Análise: Demonschool

Há jogos que chegam sem grande alarido e, quando damos por ela, parecem ter sido feitos à medida do nosso imaginário juvenil, como se alguém tivesse tido acesso às nossas memórias de filmes, séries e jogos da adolescência. Demonschool é um desses casos raros. Mistura elementos de terror leve, humor sarcástico, estilo retro de inspiração PSX e a energia dramática das séries paranormais dos anos 2000. O resultado é um RPG tático que não depende da nostalgia barata e que, apesar de reconhecer claramente as suas influências, tem personalidade própria.

Demonschool coloca-nos na pele de um grupo de estudantes universitários que, em vez de se preocuparem apenas com exames e trabalhos, se vêem envolvidos numa conspiração demoníaca que ameaça o campus inteiro. A ilha onde estudam está isolada, professores suspeitos rondam os corredores e cada canto parece esconder outro mistério. O jogo aposta forte na estética, no humor e num sistema de combate que funciona quase como um puzzle, diferenciando-se da abordagem habitual do género. A proposta é simples, direta e altamente eficaz: entrar num mundo estranho, resolver problemas demoníacos e tentar evitar chumbar por faltas.

Jogabilidade

O combate é o coração mecânico de Demonschool e é aqui que o jogo mais se afasta dos SRPG tradicionais. Em vez de um sistema baseado em grind, níveis ou repetição de batalhas, tudo é desenhado para ser um puzzle tático. Os mapas são grelhados e cada membro da equipa tem um conjunto de habilidades específicas que se interligam. Tens atacantes diretos, unidades focadas em debuffs, outras que manipulam elementos e algumas com interações peculiares, como tipos alinhados com sangue ou ferrugem, que permitem efeitos inesperados.

Com HP reduzido, as lutas são tensas e exigem planeamento. Não te safas com força bruta. És obrigado a pensar várias jogadas à frente, a prever o que o inimigo vai fazer e a montar a tua formação em função disso. O jogo dá-te uma ferramenta essencial: o rewind. E vais usá-la muitas vezes, porque um erro pode arruinar um combate inteiro. A filosofia é semelhante à de jogos como Paper Mario: The Origami King, onde cada batalha tem um truque escondido. A satisfação vem quando descobres a lógica e a executas com precisão.

Mas Demonschool não vive só de combate. O jogo intercala batalhas com secções dedicadas ao desenvolvimento das personagens, minijogos estranhos, eventos inesperados e pequenos momentos narrativos que quebram a rotina. Estas interrupções dão personalidade ao jogo, criam ritmo e evitam que a experiência se torne repetitiva. Num momento estás a combater monstros grotescos; no seguinte estás a ajudar um colega a organizar um clube universitário. Essa variedade reforça o charme do jogo.

Mundo e história

O campus onde se passa a ação é quase um personagem em si. A ilha está isolada do mundo, o que cria um ambiente de mistério constante. Desde os pátios silenciosos a departamentos abandonados e corredores sombrios onde não deveria haver aulas, tudo transmite a sensação de que algo está profundamente errado naquele lugar.

A história segue principalmente Frey, uma estudante que parece saber mais sobre o sobrenatural do que qualquer caloiro normal. Ao lado de Namako, mais cautelosa e relutante, Frey vai descobrindo que o campus esconde muito mais do que simples segredos académicos. Ao longo da aventura, novas personagens juntam-se à equipa, cada uma com a sua personalidade vincada e com espaço para brilhar. O jogo evita clichés fáceis: as conversas são vivas, rápidas e sarcásticas, mas nunca caem no exagero.

As referências ao terror clássico estão por todo o lado, mas sempre integradas de forma inteligente. Um dos primeiros objetivos envolve perseguir uma cassete VHS amaldiçoada, num claro aceno ao cinema de terror dos anos 90 e 2000, mas em vez de depender apenas da referência, o jogo dá-lhe o seu próprio toque. O mesmo se aplica aos padrões de monstro-da-semana, diálogos auto-conscientes e atmosfera paranatural típica de séries como Buffy ou de animes da velha guarda. Mas Demonschool nunca cai na armadilha de ser apenas uma colagem. Constrói o seu próprio mundo, estranho e carismático.

Grafismo

O estilo visual é, provavelmente, o primeiro elemento que chama a atenção. A estética lembra imediatamente Persona da era PSX, mas reinterpretada com cores agressivas e um toque sujo, quase contaminado. As paletas são vibrantes e por vezes desconfortáveis, o que encaixa perfeitamente na ideia de um campus à beira do inferno.

Os cenários alternam entre verdes ácidos para tudo o que tem associações ocultas, vermelhos saturados para confrontos demoníacos e roxos contrastados para ambientes sombrios. O campus parece sempre à beira de se dissolver, como se estivesse suspenso entre o real e o onírico. Os menus reforçam esta ideia, com designs irregulares, glitches subtis e animações que dão a sensação de que algo está sempre prestes a correr mal.

Os efeitos visuais durante o combate, especialmente quando as unidades explodem ao morrer, são tão exagerados que acabam por ser engraçados. É uma escolha estilística ousada que ajuda a equilibrar o humor com a tensão.

Som

A banda sonora é possivelmente o elemento mais forte de Demonschool. As faixas misturam sintetizadores pulsantes com ritmos urbanos e ambientes sombrios, criando uma atmosfera sobrenatural permanente. Cada zona do campus tem uma identidade sonora clara, e as músicas de combate aumentam a tensão sem se tornarem cansativas.

O design de som acompanha com pequenos detalhes que fazem a diferença: estática inquietante, ruídos demoníacos, estalidos de vazio e efeitos que reforçam o surrealismo. Tudo contribui para dar coesão à experiência. É um daqueles casos em que podes ouvir a banda sonora isolada e ainda assim sentir que tens um universo inteiro na cabeça.

Conclusão

Demonschool é um daqueles jogos que aparecem de vez em quando para lembrar que ainda há espaço para experiências verdadeiramente criativas no RPG tático. Mistura influências fortes, mas nunca se perde nelas. Constrói a sua própria identidade com humor mordaz, visuais marcantes e um sistema de combate que valoriza inteligência em vez de repetição.

A história é envolvente, o elenco tem carisma e o mundo é suficientemente estranho para te manter sempre atento. A combinação entre horror leve, sátira e drama adolescente resulta surpreendentemente bem, e a estrutura baseada em puzzles dá ao combate uma frescura que há muito faltava ao género.

No final, Demonschool é divertido, inventivo e cheio de estilo. Confia no jogador, não facilita demasiado e recompensa quem gosta de pensar alguns passos à frente. É um jogo feito com personalidade e respeito pela tradição do género, mas sem medo de arriscar. E o mais assustador é mesmo isto: o quão viciante consegue ser.

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