A série Anno tem um peso histórico difícil de ignorar. Desde o lançamento de Anno 1602, em 1998, que a fórmula base se mantém surpreendentemente intacta: cadeias de produção complexas, evolução de cidadãos através de diferentes patamares sociais e a construção de um império espalhado por múltiplas ilhas, sempre com um equilíbrio delicado entre eficiência e estética. Anno 117: Pax Romana é, ao mesmo tempo, uma continuação directa desse legado e uma mudança significativa de cenário, ao levar a série pela primeira vez até à Antiguidade Clássica.
Este novo capítulo abandona a Revolução Industrial e os navios a vapor para se focar no auge do Império Romano, explorando o conceito de Pax Romana não apenas como um pano de fundo histórico, mas como uma filosofia de jogo. A promessa é clara: manter tudo aquilo que os fãs adoram em Anno, introduzindo novidades suficientes para justificar a mudança de era. O regresso do combate terrestre, a gestão de múltiplas regiões profundamente interligadas e uma maior liberdade estética na construção das cidades são alguns dos pilares desta nova entrada.
Depois de centenas de horas investidas em jogos anteriores da série, especialmente em Anno 1800, é impossível não abordar Anno 117 com expectativas elevadas. Felizmente, aquilo que se encontra aqui é um jogo que respeita profundamente as suas raízes, ao mesmo tempo que tenta, com maior ou menor sucesso, dar pequenos passos em frente. Não reinventa a roda, mas polimenta-a e adapta-a a um contexto histórico fascinante.
Jogabilidade
A jogabilidade de Anno 117: Pax Romana é imediatamente reconhecível para qualquer veterano da série. Tudo começa de forma modesta, com pequenas aldeias que dependem de recursos básicos e cadeias de produção simples. Com o tempo, essas aldeias crescem, os cidadãos tornam-se mais exigentes e o jogador é forçado a expandir, optimizar e interligar sistemas cada vez mais complexos.
Uma das grandes novidades está na gestão de duas regiões distintas desde fases relativamente iniciais do jogo: Latium, inspirado nas paisagens mediterrânicas do coração romano, e Albion, uma representação estilizada da Britânia celta. Cada região tem os seus próprios tipos de cidadãos, recursos exclusivos e cadeias de produção específicas. Em Latium, os Libertes precisam de sardinhas, garum e papas; em Albion, os Waders dependem de enguias e berbigão. Esta diferenciação cria uma dinâmica interessante, obrigando o jogador a pensar no império como um todo, e não como mapas isolados. A interdependência entre regiões torna-se ainda mais evidente nos patamares sociais mais elevados. Os Eques, a elite de Latium, desenvolvem um gosto por queijo, um recurso que só pode ser produzido em Albion através da criação de ochs. Esta decisão de design força a criação de rotas comerciais estáveis entre regiões e reforça a ideia de um império unido por uma visão comum. Na prática, esta transição entre mapas é mais fluida do que se poderia esperar, permitindo ao jogador deixar uma região relativamente autónoma enquanto se foca noutra.
Outra adição importante é o regresso do combate terrestre. Ausente nos capítulos mais recentes, este sistema regressa de forma simplificada e opcional. Existem diferentes tipos de unidades, como arqueiros, auxiliares e máquinas de cerco, organizadas num sistema básico de vantagens e desvantagens. Não é um jogo de estratégia militar profunda, mas cumpre o seu papel sem se tornar intrusivo para quem prefere uma experiência mais pacífica. Tal como sempre, é possível desactivar inimigos controlados pela IA e jogar Anno 117 como um puro city builder.

Mundo e história
O mundo de Anno 117: Pax Romana é um dos mais ricos e bem realizados da série. A escolha da Antiguidade permite explorar contrastes visuais e culturais muito fortes entre regiões. Latium apresenta-se como uma terra soalheira, marcada por falésias rochosas, praias extensas e uma arquitectura que evoca imediatamente o imaginário romano. Albion, por sua vez, é verdejante, húmida e selvagem, com pântanos densos e uma identidade celta bem definida.
