Análise: Above Snakes

O género de jogos de sobrevivência tem-se expandido bastante nos últimos anos, com títulos a explorar ambientes desde ilhas desertas até mundos pós-apocalípticos. Contudo, um cenário que raramente é utilizado é o Velho Oeste, e foi exatamente essa a promessa de Above Snakes. Um jogo que mistura construção, exploração e sobrevivência, trazendo uma perspetiva única de um período histórico repleto de desafios. Quando o título chegou às consolas, a expectativa era alta: um mundo árido, necessidade constante de encontrar água, cultivar terrenos e, claro, construir uma cabana de madeira para servir como refúgio. Contudo, apesar de um início promissor, Above Snakes acaba por seguir por um caminho inesperado que pode não agradar a todos os jogadores.

O jogo tenta oferecer uma experiência diferente dentro do género, combinando elementos clássicos de sobrevivência com uma narrativa que mistura o western com fantasia sobrenatural. Esta escolha de design é ousada, mas levanta algumas questões sobre a coerência da experiência final. A ideia de viver no Velho Oeste, criar uma pequena comunidade e enfrentar os perigos naturais parecia perfeita, mas a introdução de elementos como zombies acaba por criar uma sensação de desconexão que acompanha toda a aventura.

Jogabilidade

No centro da experiência está a jogabilidade de sobrevivência e construção. Above Snakes apresenta dois modos principais. O modo história serve como uma introdução ao mundo, ensinando as mecânicas básicas e revelando gradualmente a narrativa, ao mesmo tempo que desbloqueia novos biomas que expandem o mapa. Por outro lado, o modo criativo permite explorar livremente todos os biomas desde o início, sem qualquer história ou restrições, funcionando como um verdadeiro sandbox para quem prefere criar sem limites.

Um dos aspetos mais interessantes do jogo é a forma como o mundo é construído através de peças de terreno chamadas biomas. Cada bioma pode ser colocado e removido com facilidade, custando poucos recursos, o que permite ao jogador moldar o mundo à sua maneira. Cada um oferece recursos únicos e novos inimigos, incentivando a exploração e a estratégia na construção do mapa. Esta mecânica dá ao jogo uma forte componente de rejogabilidade, uma vez que nenhuma partida precisa de ser igual à anterior.

O combate, no entanto, revela algumas falhas. A mecânica de mira, especialmente no uso do arco, é pouco precisa. O jogo tende a selecionar o alvo mais próximo em vez do mais perigoso, o que leva a situações frustrantes, como desperdiçar flechas a acertar em árvores ou animais enquanto um inimigo perigoso se aproxima. A ausência de uma funcionalidade de bloqueio ou prioridade de alvos torna os confrontos caóticos e, por vezes, fatais. Esta limitação acaba por incentivar os jogadores a evitarem o combate sempre que possível. As missões secundárias, acessíveis através de um quadro de procurados, consistem maioritariamente em derrotar criminosos ou criaturas conhecidas como Lost Souls. Embora estas tarefas ajudem a diversificar a jogabilidade, a falta de precisão no combate e a repetição das missões diminuem o entusiasmo ao longo do tempo.

Mundo e história

A história de Above Snakes começa de forma tradicional, com Aiyana, a protagonista, a viver num território inexplorado, tentando sobreviver num ambiente hostil. O enredo inicial sugere uma experiência autêntica do Velho Oeste, com elementos como gestão de recursos, gado, cultivo e proteção contra criminosos. No entanto, rapidamente se desvia desse caminho ao introduzir um elemento fantástico: um asteroide que, ao colidir com a região, transforma pessoas em criaturas conhecidas como Lost Souls, essencialmente zombies.

Esta mudança de tom pode surpreender negativamente os jogadores que esperavam uma narrativa mais realista. O conflito principal deixa de ser entre colonos, tribos e criminosos para se centrar na luta contra mortos-vivos, o que quebra a imersão e prejudica a coerência do mundo apresentado inicialmente. A luta contra esqueletos e criaturas gigantes pode até ser divertida para alguns, mas distancia o jogo da promessa de um verdadeiro simulador de sobrevivência no Velho Oeste.

