Análise: All Hands on Deck

All Hands on Deck chega-nos numa altura em que o género cooperativo vive um dos seus melhores períodos. Entre produções maiores, como Split Fiction ou LEGO Voyagers, e uma vaga constante de propostas indie criativas, 2025 tem sido um ano extraordinário para quem gosta de resolver puzzles e ultrapassar desafios acompanhado. É precisamente neste cenário competitivo que o Studio Mantasaur apresenta a sua visão: um puzzle platformer cooperativo leve, simples no conceito, mas imaginativo na execução, que coloca duas mãos literalmente ao comando da ação. Apesar de não atingir o mesmo grau de ambição dos gigantes do género, All Hands on Deck conquista pela criatividade, pelo humor e pela forma competente como estrutura a sua experiência.

A aventura decorre numa creche onde vários brinquedos desapareceram misteriosamente, e cabe às duas mãos protagonistas atravessar níveis repletos de obstáculos, pequenas narrativas ambientais e desafios de coordenação. Este ponto de partida, aparentemente trivial, sustenta uma experiência que, apesar de curta, é surpreendentemente variada e capaz de cativar tanto jogadores casuais como duplas mais experientes. É um jogo que acolhe quem chega, mas que não dispensa raciocínio nem sincronização.

Ao longo da análise vamos explorar como All Hands on Deck equilibra plataforma e puzzle, como cria um mundo simples mas expressivo e como, apesar de algumas falhas técnicas, consegue afirmar-se como uma proposta sólida dentro do panorama co-op actual.

Jogabilidade

A jogabilidade de All Hands on Deck assenta totalmente na cooperação. Não existe opção para um jogador, não há substituições por IA, e tudo depende da coordenação real entre os dois participantes. Isto pode afastar quem prefere jogar sozinho, mas também define desde logo o tom: este é um jogo pensado para ser vivido a dois.

Os controlos são simples e intuitivos. Cada jogador assume o papel de uma mão antropomorfizada, capaz de saltar, correr, agarrar e realizar uma série de ações especiais através das formações pedra, papel e tesoura. Estas três poses constituem o ponto mais distinto do jogo. A formação pedra funciona como um ataque físico, permitindo derrubar caixas, empurrar objetos pesados ou ativar mecanismos robustos. A tesoura serve para cortar fitas, fios ou obstáculos frágeis. Já o papel, embora menos óbvio, abre portas a interações mais subtis, como pressionar superfícies largas ou atuar como plano de apoio.

A verdadeira força da jogabilidade reside na forma como o jogo te obriga a combinar estas mecânicas, muitas vezes em simultâneo com o outro jogador. Há secções que exigem que um salte enquanto o outro cria uma plataforma, e outras que pedem que um corte uma barreira no momento exato em que o parceiro empurra uma estrutura. Esta interdependência cria um ritmo envolvente, com níveis suficientemente curtos para evitar cansaço, mas variados o bastante para evitar repetição.

A mecânica de high-five merece destaque. Quando ambas as mãos saltam uma na direção da outra, produzem uma pequena onda de impacto que afeta elementos do cenário. Desde travar temporariamente o tráfego de carrinhos de brincar até ativar mecanismos escondidos, este gesto funciona como um botão cooperativo que reforça a ligação entre os dois jogadores. É também uma forma inteligente de introduzir momentos mais descontraídos, nos quais a brincadeira supera o desafio.

O único grande ponto negativo na jogabilidade está relacionado com o sistema de gravação. Os níveis só gravam no final e não existem checkpoints intermédios. Para uma experiência cooperativa, em que interrupções são mais comuns, isto pode frustrar, especialmente em secções mais exigentes. No entanto, como cada nível é relativamente curto, o problema raramente se torna crítico.