A narrativa não é imposta de forma pesada, mas está sempre presente através de missões, personagens e pequenas decisões que moldam a evolução das regiões. Um dos exemplos mais interessantes surge em Albion, onde o jogador pode optar por respeitar as tradições celtas ou avançar com um processo de romanização. Ao atingir o patamar de Aldermen, surge a possibilidade de evoluir os cidadãos para Romano-Celtas, um grupo que exige mais recursos, materiais e bens de luxo vindos de Latium. Esta escolha tem impacto directo na economia e reforça a sensação de estar a governar uma entidade política complexa. Mesmo o conflito armado é contextualizado dentro desta lógica narrativa. As tensões entre exércitos romanos e rebeldes celtas são inevitáveis, mas raramente impostas. Muitas situações podem ser resolvidas através da diplomacia e da realização de missões, como a reunificação de líderes celtas com familiares aprisionados. Este equilíbrio entre história, escolhas e jogabilidade é um dos pontos fortes do jogo.
Grafismo
Visualmente, Anno 117: Pax Romana é um dos jogos mais impressionantes da série. A atenção ao detalhe é notável, desde a forma como as cidades se expandem organicamente até às animações subtis dos cidadãos nas ruas. A introdução de estradas diagonais, algo aparentemente simples, transforma por completo a estética das cidades. Os antigos grelhados rígidos dão lugar a espaços urbanos mais naturais e visualmente interessantes. Cada região tem uma identidade visual muito clara, reforçada por paletas de cores distintas e elementos arquitectónicos específicos. As cidades romanas são organizadas, imponentes e cheias de vida; as povoações celtas parecem mais caóticas, mas igualmente detalhadas e cheias de personalidade. Ver uma frota romana atravessar mares agitados para desembarcar nas costas de Albion continua a ser um espectáculo memorável, mesmo após dezenas de horas de jogo.
Do ponto de vista técnico, o desempenho é sólido. Mesmo em sistemas exigentes, o jogo mantém taxas de fotogramas estáveis, com tempos de carregamento rápidos e menus fluidos. Existem pequenos detalhes questionáveis, como o mini-mapa em forma circular com um mapa quadrado no interior, mas são pormenores que não beliscam a qualidade geral da apresentação.

Som
O trabalho sonoro em Anno 117 é discreto, mas extremamente eficaz. Cada região tem a sua própria identidade musical, com temas que se adaptam ao ambiente e ajudam a criar uma imersão constante. Em Latium, as composições evocam grandiosidade e ordem; em Albion, os sons são mais orgânicos, com influências que remetem para tradições celtas. Os efeitos sonoros complementam bem a experiência, desde o burburinho das cidades até aos sons do mar e da natureza. Nada se torna repetitivo ou cansativo, mesmo em sessões de jogo prolongadas. É o tipo de design sonoro que não chama a atenção para si próprio, mas cuja ausência seria imediatamente sentida.
Conclusão
Anno 117: Pax Romana é uma afirmação clara de que a fórmula da série continua viva e relevante. Não se trata de uma reinvenção radical, mas de uma evolução cuidada, que introduz novidades suficientes para refrescar a experiência sem alienar os fãs de longa data. O regresso do combate terrestre, a gestão de múltiplas regiões interligadas e a maior liberdade estética na construção das cidades são adições bem-vindas, mesmo que algumas mecânicas pareçam um pouco forçadas ou ainda pouco polidas.
A interface deixa a desejar em certos aspectos, especialmente na forma como apresenta informação sobre fluxos de recursos entre regiões, e a gestão multi-regional nem sempre convence totalmente. Ainda assim, estes problemas parecem mais sintomas de um jogo base que será, inevitavelmente, expandido e refinado ao longo do tempo através de DLCs, algo já habitual na série. No final, Anno 117: Pax Romana consegue aquilo que parecia difícil: transportar a essência de Anno para a Antiguidade sem perder identidade. É um jogo profundamente satisfatório, capaz de absorver centenas de horas, e uma base sólida para o futuro da série. Para quem sempre sonhou em gerir um império romano com a complexidade económica e o cuidado estético característicos de Anno, esta é uma viagem que vale bem a pena.