Análise: Ink Reverie

Nos últimos anos, temos assistido a uma saturação de jogos que exigem reflexos rápidos, ação constante e uma atenção quase extenuante do jogador. É parry atrás de parry, esquiva atrás de esquiva, até que surge a necessidade de algo diferente, algo mais calmo, que permita respirar e jogar ao ritmo que quisermos. É precisamente nesse espaço que Ink Reverie encontra a sua identidade. Desenvolvido pela Rolling Cat Studio e publicado pela indienova, este título combina de forma inesperada mecânicas de construção de cidades, elementos de idle game e até o clássico match-three. À primeira vista, pode soar como uma mistura caótica de géneros, mas o resultado final é surpreendentemente coeso e relaxante.

Ink Reverie apresenta-se como uma experiência casual, mas que não deixa de ter profundidade suficiente para manter o jogador investido. Ao longo de cinco mapas distintos, somos desafiados a erguer vilas e cidades, gerir recursos, explorar o território e alcançar um objetivo claro: maximizar o medidor de Prosperidade. O jogo não pressiona o jogador com limites de tempo ou falhas punitivas, e é aí que reside o seu encanto. Tudo se desenrola num ambiente calmo, com um estilo artístico inspirado no traço da caligrafia chinesa, transformando cada sessão de jogo numa experiência quase meditativa.

Jogabilidade

A base de Ink Reverie está na construção e evolução de edifícios. Cada mapa introduz novos cenários e estruturas, e a mecânica central gira em torno da ideia de fundir múltiplos edifícios iguais para formar versões de nível superior. É aqui que o match-three entra em ação: construir três estruturas idênticas permite combiná-las, resultando numa instalação mais avançada, capaz de gerar mais recursos ou fornecer mais mão-de-obra.

Os recursos principais incluem madeira, pedra, cereais e até chá, funcionando como combustível essencial para a economia local. Por outro lado, a mão-de-obra é garantida pelas casas construídas, mas estas pessoas precisam de ser alimentadas para que possam trabalhar nas infraestruturas. Assim, existe sempre um equilíbrio entre construir para expandir e garantir que a base da economia continua funcional.

O objetivo final em cada mapa é aumentar o medidor de Prosperidade, visível no canto superior esquerdo. Este sobe à medida que novos edifícios e infraestruturas são criados, mas também depende da expansão do território, que exige recursos e trabalhadores. Curiosamente, não existe penalização por falhar na alimentação da população; os habitantes simplesmente deixam de produzir até que sejam novamente abastecidos. Esta ausência de pressão transforma o jogo numa experiência mais próxima de um idle game, onde podemos deixar os processos automáticos a decorrer enquanto cuidamos de outras tarefas. Com alguma planificação, é possível progredir quase sem intervenção constante.

Mundo e história

Ink Reverie não aposta numa narrativa tradicional. Em vez disso, o mundo constrói-se através das próprias aldeias que erguemos, dos pedidos que os habitantes deixam e dos detalhes que emergem com o tempo. Cada mapa representa uma nova situação, com recursos específicos e diferentes tipos de edifícios, criando a sensação de que estamos sempre a começar um novo capítulo desta espécie de crónica urbana.

Existe também um elemento de vida subtil que dá corpo ao jogo: à medida que construímos casas e edifícios, os habitantes vão criando estradas e caminhos que conectam tudo, conferindo maior autenticidade ao cenário. Não é um mundo com enredos complexos ou personagens memoráveis, mas sim um palco onde a construção e a gestão dão origem a pequenas histórias emergentes. Um pedido por folhas de cerejeira, a construção de uma floresta inteira para sustentar a economia ou simplesmente observar os aldeões a movimentarem-se no mapa criam uma sensação de progresso orgânico.

Ainda assim, o jogo sofre de uma curva de aprendizagem pouco intuitiva. O tutorial é demasiado básico e rapidamente deixa o jogador entregue a si próprio. Isso leva a momentos de confusão, como perceber para que servem certos recursos ou como expandir os limites de armazenamento. Esses momentos de frustração quebram um pouco a harmonia do mundo criado, mas não o suficiente para arruinar a experiência.

Grafismo

Se existe um elemento que se destaca em Ink Reverie, é o seu estilo visual. O jogo adota uma estética inspirada no traço de pincel da caligrafia chinesa, conferindo-lhe uma identidade única. Cada edifício, árvore e estrada parece pintado à mão, com linhas fluidas e uma paleta de cores que transmite serenidade. É um estilo artístico que não só agrada visualmente como também reforça o caráter relaxante da experiência.

No entanto, esta opção estética também tem desvantagens. Certos sprites são difíceis de distinguir entre si, especialmente em níveis intermédios de evolução. As árvores são o exemplo mais evidente: no meio de tantas construções, acabam por se confundir com outras estruturas, dificultando a gestão eficiente do espaço. Além disso, o medidor de Prosperidade pode gerar alguma confusão, já que por vezes desce quando combinamos edifícios em estruturas de nível superior. Esta inconsistência visual e mecânica tira alguma clareza ao progresso, mas não compromete o impacto artístico global.

Som

A componente sonora acompanha bem o espírito do jogo. A banda sonora é suave e harmoniosa, complementando o estilo visual inspirado na caligrafia chinesa. As melodias criam um ambiente calmo, perfeito para longas sessões de jogo em que a pressão desaparece e apenas a contemplação importa.

No entanto, é fácil perceber que, após algumas horas, muitos jogadores optarão por colocar a sua própria música de fundo. O ritmo lento e repetitivo da jogabilidade encaixa bem com outros estilos musicais, e até o autor original da análise admitiu alternar para géneros como techno pop ou rock eletrónico. Isso demonstra que a música de Ink Reverie é agradável, mas talvez demasiado discreta para prender o jogador durante várias horas seguidas. Ainda assim, os pequenos detalhes sonoros, como os efeitos ao construir edifícios ou recolher recursos, contribuem para dar vida ao jogo. Nada é intrusivo ou exagerado, mantendo sempre o foco na experiência relaxante.

Conclusão

Ink Reverie é um jogo que mistura géneros improváveis de forma surpreendentemente eficaz. Ao combinar mecânicas de construção de cidades, match-three e idle game, consegue criar uma experiência que se distingue pela calma e pela acessibilidade. Não é um título que viva de narrativas elaboradas ou de sistemas complexos, mas sim de um equilíbrio bem conseguido entre ação mínima e contemplação.

Apesar das falhas, como um tutorial insuficiente e algumas inconsistências visuais e mecânicas, Ink Reverie mantém-se um jogo cativante. É ideal para quem procura algo que se jogue ao ritmo próprio, sem pressão ou exigência de reflexos. Um jogo para deixar a correr enquanto se lê um livro ou se faz outra atividade, sempre com a satisfação de voltar e ver a cidade a crescer.No fim, Ink Reverie cumpre o seu objetivo principal: proporcionar uma experiência relaxante e charmosa, perfeita para servir de antídoto à intensidade que domina tantos outros jogos. Não será para todos os gostos, mas para quem procura uma pausa tranquila no mundo dos videojogos, este título é uma escolha a considerar.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ComboCaster