The Drifter é um jogo de aventura point and click com uma estética carregada de atmosfera e um enredo que mistura drama humano com elementos de conspiração e ficção científica dignos de um filme de série B. Criado pela Powerhoof, o jogo aposta numa narrativa intensa e personagens com personalidade vincada, colocando-nos na pele de Mick Carter, um protagonista teimoso, mal-humorado, mas de bom coração, que regressa a uma terra que prometeu nunca voltar a visitar. O resultado é uma experiência que, apesar de alguns excessos de interpretação e de um início demasiado acelerado, consegue manter o jogador agarrado até ao fim, combinando puzzles, diálogos marcantes e momentos de verdadeiro impacto visual e sonoro.
A estrutura do jogo é construída para manter o ritmo elevado, alternando entre pequenas pausas para resolver puzzles e sequências narrativas de grande intensidade. Embora por vezes se torne quase absurdo no exagero emocional, especialmente na primeira metade, The Drifter consegue equilibrar essa energia com momentos mais contidos, revelando-se no final como uma história sólida e coerente.
Jogabilidade
The Drifter segue a fórmula tradicional das aventuras point and click, mas com algumas decisões que alteram a forma como interagimos com o mundo. O sistema de controlo com comando é elogiado pela sua acessibilidade, utilizando um esquema circular de pontos de interesse que facilita a exploração. No entanto, esta funcionalidade pode retirar algum do mistério e da atenção ao detalhe, já que guia demasiado o olhar do jogador, tornando a observação menos orgânica. Para os puristas, a possibilidade de destacar hotspots com a tecla H no teclado é uma solução mais satisfatória.
A filosofia de design dos puzzles é clara: simplicidade ao serviço do ritmo narrativo. Muitas vezes, o inventário é limpo entre capítulos, evitando acumulação desnecessária de itens e mantendo os desafios focados em elementos presentes no cenário imediato. Há puzzles quase automáticos, em que a utilidade dos objetos é óbvia e o seu uso é imediato, funcionando como pausas rítmicas entre momentos de tensão. Um exemplo é a sequência em que se precisa de improvisar material para suturar uma ferida, com cada passo conduzindo naturalmente ao seguinte sem espaço para bloqueios prolongados.
Apesar desta abordagem simplificada, o jogo não se limita a tarefas triviais. Existem alguns puzzles mais elaborados que se estendem por várias áreas de um capítulo, exigindo um pouco mais de experimentação. Ainda assim, há momentos em que a progressão depende de gatilhos arbitrários, obrigando o jogador a revisitar locais já explorados, o que pode causar alguma frustração momentânea.

Mundo e história
O jogo abre com Mick Carter a regressar contra a sua vontade à sua cidade natal, motivado pela promessa feita à irmã de estar presente num funeral. Mick, inicialmente um cliché de detetive noir com um passado pesado, revela rapidamente maior profundidade. O seu passado não é marcado por garrafas vazias, mas por promessas quebradas e relações negligenciadas. A narrativa ganha força logo no início, quando Mick presencia o assassinato brutal de um companheiro de viagem e escapa por pouco com vida. A partir daqui, a história mergulha numa espiral de conspirações, desaparecimentos misteriosos e visões perturbadoras, mantendo sempre o foco no objetivo principal de Mick: chegar à irmã e estar com a família. Essa âncora emocional dá solidez ao enredo, mesmo quando este abraça plenamente a sua vertente de ficção científica extravagante.
O jogo equilibra momentos dramáticos com humor, beneficiando de interações com personagens secundárias bem caracterizadas. A ex-mulher de Mick é a base emocional da narrativa, enquanto outras figuras, como um detetive nova-iorquino cheio de tiques de filmes dos anos 90, trazem leveza e uma pitada de autoironia. A forma como o enredo se desenvolve e as revelações finais conseguem ligar de forma coerente todos os elementos — familiares, conspiratórios e sobrenaturais — é um dos pontos altos da experiência.
Grafismo
Visualmente, The Drifter aposta num estilo pixel art carregado de atmosfera e atenção ao detalhe. O jogo tem um excelente sentido de enquadramento, criando cenários e composições que captam de imediato a atenção. Seja numa rua mal iluminada, num interior decadente ou num setpiece mais extravagante, há sempre um cuidado especial em guiar o olhar do jogador através da iluminação e do contraste.
O uso da luz é particularmente bem conseguido, funcionando não apenas como elemento estético mas também como ferramenta de gameplay, ajudando o jogador a perceber onde deve explorar. O design das personagens é simples, mas eficaz, transmitindo personalidade através de pequenas animações e expressões.
O interface mantém-se limpo e funcional, com uma tipografia de grande qualidade que se destaca. Embora este possa parecer um detalhe menor, a escolha da fonte e a forma como o texto é apresentado contribuem para a coerência estética geral e para a imersão no universo do jogo.

Som
A componente sonora é um dos pilares de The Drifter. A banda sonora é diversificada mas sempre coesa, oscilando entre ambientes eletrónicos densos e atmosféricos e momentos de pura tensão com paisagens sonoras agressivas e desconfortáveis. Há também espaço para passagens mais subtis, lembrando trabalhos como os primeiros álbuns de Tycho, criando um contraste eficaz com as partes mais intensas. A interpretação vocal é liderada por Adrian Vaughan, que dá vida a Mick Carter com uma intensidade marcante. A sua voz grave e carregada transmite bem o desgaste e a obstinação do personagem, mas o excesso de dramatização nas primeiras horas pode ser um obstáculo para alguns jogadores. Quando Mick passa de uma situação extrema para outra sem descanso, a atuação a 400% acaba por roçar o exagero, quase beirando o cómico involuntário. Felizmente, à medida que a narrativa evolui e Mick interage mais com outras personagens, o desempenho encontra um equilíbrio mais natural, tornando os diálogos mais eficazes.
Os efeitos sonoros estão igualmente bem trabalhados, ajudando a criar tensão e a reforçar momentos-chave da narrativa. Seja o som distante de passos numa rua vazia, o clique de um objeto encontrado ou o ambiente opressivo de uma cena mais pesada, tudo é pensado para manter a imersão.
Conclusão
The Drifter é um jogo de aventura que sabe como prender o jogador com a sua atmosfera, ritmo e personagens. A mistura de drama humano e elementos de ficção científica absurda funciona surpreendentemente bem, e a forma como o enredo consegue fechar todas as pontas soltas deixa uma sensação de satisfação rara no género.
Nem tudo é perfeito: a intensidade exagerada do protagonista na primeira metade e alguns puzzles excessivamente simples ou dependentes de gatilhos pouco claros podem afastar alguns jogadores. No entanto, estas falhas não comprometem a experiência no seu conjunto. A decisão de manter os puzzles focados e o inventário enxuto ajuda a narrativa a fluir sem bloqueios, e o trabalho visual e sonoro é de grande qualidade. No fim, The Drifter é uma viagem curta mas memorável, capaz de combinar momentos genuinamente tensos, humor inteligente e emoção real. É um título recomendado para fãs de aventuras narrativas que não se importem com um toque de exagero teatral e que apreciem uma boa mistura de intriga, suspense e um certo charme de série B.