Antevisão: Beyond the Grove

Beyond the Grove apresenta-se como uma curiosa fusão entre RTS, autobattler e roguelike, embrulhada num estilo visual acolhedor e povoada por pequenos guerreiros-cogumelo que parecem saídos de um conto infantil. A premissa é simples, quase ingénua, mas serve como base para um jogo surpreendentemente estratégico, onde o jogador assume o papel de Grove Keeper e tenta travar a expansão de uma misteriosa corrupção que invade o bosque. Embora mantenha uma estética adorável, o jogo nunca deixa de exigir decisões ponderadas, oferecendo aquele equilíbrio raro entre tranquilidade e tensão que poucos títulos conseguem alcançar. É um daqueles jogos que à primeira vista parece leve, mas que ao fim de algumas partidas já ocupa espaço mental e deixa o jogador a planear a jogada seguinte mesmo longe do computador.

Jogabilidade
A jogabilidade assenta em batalhas automáticas, onde o jogador não controla directamente as unidades mas influencia o fluxo do combate através de posicionamento, gestão de recursos e selecção de elementos. Cada run começa com a geração de caps, os pequenos guerreiros que compõem a maioria do exército. O número de unidades é limitado e é talvez o recurso mais crucial do jogo: gerir essa barra de tropas, aumentar a sua capacidade e garantir que não se esgota antes do momento chave torna-se rapidamente numa prioridade.

Como em qualquer autobattler, o jogador observa em vez de comandar. No entanto, Beyond the Grove introduz um elemento de controlo indirecto através dos pontos de reunião. Estas bandeiras ajudam a concentrar as unidades e a evitar aquele efeito de gotejamento que tantos RTS punem. Coordenar ataques passa a ser menos caótico e a progressão da batalha ganha uma clareza que combina bem com o ritmo mais calmo do jogo.

O combate alterna entre movimento livre das unidades e pausas activadas pela Focus Bar, que enche ao longo do confronto. Estas pausas são momentos valiosos para reorganizar bandeiras, criar novos golems, recolher recompensas do mapa ou simplesmente perceber se o plano está a funcionar. Esta mecânica transforma o jogo numa espécie de RTS de respiradouro controlado, onde a pressão existe mas nunca chega ao ponto de saturar.

Os golems desempenham o papel de unidades especiais e são desbloqueados através de fragmentos recolhidos durante o combate. Cada elemento tem uma função distinta, com forças e fraquezas bem definidas, permitindo combinações e evoluções que alteram por completo o rumo das batalhas. A progressão é gradual, mas satisfatória, e incentiva o jogador a experimentar diferentes configurações para lidar com cada ameaça. Recursos adicionais, espalhados pelo mapa, introduzem pequenas variações estratégicas: capturar huts para desbloquear armas, derrotar golems selvagens para ganhar materiais ou recolher cogumelos mágicos que aumentam o número de caps.

Como roguelike, a derrota faz parte do processo. Após cada run, o jogador regressa a um hub central onde pode gastar pontos de habilidade permanentes. Estes upgrades influenciam todas as partidas seguintes e permitem construir abordagens completamente distintas. O facto de se poder redistribuir os pontos sem penalizações encoraja a experimentação e torna o jogo mais convidativo, especialmente para jogadores que não são habituais no género.

Mundo e história
A narrativa de Beyond the Grove é simples mas funcional, guiada por pequenos diálogos com a Mother Mushroom, uma figura central que orienta o jogador e fornece melhorias. Tudo gira em torno da expansão da corrupção após uma chuva de meteoros e da viagem do Grove Keeper para além do bosque, numa tentativa de descobrir a origem da ameaça. Embora a história não seja o foco, existem pequenos mistérios que surgem aqui e ali, incluindo a presença de invocadores desconhecidos que parecem ter um papel relevante no desenrolar dos acontecimentos.

O mundo, apesar de compacto, mostra potencial para crescer. Há espaço para mais detalhes ambientais que reforcem o tema da corrupção e da regeneração, e pequenas mudanças visuais no campo de batalha poderiam trazer maior sensação de progresso ou declínio. Mesmo assim, a estrutura narrativa funciona como pano de fundo para a jogabilidade, sem interferir com o ritmo nem com a clareza do jogo.

Grafismo
Visualmente, Beyond the Grove aposta numa estética acolhedora e colorida. Os caps são adoráveis e têm animações simples mas expressivas. Os golems, por sua vez, exibem designs distintos para cada elemento, ainda que fosse possível dar-lhes uma presença mais visível no caos das batalhas. Um dos pontos que poderia ser melhorado é a diferenciação das unidades especiais, já que algumas melhorias obtidas durante a run não se refletem facilmente na aparência dos caps.

Os cenários mantêm um estilo limpo e funcional, mas poderiam beneficiar de mais detalhe ambiental, em especial no que toca aos efeitos da corrupção. A ideia de ver a natureza degradar-se ou recuperar consoante o andamento da batalha seria uma evolução natural do conceito e ajudaria a reforçar a imersão. Apesar disso, o estilo visual cumpre bem o seu papel e contribui para o ambiente acolhedor do jogo.

Som
O destaque absoluto de Beyond the Grove é a banda sonora dinâmica. Cada tipo de golem adiciona um instrumento à composição, criando uma música que evolui com a própria batalha. À medida que se desbloqueiam elementos, surgem novas camadas sonoras, desde cordas a pianos, formando uma sinfonia que reflecte a composição do exército. Esta abordagem incomum não só se destaca pela originalidade como acaba por influenciar o próprio gameplay, já que o jogador sente curiosidade em experimentar combinações diferentes apenas para ver como a música se transforma.

Os efeitos sonoros são simples mas eficazes, acompanhando o tom leve e quase meditativo do jogo. A junção de sons suaves com uma banda sonora reactiva cria uma identidade auditiva distinta, um dos aspectos mais memoráveis de toda a experiência.

Conclusão
Beyond the Grove consegue algo raro: combinar a leveza de um jogo acolhedor com a profundidade estratégica de um RTS. A mistura de autobattler com elementos roguelike funciona surpreendentemente bem, e o sistema de golems acrescenta complexidade sem complicar. A progressão permanente dá vontade de fazer apenas mais uma run, e o ritmo alternado entre acção e pausa torna o jogo acessível mesmo para quem não é adepto de RTS tradicionais.

Existem pontos que poderiam ser refinados, como a possibilidade de controlar melhor os golems, aumentar a clareza visual das unidades especiais ou enriquecer o ambiente dos campos de batalha. Ainda assim, nenhum desses detalhes diminui o impacto daquilo que o jogo já faz muito bem. A música dinâmica destaca-se como um dos elementos mais inovadores do género e transforma as batalhas em pequenos concertos improvisados.

No final, Beyond the Grove é um jogo que conquista pela combinação de charme visual, mecânicas bem pensadas e uma banda sonora que se entranha. Um título que surpreende, relaxa e ao mesmo tempo desafia, merecendo facilmente um lugar na lista de experiências estratégicas mais interessantes do momento.

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