Mundo e história

A história de All Hands on Deck é deliberadamente simples, mas funciona muito bem dentro do género. O jogo passa-se numa creche onde vários brinquedos desapareceram e cada nível representa a tentativa de recuperar um desses objetos. Não há grandes momentos narrativos nem diálogos profundos; tudo se conta através de pequenos detalhes visuais, da disposição dos brinquedos e da forma como o ambiente reage às mãos protagonistas.

A creche funciona como um hub emocional e conceptual. Os corredores coloridos, os tapetes de borracha, os blocos gigantes e os brinquedos espalhados conferem um tom infantil e acolhedor que se estende a todos os níveis. Cada brinquedo desaparecido inspira um tema diferente, desde áreas que imitam parques infantis até secções que parecem caixas de brinquedos viradas do avesso.

É um mundo pequeno mas coeso, que nunca tenta ser mais do que precisa. O foco está na expressividade e não na escala. E precisamente por isso resulta: a narrativa leve, quase implícita, deixa espaço para os jogadores imaginarem, mas sem nunca quebrar a coerência do universo. Há também uma sensação de progressão emocional suave, como se cada brinquedo recuperado restituísse um pedaço de ordem a este microcosmo infantil.

Para um jogo cooperativo que aposta na leveza e no espírito de partilha, este tipo de abordagem é não só suficiente como eficaz.

Grafismo

Visualmente, All Hands on Deck aposta num estilo simples, colorido e extremamente legível. Não é um jogo que impressione tecnicamente nem tenta competir com produções maiores, mas apresenta um grafismo coerente, limpo e adequado ao tom infantil da aventura.

Os modelos das mãos são expressivos sem recorrer a detalhes excessivos, transmitindo personalidade através de animações rápidas e gestos exagerados. Estas animações são particularmente importantes, já que compensam a ausência de diálogo e reforçam a ligação entre os jogadores.

Os cenários são luminosos, organizados e fáceis de interpretar. Cada obstáculo comunica visualmente a sua função: os objetos cortáveis têm texturas específicas, os elementos pesados mostram desgaste e as plataformas móveis destacam-se pelo movimento. Nada parece fora de lugar, embora seja verdade que, quando comparado com jogos como LEGO Voyagers, exista alguma falta de polimento em certos elementos, como sombras e efeitos de partículas.

Mesmo assim, o grafismo cumpre perfeitamente o seu propósito. É convidativo, apelativo e, acima de tudo, funcional para um jogo que exige leitura rápida e coordenação constante.

Som

O trabalho sonoro acompanha a estética geral: simples, leve e sempre positivo. As melodias são suaves, com instrumentos digitais que remetem ao ambiente infantil, criando um pano de fundo agradável que nunca se torna intrusivo. As músicas variam ligeiramente entre níveis, mas mantêm sempre um tom caloroso que reforça o carácter acolhedor da experiência.

Os efeitos sonoros são igualmente eficazes. Cada gesto das mãos, cada interação com o cenário e cada high-five produzem sons claros e bem definidos. Há um cuidado especial nos ruídos associados aos brinquedos, que transmitem uma sensação tátil de plástico, madeira e borracha. Embora não seja uma banda sonora memorável, é um conjunto bem integrado e competente.

Conclusão

All Hands on Deck não é o jogo cooperativo mais ambicioso do ano, mas é um dos mais genuinamente encantadores. A sua proposta é clara: oferecer uma experiência cooperativa leve, bem-humorada e criativa, construída à volta de mecânicas simples mas surpreendentemente versáteis. A ausência de checkpoints e alguns pormenores menos polidos afastam-no dos melhores títulos do género, mas não anulam as suas qualidades.

Com um preço acessível, cerca de oito horas de conteúdo e uma jogabilidade sempre envolvente, All Hands on Deck é uma recomendação fácil para quem procura um jogo co-op descontraído para partilhar com um amigo ou familiar. Não redefine o género, mas sabe exatamente o que quer ser. E isso, num ano tão competitivo, é por si só digno de destaque.

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