Análise: Heartworm

O género survival horror clássico tem vindo a conhecer uma nova vida no espaço indie, sobretudo graças a títulos que misturam a estética retro com algumas melhorias modernas. Jogos como Crow Country ou Alisa mostraram que é possível manter a essência do género enquanto se suavizam certas arestas que hoje parecem datadas. Heartworm, desenvolvido por Vincent Adinolfi, segue um caminho diferente. Em vez de tentar modernizar a fórmula, mergulha a fundo na exploração ambiental e na resolução de puzzles, evocando de imediato a mesma sensação que muitos tiveram ao jogar Resident Evil pela primeira vez. É uma experiência que apela aos fãs do género, mas que também mostra limitações claras, sobretudo por não conseguir desenvolver em pleno as boas ideias que apresenta logo no arranque.

Jogabilidade

O foco da jogabilidade em Heartworm está, sem surpresa, na exploração e nos puzzles. Os cenários são grandes e intrincados, pedindo ao jogador que avance de forma cuidadosa, preste atenção a notas espalhadas pelo ambiente e se perca nos labirintos da memória de Sam, a protagonista. A estrutura é relativamente simples: três grandes áreas e uma parte final. No entanto, só duas dessas zonas contam com combates contra bosses, deixando a progressão com alguns desequilíbrios. A navegação não é sempre intuitiva, e o jogo exige bastante backtracking, obrigando muitas vezes a revisitar locais já explorados. Este design pode agradar aos veteranos do género, mas pode também frustrar quem não está habituado a este ritmo mais metódico.

Apesar disso, o jogo apresenta algumas ideias interessantes. Sam combate usando uma câmara, num claro piscar de olho a Fatal Frame. O mais curioso é a mudança de perspetiva: da câmara fixa tradicional para uma visão na primeira pessoa sempre que se levanta a câmara para atacar. É um detalhe elegante e fluído, mas que raramente é explorado em todo o seu potencial. O combate acaba por ser reduzido a um obstáculo menor, mais um atraso no caminho do que uma verdadeira fonte de tensão. Os inimigos existem sobretudo para atrasar a exploração, não para aterrorizar o jogador. A exceção está nos cães, que conseguem surpreender pela agressividade. Mas, no geral, o combate carece de impacto.

As mecânicas secundárias também sofrem de falta de aproveitamento. O isqueiro só é usado numa secção, as modificações da câmara praticamente não têm utilidade, e a combinação de itens é pouco relevante fora de alguns puzzles ou da criação de itens de cura. Nota-se que há ambição, mas também uma clara falta de coesão no design, como se algumas ideias tivessem sido deixadas a meio do caminho.

Mundo e história

Heartworm abre com Sam, uma jovem marcada pela morte do avô e obcecada com teorias ocultistas. A sua investigação leva-a a uma casa misteriosa, associada a contactos com o além. É aí que descobre os arquivos, uma espécie de espaço entre realidades que serve de hub para o resto do jogo. A premissa sugere uma viagem profunda pelas memórias de Sam, mas a narrativa raramente explora em detalhe a vida da protagonista. Surgem pequenas referências a amigos, família, escola e trabalho, mas tudo de forma superficial, como se fossem apenas apontamentos soltos que nunca chegam a compor um retrato completo.

O jogo lança algumas ideias promissoras que nunca chegam a ser desenvolvidas. Logo no início, uma entidade persegue Sam até aos arquivos, numa sequência que remete para a pressão constante de Mr. X em Resident Evil 2. Era o tipo de ameaça que podia ter dado consistência ao terror, mas desaparece tão rapidamente quanto surge. Daí em diante, as memórias que exploramos carecem de contexto mais rico e acabam por ser tratadas como reflexos abstratos, sem grandes explicações. As notas espalhadas pelo mundo dão pistas de um enredo mais profundo, mas este raramente se manifesta na narrativa principal. Os finais alternativos, desbloqueados consoante o número de fotografias escondidas encontradas, dão algum motivo para várias jogadas, mas não compensam totalmente a sensação de falta de direção.

Também os bosses acabam por ser um desperdício narrativo. Uma aranha gigante e um veado surgem como inimigos principais, mas nunca se percebe bem a ligação deles às memórias ou à vida de Sam. Falta-lhes simbolismo, faltam-lhes raízes no enredo, e acabam por parecer apenas obstáculos temáticos colocados no caminho do jogador.

Grafismo

No campo visual, Heartworm consegue recriar de forma competente o ambiente retro dos jogos de survival horror da era da PlayStation. O título oferece dois modos gráficos: um mais moderno e outro com filtro retro, sendo este último o que melhor encaixa no tom da experiência. A estética lo-fi funciona bem, nunca se sentindo como uma mera muleta de nostalgia, mas sim como uma decisão artística que reforça a atmosfera. Os cenários estão bem construídos, com detalhes que ajudam a contar a história de cada espaço e objetos interativos que desencadeiam reflexões de Sam, tornando a exploração mais rica.

O design dos inimigos, por outro lado, é menos impressionante. As criaturas surgem mais como obstáculos genéricos do que como representações visuais de um terror psicológico ou de memórias distorcidas. Embora o aspeto seja coerente com o estilo gráfico escolhido, falta-lhes personalidade e, acima de tudo, significado narrativo.

Som

O som é um dos pontos fortes de Heartworm. A banda sonora consegue criar uma atmosfera densa e inquietante, transmitindo o desconforto típico do género. Os corredores silenciosos são acompanhados por uma espécie de zumbido constante, que mantém o jogador em alerta. A música sabe intensificar a tensão nos momentos certos e suavizar quando é necessário dar espaço à exploração. É um design de áudio que cumpre exatamente aquilo que um survival horror precisa: construir um ambiente que se sente vivo, mas ameaçador.

Os efeitos sonoros, embora simples, são eficazes. Passos, portas que rangem e o som metálico da câmara ao disparar reforçam a imersão. É através do som que Heartworm consegue transmitir melhor a sua identidade, mesmo quando a narrativa ou o combate não atingem o mesmo nível de impacto.

Conclusão

Heartworm é um jogo que tenta resgatar o survival horror clássico, colocando de lado grande parte das modernizações vistas em outros indies recentes. Consegue captar a essência dos jogos da era PlayStation, com a exploração labiríntica, puzzles engenhosos e uma atmosfera pesada construída através da estética retro e do som. No entanto, também herda alguns dos problemas dessa época, e adiciona outros, como uma narrativa que promete mais do que entrega, inimigos pouco inspirados e sistemas subaproveitados.

Ainda assim, a experiência mantém-se cativante para quem gosta do género. Os puzzles são inteligentes e recompensadores, os cenários têm personalidade e a jogabilidade, apesar das falhas, é sólida o suficiente para prender o jogador até ao fim. A curta duração convida a múltiplas repetições, em busca de finais alternativos ou de novos segredos escondidos. Heartworm podia ter sido um marco dentro do revivalismo do survival horror, se tivesse dado mais significado aos inimigos e bosses, e explorado melhor as memórias e a vida de Sam. Tal como está, é uma obra com falhas visíveis, mas também com bastante charme e atmosfera, capaz de agradar aos fãs que não se importam com algum backtracking e com uma narrativa mais vaga. É, no fundo, um exercício de nostalgia bem conseguido, ainda que incompleto, e uma boa demonstração de que o género continua vivo graças à paixão dos criadores independentes.

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