Retrace the Light é o novo título da Xiaming Game, um estúdio independente que tem vindo a ganhar reputação pela sua criatividade e pelo cuidado visual que coloca em cada projeto. Desta vez, a ambição aumentou com um ARPG que manipula o tempo e combina combate, puzzles e uma narrativa centrada na mente humana. Ao contrário de tantos jogos independentes que privilegiam apenas o estilo visual, Retrace the Light tenta equilibrar forma e substância, oferecendo uma experiência que desafia tanto a atenção como a reflexão do jogador. Desde os primeiros momentos de jogo, fica claro que não estamos perante um ARPG convencional, mas sim perante uma aventura que tenta mexer com ideias de memória, consciência e cura emocional.
Jogabilidade
A jogabilidade de Retrace the Light assenta numa base típica de ARPG moderno: movimentos fluidos, controlo preciso e combates rápidos que exigem esquivas bem calculadas. No entanto, o grande trunfo do jogo é a manipulação temporal, que permite recuar no tempo para corrigir erros ou alterar a ordem dos acontecimentos. Este elemento dá profundidade às batalhas, que se transformam quase em puzzles dinâmicos onde posicionamento, ritmo e consciência das consequências se tornam essenciais.
A exploração é outro ponto forte. As áreas são desenhadas para despertar curiosidade, com caminhos secretos, colecionáveis e fragmentos de memória escondidos em cada canto. Estes elementos recompensam a atenção ao detalhe e reforçam o tema do jogo, que gira em torno de desvendar verdades emocionais e reconstruir eventos passados.
O combate mistura ação e estratégia. Certos inimigos exigem abordagens específicas, obrigando o jogador a adaptar-se e a pensar antes de agir. Cada confronto é uma espécie de engrenagem em movimento, onde o tempo é mais uma ferramenta à disposição do jogador. É fácil perceber que o estúdio pensou cuidadosamente em como cada sistema se interliga.

Mundo e história
A narrativa de Retrace the Light coloca o jogador na pele de um agente ao serviço de uma super inteligência artificial, cuja missão é ajudar a humanidade a lidar com memórias fragmentadas e traumas emocionais. Não é apenas um pretexto narrativo: o enredo influencia diretamente as mecânicas de jogo, especialmente quando o jogador entra em mindscapes para reparar danos psicológicos. Estes espaços mentais são usados tanto para contar história como para introduzir puzzles e desafios ambientais.
O tratamento do tempo é um dos aspetos mais interessantes da narrativa. Em vez de uma estrutura linear, o jogo incentiva a experimentar diferentes relações de causa e efeito, rejogando ou alterando determinados eventos para descobrir novas possibilidades. Esta abordagem sustenta o tom filosófico do jogo, que procura equilibrar ideias abstratas com objetivos humanos mais palpáveis.
As personagens, embora estilizadas de forma simples, revelam expressões marcantes. Os NPCs e as construções de memória comunicam emoções através de animações visuais subtis, reforçando a ligação emocional com o jogador mesmo sem diálogos extensos. O jogo transmite constantemente a sensação de que cada ação tem um peso emocional.
Grafismo
Visualmente, Retrace the Light é deslumbrante. O estilo visto de cima, aliado a cores vibrantes e a um toque quase pictórico, cria ambientes que parecem saídos de sonhos. As paisagens futuristas têm um brilho particular, contrastando com os cenários mais abstratos dos mindscapes, onde o jogador sente que atravessa uma pintura viva.
A iluminação é usada com grande eficácia, através de brilhos suaves e sombras dinâmicas que acrescentam profundidade à atmosfera de cada zona. As animações, apesar do estilo minimalista das personagens, são surpreendentemente fluidas. Ataques, esquivas e interações com o cenário têm impacto visual e reforçam a imersão. Além disso, pistas visuais desempenham um papel importante na resolução de puzzles e no comportamento dos inimigos, integrando-se perfeitamente no ambiente sem quebrar o tom artístico geral.

Som
A banda sonora acompanha o jogo com discrição, mas sempre no momento certo. A música alterna entre tons contemplativos e momentos mais tensos, refletindo os altos e baixos emocionais da narrativa. O design de som é igualmente cuidado: os impactos durante o combate são claros e satisfatórios, enquanto pequenos sons ambientais ajudam a orientar o jogador em puzzles ou a alertar para perigos próximos.
A interpretação vocal é mínima, focando-se em pequenos trechos narrativos. Esta decisão mantém o foco na música e no impacto emocional das cenas, deixando espaço para o jogador absorver o ambiente. O som funciona como uma extensão natural do grafismo, complementando a estética sem a sobrecarregar.
Conclusão
Retrace the Light é um ARPG que se destaca pela sua mistura inteligente de mecânicas, narrativa emocional e direção artística. A forma como combate, puzzles, exploração e manipulação temporal se entrelaçam demonstra um cuidado raro no panorama independente. Mesmo que alguns puzzles ligados ao tempo possam ocasionalmente gerar frustração, a sensação de conquista compensa abundamente esses momentos.
O sistema de progressão, baseado em XP obtida tanto em combate como na resolução de puzzles, incentiva um estilo de jogo equilibrado e reforça a sensação de evolução constante. Visualmente impressionante e sonoramente envolvente, o jogo cria um mundo futurista que apela tanto à curiosidade como à sensibilidade emocional. Retrace the Light é uma experiência singular, feita para ser descoberta e redescoberta, e confirma a Xiaming Game como um estúdio a seguir de perto.