullet heaven. A combinação entre ritmo, estratégia e ação intensa cria algo verdadeiramente distinto, capaz de atrair tanto os fãs de jogos de ritmo como os de ação arcade.

A sua jogabilidade, centrada na cadência musical, obriga o jogador a pensar de forma diferente, transformando o caos num espetáculo coreografado. O sistema de grelha e Sub-Weapons introduz uma camada de planeamento rara neste género, e a direção artística ajuda a dar-lhe uma identidade própria. Ainda há espaço para melhorias — especialmente no que toca à gestão de habilidades a meio da partida —, mas o que está presente já demonstra imenso potencial. A demo, com o seu nível de dez minutos, é suficiente para mostrar que a Rogueside está no bom caminho.

Devil Jam tem tudo para se tornar num dos próximos grandes nomes do género, oferecendo uma experiência visual e sonora memorável, onde cada disparo é uma nota e cada vitória um solo infernal. Para quem gosta de sentir o ritmo tanto quanto o combate, este é um jogo a manter debaixo de olho.

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