Análise: Back to the Dawn

Back to the Dawn, desenvolvido pela Metal Head Games, é um RPG de sobrevivência e fuga que coloca o jogador dentro das paredes de Boulderton Prison, depois de ser injustamente acusado de um crime que não cometeu. O jogo decorre ao longo de 21 dias no calendário interno e oferece uma liberdade rara para decidir como gastar cada momento desse tempo limitado. O jogador pode tentar limpar o seu nome, preparar uma fuga ou até optar por se tornar uma figura poderosa dentro da prisão, ascendendo numa das três gangues que dominam o espaço. Embora não encaixe perfeitamente na definição tradicional de um immersive sim, Back to the Dawn oferece uma experiência de jogabilidade emergente que agrada a quem gosta de planear, improvisar e repetir partidas para explorar novas possibilidades.

A narrativa é dividida entre duas personagens jogáveis: Thomas, um jornalista engenhoso mas fisicamente pouco capaz, e Bob, um polícia infiltrado que recorre tanto à inteligência como à força bruta. Cada um tem a sua própria história, missões, interações e locais a visitar, e as diferenças não são apenas cosméticas. O enredo de Thomas, em particular, destaca-se pela relevância temática, abordando a importância da liberdade de imprensa e a perseguição a jornalistas que expõem injustiças.

Jogabilidade
A estrutura de Back to the Dawn é regida por um limite claro: 21 dias para concluir o objetivo principal de cada personagem. Este tempo não é apenas uma contagem regressiva simbólica; é um elemento ativo de pressão que obriga o jogador a maximizar cada ação. Trabalhar para ganhar dinheiro, construir relações com outros presos, reunir recursos para a fuga ou investigar pistas são atividades que competem pelo mesmo espaço temporal. Tal como em jogos como Dead Rising ou Pathologic, certos eventos acontecem em dias e horas específicas, quer o jogador esteja ou não presente.

As ações são resolvidas através de um sistema inspirado nos jogos de mesa, em que é necessário lançar dados para atingir um valor mínimo e ter sucesso. Isto introduz um elemento de sorte, mas também incentiva à adaptação: um mau lançamento obriga a encontrar uma alternativa para alcançar o mesmo objetivo. Esta mecânica de risco e improviso combina bem com o ambiente imprevisível da prisão.

O jogo foi concebido para ser jogado várias vezes. A primeira tentativa raramente resulta no melhor final, já que o jogador precisa de aprender a disposição da prisão, os locais onde encontrar certos itens e como funcionam as várias mecânicas. O modo New Game+ confirma que a repetição é uma parte intencional da experiência. Um exemplo disso é a campanha de Thomas, que oferece cerca de uma dúzia de métodos diferentes para escapar, cada um com objetivos e tarefas distintas, garantindo que cada nova partida apresenta algo diferente.

Mundo e história
Boulderton Prison é mais do que um simples cenário; é um espaço vivo, com 46 outros reclusos que possuem personalidades, objetivos e histórias próprias. Durante as três semanas no jogo, o jogador vai conhecendo estas figuras e, muitas vezes, criando ligações genuínas com elas. Esta é uma das maiores forças narrativas de Back to the Dawn, tornando cada interação significativa e potenciando a imersão.

Apesar deste cuidado com as personagens masculinas, a representação feminina não recebe o mesmo tratamento. Por ser uma prisão masculina, a presença de mulheres é naturalmente limitada, mas as poucas figuras femininas existentes — como Beth, a médica da enfermaria, e Maggie, a ex-namorada de Thomas — parecem ter pouco desenvolvimento comparado com os seus pares masculinos. Os encontros com estas personagens são funcionais, mas superficiais, e muitas vezes condicionados à possibilidade de romance, em vez de explorar camadas mais complexas da sua personalidade ou motivações. Outras figuras femininas aparecem brevemente em segmentos exteriores, como dançarinas num clube ou trabalhadoras sexuais, mas também não recebem profundidade narrativa.

Apesar desta limitação, a história principal mantém-se envolvente e capaz de gerar empatia, especialmente quando aborda temas como corrupção, lealdade e sobrevivência num ambiente hostil. Cada protagonista vive uma narrativa própria, com motivações distintas e reviravoltas inesperadas, criando um motivo sólido para explorar as duas campanhas.

Grafismo
Visualmente, Back to the Dawn adota um estilo pixel art detalhado, que consegue transmitir a atmosfera claustrofóbica da prisão sem perder legibilidade. Os cenários estão repletos de pequenos elementos visuais que reforçam a sensação de espaço vivido — desde os corredores desgastados e cheios de marcas de uso até aos pátios onde a tensão entre gangues é palpável.

As animações são simples mas eficazes, especialmente nas interações sociais e nos momentos de ação. A escolha estética remete para clássicos do género indie, equilibrando funcionalidade e estilo. Este grafismo contribui para a clareza da jogabilidade, permitindo que o jogador identifique rapidamente personagens, itens e pontos de interesse sem confusão visual. O design das personagens, tanto principais como secundárias, é distinto o suficiente para que cada uma seja facilmente reconhecível, o que reforça a sensação de ligação e familiaridade à medida que a campanha avança.

Som
A componente sonora de Back to the Dawn cumpre a função de reforçar o ambiente da prisão e as diferentes situações que o jogador enfrenta. As músicas variam entre temas discretos que acompanham a rotina diária e composições mais tensas durante momentos de confronto ou missões críticas.

Os efeitos sonoros são claros e contribuem para a imersão: o som metálico das portas, os passos ecoando nos corredores e o murmúrio constante de conversas ajudam a construir uma atmosfera convincente. Embora o jogo não tenha um trabalho de voz completo, as expressões escritas e o design sonoro trabalham em conjunto para dar vida aos diálogos e interações. O uso cuidadoso do silêncio também merece destaque, especialmente em situações em que o jogador se move furtivamente ou aguarda o momento certo para agir. Estes momentos de pausa sonora criam um contraste eficaz com a intensidade de outras cenas.

Conclusão
Back to the Dawn é um jogo ambicioso que combina gestão de tempo, exploração e narrativa ramificada para criar uma experiência única. A sua força reside na liberdade que oferece ao jogador e na forma como incentiva múltiplas jogadas para explorar caminhos alternativos. As campanhas de Thomas e Bob diferem o suficiente para justificarem duas experiências completas, e a diversidade de métodos de fuga e subtramas garante que a repetição raramente se torna aborrecida.

O limite de 21 dias funciona como uma faca de dois gumes. Por um lado, adiciona urgência e estratégia; por outro, pode frustrar jogadores que veem horas de progresso culminarem num final insatisfatório. No entanto, essa é precisamente a filosofia que sustenta a proposta do jogo: aprender, adaptar e tentar de novo. Há pontos a melhorar, sobretudo na escrita das personagens femininas, que poderiam ter mais presença e complexidade. Ainda assim, Back to the Dawn consegue criar um mundo coerente e cativante, capaz de prender o jogador tanto pela história como pela mecânica.

Para fãs de jogos como Hitman, The Escapists e Disco Elysium, esta é uma experiência que vale a pena, com espaço para evoluir e surpreender ainda mais em futuras atualizações.

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