Além disso, a escrita carece de profundidade. A protagonista tem ascendência nativo-americana, mas o jogo nunca especifica a tribo, e as suas interações com outros personagens não refletem essa herança cultural. O diálogo com tribos indígenas é idêntico ao dos colonos, não existindo diferenças na forma como se comunicam ou desconfiança entre grupos — algo que seria esperado num contexto histórico realista. Esta simplificação faz com que as relações entre personagens pareçam artificiais.

Outro problema narrativo é a falta de urgência em algumas situações. A mãe de Aiyana está diretamente ligada ao impacto do asteroide, mas não existe qualquer missão inicial que leve a protagonista a tentar encontrá-la ou sequer comunicar com ela. Esta ausência de motivação enfraquece a narrativa principal, tornando as missões mais uma série de tarefas do que uma jornada emocional significativa.

Grafismo

Visualmente, Above Snakes apresenta um estilo apelativo que combina simplicidade com um certo charme rústico. O design dos biomas é bem conseguido, com cada tipo de terreno a ter uma identidade própria e a integrar-se de forma natural com os restantes. Desde desertos áridos a florestas densas, o mundo do jogo tem variedade suficiente para manter o interesse visual do jogador.

As animações são funcionais, mas não se destacam. O combate, em particular, carece de impacto visual, o que contribui para a sensação de que não existe peso nas ações do jogador. A iluminação é bem utilizada para criar atmosferas distintas entre dia e noite, ajudando a dar vida ao mundo, mas não existe um grande nível de detalhe nos modelos das personagens ou inimigos. No geral, o grafismo serve bem o propósito do jogo, sem impressionar. É suficiente para transmitir a sensação de estar no Velho Oeste, ainda que a presença de criaturas sobrenaturais que destoam do ambiente que inicialmente parecia realista possa causar estranheza.

Som

A componente sonora é um dos pontos fortes de Above Snakes. A banda sonora aposta em melodias suaves, com destaque para os sons naturais, como o canto dos pássaros, que ajudam a criar uma experiência relaxante durante os momentos de construção e exploração. Esta escolha musical faz com que, em certos momentos, o jogo se aproxime mais de um simulador de vida do que de um jogo de sobrevivência tradicional.

No entanto, o design sonoro não consegue transmitir tensão nos momentos de combate. Os sons dos inimigos e das armas são básicos, não conseguindo criar o impacto necessário para tornar os confrontos emocionantes. Esta falta de intensidade auditiva acaba por refletir os problemas já existentes na jogabilidade, tornando os combates menos satisfatórios.

Conclusão

Above Snakes é um jogo que tenta inovar ao misturar a sobrevivência no Velho Oeste com elementos sobrenaturais, mas essa combinação nem sempre resulta. A mecânica de construção através de biomas é criativa e dá ao jogo uma forte componente estratégica e de rejogabilidade. A exploração é envolvente e os primeiros momentos de jogo podem ser relaxantes e até meditativos.

Contudo, a narrativa superficial, a falta de coerência na história e os problemas no combate impedem que o jogo alcance o seu verdadeiro potencial. A mudança brusca de tom, com a introdução de zombies e criaturas sobrenaturais, pode afastar jogadores que procuravam uma experiência mais autêntica do Velho Oeste. Além disso, a falta de profundidade nas relações entre personagens e a ausência de realismo histórico tornam difícil investir emocionalmente na jornada de Aiyana.

Para um público específico, que procura algo diferente e não se importa com a mistura de géneros, Above Snakes pode oferecer uma experiência interessante e única. No entanto, para quem esperava um verdadeiro simulador de sobrevivência western, o resultado pode ser dececionante. É um jogo que começa com uma promessa forte, mas que acaba por se perder no meio das suas próprias ambições.

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