Análise: s.p.l.i.t

s.p.l.i.t é um daqueles jogos que não tentam competir com grandes produções nem impressionar com gráficos de última geração, mas sim criar uma experiência curta, intensa e memorável. Trata-se de um jogo narrativo de terror com uma forte componente de hacking através de terminal, algo que vai imediatamente apelar a fãs de ficção científica e a curiosos pelo lado mais cru da computação. A proposta é simples: em cerca de 30 a 45 minutos, vives uma missão arriscada de infiltração digital, onde o que está em causa não é apenas a execução de um ataque, mas também o peso moral e psicológico de fazer parte de algo que só será conhecido muito tempo depois.

Apesar da sua curta duração, s.p.l.i.t consegue deixar uma marca. A combinação entre narrativa e interatividade cria um ambiente tenso, onde cada comando que escreves no terminal é um passo mais fundo numa rede obscura de tecnologia e ética duvidosa. É também um jogo que não tem medo de confundir ou de afastar quem não esteja disposto a aprender o seu sistema. Por isso, acaba por ser uma experiência direcionada para um nicho específico, mas que nesse nicho poderá ser altamente valorizada.

Jogabilidade

A jogabilidade de s.p.l.i.t está centrada na interação com dois elementos principais: um chat IRC e um terminal de linha de comandos. No chat, comunicas com outros técnicos, trocas informações e delineias o plano para infiltrar-te na instalação alvo. É aqui que recebes pistas sobre vulnerabilidades e sobre os passos seguintes, enquanto a narrativa avança de forma orgânica através de conversas que soam reais.

O terminal, por sua vez, é o coração mecânico do jogo. Usando comandos tradicionais inspirados em sistemas Linux, és desafiado a navegar por diretórios, executar programas, explorar ficheiros e lançar ataques específicos. Esta parte pode ser tanto fascinante como frustrante. Fascinante porque recria de forma imersiva o ambiente de hacking realista, onde nada é explicado de forma mastigada. Frustrante porque, para quem não domina ou não tem paciência para descobrir os comandos, a curva de aprendizagem pode ser íngreme.

Não há menus tradicionais nem objetivos marcados no ecrã. Toda a interface é diegética, ou seja, faz parte do mundo do jogo e é apresentada como se estivesses mesmo dentro daquele sistema. Essa escolha aumenta a imersão, mas também significa que o jogador tem de estar constantemente atento a pistas e instruções, muitas vezes subtis. Em certos momentos, a progressão pode ficar bloqueada por não saber exatamente qual o comando certo a introduzir, e é por isso que alguns jogadores recomendam ter um guia à mão.

Mundo e história

A história de s.p.l.i.t é curta, mas densa. A missão leva-te a infiltrar uma instalação descrita como uma superestrutura de eletrónica antiética, onde o que está em causa não é apenas a destruição ou roubo de dados, mas sim expor algo muito mais sombrio. A narrativa é transmitida de forma fragmentada, através do chat com os teus colegas e de pequenos detalhes escondidos nos ficheiros e diretórios que exploras.

É um mundo que remete para ficção científica clássica, com inspirações claras em obras como I Have No Mouth, and I Must Scream. Existe uma sensação de distopia tecnológica, onde as máquinas e os sistemas informáticos têm tanto poder como qualquer governo ou entidade militar. Ao mesmo tempo, o jogo não explica tudo, deixando espaço para o jogador preencher as lacunas e imaginar o que realmente se esconde por trás daquela missão. O mais interessante é que, independentemente de como jogues, a tua história não será contada durante décadas. Esta premissa adiciona uma camada de melancolia e insignificância à missão. És apenas uma peça de um jogo maior, cujo impacto só será sentido muito tempo depois. Essa sensação de pequenez e de anonimato contrasta com o peso moral das ações que tomas, tornando a narrativa mais marcante.

Grafismo

s.p.l.i.t aposta num grafismo minimalista, centrado quase exclusivamente na interface do terminal e do chat. Não há cenários detalhados, personagens modeladas ou ambientes tridimensionais elaborados. Em vez disso, o jogo constrói a sua estética através de texto, cores simples e alguns elementos visuais que simulam um ecrã de computador antigo. É uma abordagem que serve perfeitamente o objetivo de imersão: o jogador sente-se como se estivesse mesmo a usar um sistema informático obsoleto, escondido algures nas entranhas de uma instalação secreta.

A ausência de elementos visuais complexos não significa falta de identidade. Pelo contrário, o estilo visual contribui para criar uma atmosfera claustrofóbica e técnica, onde tudo parece ter sido desenhado com propósito. É também um exemplo de como menos pode ser mais, quando o foco está na experiência e não no espetáculo gráfico.

Som

A banda sonora original de s.p.l.i.t é subtil, mas eficaz. Em vez de recorrer a música constante, opta por criar momentos sonoros que reforçam a tensão ou sublinham acontecimentos importantes. Há também uma componente de atuação vocal que surpreende pela qualidade, ajudando a dar personalidade às conversas e a criar empatia com os colegas técnicos. Os efeitos sonoros são igualmente importantes para a imersão. O som das teclas, o ruído de fundo de sistemas eletrónicos e pequenas distorções sonoras reforçam a sensação de estar num ambiente tecnológico fechado. É um design sonoro que não tenta ser chamativo, mas que cumpre o papel de sustentar a atmosfera e aumentar o envolvimento do jogador.

Conclusão

s.p.l.i.t é um jogo curto, intenso e muito específico no seu público-alvo. Não é para todos, e nem tenta ser. A sua jogabilidade baseada em terminal vai afastar quem não tiver interesse ou paciência para lidar com sistemas pouco explicativos, mas para quem entrar no espírito, é uma experiência memorável. A narrativa, embora breve, é eficaz em criar um mundo credível e perturbador, e o seu final consegue ser satisfatório dentro do tom depressivo e distópico que o jogo estabelece.

O valor pedido é baixo e proporcional ao que oferece. Em meia hora a 45 minutos, é possível viver uma pequena história de ficção científica com elementos de terror tecnológico, que deixa uma impressão duradoura. É um daqueles jogos que, mesmo depois de fechados, continuam a assombrar a memória, não pela quantidade de horas, mas pela intensidade da experiência.

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