Ritual of Raven é um daqueles jogos que tenta pegar num género já bastante explorado, o dos simuladores de agricultura, e dar-lhe uma nova vida ao cruzá-lo com conceitos de programação e automatização. A proposta é simples mas curiosa: em vez de cultivar com as próprias mãos, o jogador deve usar feitiços compostos por cartas de comandos para que construtos mágicos façam o trabalho por ele. Esta mistura entre simulação agrícola e lógica de programação cria um estilo de jogabilidade diferente do habitual, ainda que com algumas falhas na execução.
A aventura começa quando o jogador chega a Nevar Village através de um portal misterioso. Lá encontra Sage, uma bruxa simpática que promete ensinar tudo sobre feitiçaria, mas que rapidamente desaparece em busca do seu familiar perdido, Flufferstoop. Sem grande ajuda, resta apenas Raven, um corvo pouco útil que serve de familiar, e os habitantes da aldeia para guiar o jogador. Desde o início fica claro que o jogo quer ser uma experiência relaxante, com algum humor e personagens peculiares, enquadrando-se facilmente no género cozy.
Jogabilidade
A jogabilidade assenta em três pilares principais: agricultura, automatização e resolução de missões. No que toca à agricultura, Ritual of Raven apresenta um sistema bem diferente do habitual. Em vez de plantar, regar e colher manualmente, o jogador precisa de utilizar cartas de comandos para programar construtos mágicos. Estes construtos executam sequências chamadas Encantamentos, que podem ir desde ações simples como regar uma única parcela até rotinas complexas com condicionais e ciclos.
A sensação de conquista ao conseguir montar um conjunto de instruções que automatiza um campo inteiro é gratificante, mas o sistema revela-se rígido. Se houver um erro a meio da sequência, não é possível corrigir e continuar — é preciso reiniciar tudo. A ausência de um sistema de depuração retira fluidez à experiência, deixando uma sensação de frustração sempre que algo corre mal. Ainda assim, a possibilidade de guardar e carregar Encantamentos ajuda a mitigar algum do trabalho repetitivo.
Para além da agricultura, os comandos também são usados em puzzles espalhados pelo mundo. Estes desafios exigem que o jogador utilize as cartas certas para interagir com o cenário, sem explicações escritas, confiando apenas em pistas visuais. É um dos pontos altos do jogo, porque introduz uma camada de raciocínio adicional e cria momentos genuinamente recompensadores.
Apesar do foco na automatização, o jogo acaba por se inclinar mais para o cumprimento de missões tradicionais. Estas envolvem cultivar determinados produtos, apanhar recursos ou interagir com NPCs. O ciclo é descontraído, sem limite de tempo, mas sente-se que a vertente de programação poderia ter tido um papel mais relevante e recompensador.

Mundo e história
O mundo de Ritual of Raven é colorido e vibrante, composto por áreas distintas como a Crystal Forest, com os seus cenários brilhantes, ou o Swamp of Secrets, repleto de vegetação densa. Cada zona apresenta recursos únicos para recolher, bem como missões que se vão desbloqueando à medida que a história avança. Um elemento particularmente interessante é a influência das fases da lua no ambiente: tanto os recursos como as colheitas podem mudar de forma consoante a lua, e o jogador tem a capacidade de manipular essa condição para avançar nas tarefas.
Narrativamente, o jogo aposta numa abordagem leve e simpática, centrada nos habitantes de Nevar Village. Apesar de não existir um sistema de relacionamentos tradicional, há pequenas histórias que exploram temas como empatia e aceitação. Um exemplo é a relação entre Dan e Pip, irmãos afastados que lidam com o medo de dececionar um ao outro. Estas narrativas dão alguma profundidade ao jogo, ainda que de forma modesta.
O enredo principal é simples, mas eficaz para manter o jogador motivado. A busca de Sage pelo seu familiar acaba por servir de pano de fundo enquanto o protagonista vai ajudando os aldeões e descobrindo mais sobre o mundo. Não é uma narrativa que marque profundamente, mas cumpre a função de dar coesão ao conjunto.
Grafismo
Visualmente, Ritual of Raven aposta num estilo colorido e alegre. As personagens têm sempre um aspeto algo caricato, independentemente da personalização escolhida, o que acaba por contribuir para a leveza do jogo. O design das áreas é variado e criativo, oferecendo cenários que se distinguem facilmente uns dos outros, desde florestas cristalinas a pântanos misteriosos.
A perspetiva com a câmara afastada pode exigir algum tempo de habituação, já que o protagonista aparece bastante pequeno no ecrã. Contudo, esse afastamento permite apreciar melhor os cenários amplos e o estilo artístico vibrante.
Há, no entanto, alguns problemas técnicos, nomeadamente quebras de framerate em zonas mais movimentadas. Embora não sejam graves ao ponto de prejudicar a experiência, acabam por destoar num jogo que aposta numa atmosfera relaxante.

Som
A componente sonora reforça a identidade acolhedora do jogo. A música de fundo é calma e relaxante, funcionando como um complemento ideal para longas sessões de agricultura ou exploração. Os efeitos sonoros, por sua vez, distinguem-se pela sua originalidade: em vez de vozes tradicionais, as personagens comunicam através de sons que parecem vir de aves ou até crocodilos, criando um efeito curioso e divertido.
Este detalhe sonoro, aliado à música suave, ajuda a compor a atmosfera cozy que Ritual of Raven procura oferecer. Mesmo após várias horas de jogo, as faixas mantêm-se agradáveis e não chegam a cansar, algo importante num género que convida à repetição.
Conclusão
Ritual of Raven é um simulador agrícola diferente, que tenta refrescar o género ao incorporar mecânicas de programação e automatização. Embora estas ideias sejam criativas e tragam momentos de verdadeira satisfação, acabam por não ser exploradas ao máximo. A automatização poderia ter um papel mais central e recompensador, em vez de funcionar quase como um complemento opcional.
O jogo brilha mais nos seus puzzles baseados em comandos, no ambiente relaxante que proporciona e no elenco de personagens simpáticas que enriquecem a experiência. Visualmente apelativo e com uma sonoridade bem ajustada, consegue criar uma atmosfera convidativa para quem procura um jogo tranquilo e acolhedor.
Ainda que não revolucione o género, Ritual of Raven consegue destacar-se pela sua abordagem única e pelas pequenas histórias que transmite. É uma experiência recomendada para quem gosta de simuladores agrícolas com um toque diferente, ainda que quem esperasse uma automatização profunda e recompensadora possa sentir alguma desilusão. Ritual of Raven é um jogo encantador, mas com espaço para crescer. Se no futuro os criadores apostarem mais na vertente de programação e trouxerem um sistema de relacionamentos mais robusto, poderá tornar-se numa referência dentro do género cozy. Atualmente, é uma experiência simpática e relaxante, mas não totalmente inesquecível.