Dead Take não é apenas um jogo de terror com puzzles. É uma experiência profundamente pessoal e inquietante que mergulha nos bastidores sombrios da indústria cinematográfica, explorando temas de manipulação, ambição e abuso de poder. Através de uma narrativa em primeira pessoa, o jogo da Surgent Studios mistura exploração, quebra-cabeças e gravações em vídeo real (FMV) para contar uma história que se sente perturbadoramente próxima da realidade. É menos sobre sustos repentinos e mais sobre o desconforto constante que nasce do reconhecimento de que, por detrás da ficção, podem existir experiências reais.
O protagonista, Chase, é um ator que se infiltra na mansão de Cain, um produtor famoso, à procura do seu amigo Vinny. O que começa como uma simples busca transforma-se numa descida a um labirinto físico e psicológico, onde cada pista revela mais sobre as dinâmicas tóxicas e destrutivas da produção de um filme.
Jogabilidade
Dead Take desenvolve-se num formato que lembra um “escape room” invertido. A mansão está quase toda trancada no início e é necessário resolver puzzles para desbloquear novas áreas. As mecânicas vão desde a procura de chaves com símbolos específicos, à resolução de enigmas musicais num piano, passando por códigos escondidos em pinturas e pistas ambientais.
A exploração é lenta e metódica. Vasculhar gavetas, ler documentos e observar o cenário com atenção são essenciais para avançar. A variedade de puzzles mantém o interesse, mas existe alguma inconsistência na sua dificuldade: a maioria recompensa a observação e o raciocínio lógico, mas há alguns demasiado simples e outros que se tornam frustrantes pela falta de clareza, obrigando à tentativa e erro.
A progressão também depende das gravações FMV recolhidas em pen drives. Cada uma oferece um fragmento da história e pode ser combinada com outra para desbloquear novas informações ou itens necessários para prosseguir. Este sistema é engenhoso, mas poderia ser mais explorado, sobretudo nos casos em que a combinação leva a pistas concretas em vez de recompensas “mágicas” que simplesmente aparecem no inventário.

Mundo e história
O ponto mais forte de Dead Take está na forma como constrói a sua narrativa e no peso emocional que transmite. A mansão de Cain, com os seus corredores escuros e salas de design peculiar, funciona como um reflexo distorcido da mente e dos segredos do seu dono. A atmosfera não depende de monstros ou sustos exagerados, mas de uma tensão constante que vem do conteúdo das gravações e das histórias que revelam.
As atuações são centrais. Neil Newbon dá a Chase uma intensidade quase perturbadora, enquanto Ben Starr transforma Vinny num personagem carismático mas moralmente dúbio. Alanah Pearce e Laura Bailey exploram temas de manipulação e misoginia na escolha da atriz principal, e Jane Perry, como a esposa de Cain, oferece um momento marcante e arrepiante. A história, embora fictícia, é apresentada como uma reação a casos e práticas reais, tornando-a mais verosímil e, por isso, mais desconfortável.
Grafismo
Graficamente, Dead Take aposta na recriação detalhada da mansão e na integração natural das gravações FMV. Os ambientes são ricos em detalhes visuais, com iluminação controlada para criar zonas de sombra e áreas mais abertas que transmitem uma falsa sensação de segurança. O design dos espaços lembra locais reais, evitando excessos estilizados, o que contribui para o realismo.
O uso de FMV é particularmente eficaz, com qualidade de imagem e produção que se aproximam de cenas cinematográficas. A transição entre o jogo e as gravações é fluida, ajudando a manter a imersão. Pequenos elementos, como pistas visuais escondidas nos cenários, incentivam a observação minuciosa e reforçam o papel investigativo.

Som
O som desempenha um papel crucial na atmosfera de Dead Take. Os diálogos, gravados com clareza e interpretação profissional, carregam a emoção e o peso da narrativa. Os silêncios são tão importantes quanto os sons: a ausência de ruído em certos momentos amplifica o desconforto. Efeitos subtis, como passos distantes ou objetos a mexer-se fora de vista, criam tensão sem recorrer a truques baratos.
A música é discreta e usada de forma cirúrgica, aparecendo apenas para reforçar momentos-chave. O trabalho de som nas gravações FMV é igualmente cuidado, com ambientes sonoros que situam cada cena num contexto próprio.
Conclusão
Dead Take é uma obra que transcende o simples rótulo de jogo de terror. Ao invés de apostar em sustos fáceis, apresenta uma narrativa intensa e interpretada de forma magistral, que expõe o lado mais sombrio de uma indústria onde o poder e o ego podem destruir vidas. O design de puzzles, apesar de alguns desequilíbrios, complementa bem a exploração e dá ao jogador uma sensação de conquista.
A mistura de exploração meticulosa, investigação narrativa e interpretações em vídeo real cria uma experiência que fica na memória. Dead Take não é um jogo para quem procura ação constante, mas sim para quem aprecia histórias que se infiltram lentamente na mente e deixam uma marca duradoura. É perturbador, intimista e, acima de tudo, real o suficiente para incomodar.