Service with a Shotgun é daqueles projetos independentes que surgem quase sem aviso e acabam por surpreender pela criatividade. Desenvolvido por uma única pessoa, combina visual novel, tiroteios contra zombies e uma estética profundamente influenciada por Coffee Talk e VA-11 Hall-A. À primeira vista parece uma mistura impossível: servir clientes, manter conversas mais ou menos profundas e, ao mesmo tempo, disparar caçadeiras contra hordas de mortos-vivos que tentam entrar pela porta da loja. No entanto, esta estranha combinação funciona melhor do que seria de esperar, oferecendo uma experiência curta mas marcante, com muito estilo e uma atmosfera muito própria.
Jogabilidade
A jogabilidade assenta em duas frentes: conversação com os clientes e defesa da loja contra zombies. A ação decorre sempre atrás do balcão, numa perspetiva de FPS estacionário. Os clientes surgem, falam sobre os seus problemas e histórias pessoais, e entre cada linha de diálogo temos de virar a arma para o lado e disparar contra inimigos que avançam lentamente. Esta dualidade cria uma mecânica de multitarefa que é, surpreendentemente, o coração do jogo.
Durante as conversas, temos de prestar atenção ao que nos dizem, porque o jogo faz pequenas perguntas sobre essas informações. Se acertarmos, ganhamos algum dinheiro ou munições extra. No entanto, se falharmos, as consequências são quase inexistentes. O jogo nunca impõe verdadeira pressão económica, pelo que falhar estes pequenos questionários raramente muda algo. Isto enfraquece um potencial elemento de tensão, já que seria natural que a necessidade de ouvir atentamente aumentasse a intensidade do jogo. Mesmo assim, a sensação de ter de alternar entre um diálogo emocional e a urgência de disparar contra um zombie a meio da frase cria momentos divertidos e caóticos.
Quando a repetição ameaça instalar-se, o jogo apresenta novas ferramentas e sistemas: barricadas, armadilhas, torres automáticas e até alguns níveis isolados totalmente em 3D, onde podemos mover-nos livremente. Estes segmentos, ainda que simples, são essenciais para quebrar o ciclo básico, mantendo a jogabilidade fresca até ao final.

Mundo e história
A narrativa não tenta ser épica nem complexa. Jones, o protagonista, é apenas um trabalhador de uma loja de beira de estrada que tenta sobreviver num mundo onde o serviço ao cliente é literalmente um inferno. Os clientes que encontramos são caricaturas simpáticas e engraçadas, com pequenas histórias que oferecem momentos de humor, introspeção ou sarcasmo.
Apesar de a escrita ser algo amadora e previsível, o jogo compensa com uma boa dose de charme. O tom oscilante entre o humano e o absurdo cria uma vibe muito particular, que funciona graças à honestidade do projeto. Não tenta imitar grandes narrativas, mas sim apresentar pequenas histórias de sobreviventes num cenário pós-apocalíptico tratado de forma descontraída.
Grafismo
O grafismo aposta num estilo retro encantador. As personagens são desenhadas à mão, com traços expressivos e cores suaves, transmitindo uma estética próxima de novelas visuais clássicas. Os segmentos em 3D são muito simples, mas cumprem perfeitamente a função de variar o ritmo e dar ao jogador uma sensação diferente sem quebrar o estilo geral. O ambiente é limitado, já que a maior parte do tempo ficamos atrás do balcão, mas o uso inteligente de pixel art faz com que o jogo mantenha uma identidade visual forte e memorável.

Som
A banda sonora é, sem dúvida, o elemento mais impressionante do jogo. Mistura lo-fi, hip-hop suave e jazz de forma exemplar, criando um ambiente relaxado que contrasta com a tensão dos zombies a aproximarem-se. É o tipo de música que poderíamos ouvir durante horas sem cansaço, e contribui imenso para a atmosfera confortável, quase cozy, que o jogo consegue manter mesmo rodeado de caos. Os efeitos sonoros são funcionais e cumprem o seu papel, mas é a música que realmente se destaca e eleva a experiência.
Conclusão
Service with a Shotgun é um daqueles jogos que não procuram grande profundidade, mas sim oferecer algo diferente e feito com paixão. A jogabilidade é simples, a escrita é modesta e a campanha é curta, durando cerca de três horas. No entanto, a criatividade, o ritmo inteligente e a banda sonora excecional transformam-no numa experiência que vale a pena descobrir. É um projeto indie honesto, cheio de coração, com ideias interessantes que poderiam ter sido exploradas mais a fundo, mas que ainda assim conseguem criar uma aventura memorável. Para quem aprecia jogos pequenos, estranhos e cheios de estilo, esta loja de beira de estrada em plena invasão zombie é uma paragem obrigatória.