Análise: ADRIFT

ADRIFT é um jogo de condução e exploração que aposta numa ideia simples, mas curiosamente pouco comum: colocar o jogador ao volante de um veículo todo-o-terreno, largá-lo no meio de um deserto esquecido pelo tempo e dar-lhe apenas um objetivo claro, entregar um misterioso Núcleo de Energia antes que este sobreaqueça e expluda. O porquê desta missão, quem somos ou o que aconteceu a este mundo são perguntas que o jogo nunca responde de forma direta, preferindo deixar essas dúvidas pairar no ar enquanto percorremos cânions, dunas e planícies rochosas. Trata-se de uma experiência claramente focada na viagem, no planeamento e na sensação de atravessar um espaço hostil, mas sereno, onde o maior inimigo é o tempo a escorrer de forma implacável.

À primeira vista, ADRIFT apresenta-se como um híbrido entre jogo de corridas e exploração em mundo aberto, visto de uma perspetiva top-down e envolto numa estética vaporwave bastante marcada. Não é um jogo aconchegante nem propriamente desafiante no sentido tradicional, mas sim uma proposta relaxante, quase meditativa, onde o prazer vem do controlo do veículo, da leitura do terreno e da descoberta lenta de um mundo que parece ter ficado congelado num passado distante.

Jogabilidade

O núcleo da jogabilidade de ADRIFT gira em torno de um ciclo muito específico e intencional. Primeiro, exploramos o mapa sem carga, analisamos o terreno, descobrimos atalhos, identificamos perigos e localizamos os pontos de arrefecimento. Depois, regressamos, apanhamos o Núcleo de Energia e fazemos a corrida decisiva até ao próximo abrigo, sempre com o relógio a contar. Caso falhemos e o núcleo expluda, somos obrigados a repetir todo o percurso, o que pode frustrar alguns jogadores, mas faz parte da identidade do jogo. É precisamente esta repetição que incentiva o planeamento e a aprendizagem do mapa.

A condução é surpreendentemente satisfatória. O veículo comporta-se como um carro de rali inspirado no Dakar, pesado, saltitante e claramente pensado para areia profunda em vez de asfalto. Inicialmente pode parecer lento e pouco responsivo, mas após alguns minutos é possível perceber a lógica por trás do seu comportamento. O subvirar é natural, a suspensão absorve bem o terreno irregular e há um prazer genuíno em deslizar pelas dunas ou contornar rochas à última da hora. O travão de mão existe, mas acaba por ser pouco utilizado, já que o terreno raramente pede manobras agressivas ao estilo WRC.

O jogo recompensa o conhecimento do mapa e pune a imprudência. Passar por zonas de vegetação abranda o veículo, desperdiçando tempo precioso, enquanto áreas de areia aberta permitem manter uma velocidade constante. A pressão aumenta à medida que o núcleo começa a emitir alertas sonoros, deixando claro que cada segundo conta. Apesar disso, ADRIFT nunca se torna verdadeiramente stressante, mantendo sempre um tom contido e controlado.

Mundo e história

O mundo de ADRIFT é um deserto vasto, silencioso e misterioso. Não há personagens, diálogos ou eventos tradicionais. A narrativa é transmitida de forma ambiental, através de pequenos textos encontrados pelo caminho e de elementos visuais que vão surgindo nos pontos de arrefecimento. Estradas partidas, infraestruturas abandonadas e estruturas estranhas sugerem que este local já foi habitado e tecnologicamente avançado, mas algo correu terrivelmente mal.

Os satélites espalhados pelo mapa desempenham um papel importante na exploração, revelando pequenas porções do terreno e ajudando o jogador a orientar-se. No entanto, esta informação é temporária, o que obriga a memorizar caminhos e pontos de interesse. Esta decisão de design reforça a sensação de estar perdido num mundo hostil, mas também pode gerar frustração, sobretudo quando sentimos falta de ferramentas básicas como um mapa persistente ou uma bússola. Quando chegamos a um ponto de arrefecimento, o passado começa a manifestar-se de forma quase etérea. Hologramas dourados, pilares luminosos e fragmentos de arquitetura antiga surgem à nossa volta, criando a sensação de que estamos a reavivar memórias esquecidas. É nestes momentos que ADRIFT mais se aproxima de uma experiência contemplativa, onde o silêncio e a sugestão falam mais alto do que qualquer explicação direta.

Grafismo

Visualmente, ADRIFT é um jogo muito marcante. A paleta de cores é altamente saturada e cuidadosamente pensada para comunicar informação ao jogador. O vermelho intenso da areia indica as zonas mais rápidas, enquanto os azuis pastel assinalam falésias, rochas e perigos. Esta codificação cromática não só facilita a leitura do terreno como garante que, mesmo durante tempestades de areia, nunca perdemos totalmente a noção de onde estamos.

O estilo low-poly do veículo e do mundo encaixa perfeitamente na estética geral, lembrando jogos como Art of Rally, embora aqui o foco seja menos competitivo e mais exploratório. Os efeitos de profundidade de campo criam a ilusão de que estamos a observar a ação através de uma câmara distante, quase como um drone, o que reforça a sensação de isolamento e escala. Alguns efeitos visuais, como o grão e o desfoque, podem ser um pouco excessivos para certos gostos, mas contribuem para o tom onírico e misterioso da experiência. No geral, ADRIFT é um jogo visualmente apelativo, que consegue ser simples e expressivo ao mesmo tempo.

Som

A componente sonora de ADRIFT cumpre a sua função sem nunca se destacar em excesso. A banda sonora aposta num synthwave suave e atmosférico, que acompanha bem as longas travessias pelo deserto e ajuda a criar um ambiente relaxante. No entanto, após algumas horas, as faixas começam a soar repetitivas, faltando alguma variedade. O som do motor é satisfatório, mas inconsistente. Dependendo da posição da câmara, pode perder intensidade ou desaparecer momentaneamente, o que quebra um pouco a imersão. Já os efeitos sonoros associados ao Núcleo de Energia são eficazes, aumentando de volume e urgência à medida que o tempo se esgota, criando uma tensão subtil, mas constante.

Conclusão

ADRIFT é um jogo difícil de categorizar e ainda mais difícil de avaliar de forma convencional. Não é um jogo cheio de conteúdo, desafios constantes ou ameaças externas. O mundo é belo, mas também vazio, e durante várias horas é possível simplesmente conduzir sem qualquer perigo real. Para alguns jogadores, isto será uma falha grave; para outros, é precisamente o que torna a experiência especial.

Há decisões de design questionáveis, como a ausência de um mapa persistente, de uma bússola ou de um sistema mínimo de orientação, bem como alguns problemas técnicos relacionados com colisões e zonas onde é possível ficar preso ou cair fora do mapa. São arestas que precisam de ser limadas e que podem quebrar o ritmo da experiência. Ainda assim, ADRIFT consegue cumprir aquilo a que se propõe. É um jogo relaxante, com uma jogabilidade sólida, uma estética muito própria e um ciclo central bem definido. Não é acolhedor nem narrativamente explícito, mas é estranhamente calmante, ideal para quem gosta de explorar ao seu próprio ritmo e perder-se num mundo silencioso. Pelo seu preço acessível e pela proposta diferenciada, ADRIFT merece claramente uma oportunidade, especialmente para quem procura algo mais contemplativo e atmosférico, longe das corridas tradicionais e dos mundos abertos cheios de marcadores.

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