Fresh Tracks é um daqueles jogos que desafiam as expectativas. Quando ouvi falar dele pela primeira vez, a ideia de um jogo que mistura ski, ritmo e elementos roguelite pareceu-me estranha, mas intrigante. Desenvolvido pelo estúdio indie Buffalo Buffalo, o jogo transporta-nos para o reino mítico de Norwyn, um lugar coberto de florestas densas, glaciares imponentes e antigas fortalezas. A premissa parece simples: descer montanhas a grande velocidade, esquivar obstáculos e combater inimigos, tudo ao som de uma banda sonora que se adapta ao ambiente e à ação. No entanto, na prática, Fresh Tracks revela-se muito mais complexo, oferecendo uma experiência intensa que combina mecânicas de ritmo, ação e progressão típica de um roguelite.
Desde os primeiros momentos, a sensação de velocidade e perigo é palpável. A música não é apenas um elemento decorativo, mas sim uma parte central do jogo, guiando os nossos movimentos e ataques. O resultado é uma experiência eletrizante, em que a coordenação entre o jogador, a música e os perigos da pista se torna essencial para a sobrevivência.
Jogabilidade
A jogabilidade de Fresh Tracks mistura vários elementos de géneros distintos de uma forma surpreendentemente coesa. Cada música representa um nível único, com obstáculos, inimigos e desafios adaptados ao ritmo e estilo da faixa em questão. Isto significa que não estamos apenas a jogar mais um nível com uma música diferente, mas sim a enfrentar um percurso completamente novo.
Os controlos são simples na teoria: podemos mover-nos lateralmente para evitar obstáculos, saltar para ultrapassar barreiras e inclinar-nos para desviar de ataques. O detalhe interessante está nos objetos que brilham a azul. Em vez de os evitar, devemos atingi-los com a espada, sincronizando o golpe com o ritmo da música. Esta mecânica não só mantém o jogador envolvido na parte rítmica, como também carrega a habilidade especial da espada. Inicialmente, esta habilidade permite recuperar saúde, mas ao longo da progressão desbloqueamos novas espadas com poderes variados.
O jogo exige reflexos rápidos, especialmente porque os erros têm consequências imediatas. Em muitos jogos de ritmo, falhar uma nota significa perder pontos ou interromper a música. Em Fresh Tracks, falhar pode significar chocar de frente com uma rocha ou cair num precipício, acabando instantaneamente a corrida. Isto cria uma sensação constante de tensão e urgência que mantém o jogador sempre alerta.
Como roguelite, cada jornada é composta por uma série de músicas e níveis aleatórios. Quando morremos, recomeçamos do início, mas mantemos algumas melhorias e equipamentos desbloqueados, incentivando o progresso a longo prazo. Esta estrutura garante que cada tentativa se sinta diferente, mesmo que enfrentemos algumas músicas repetidas.

Mundo e história
O mundo de Norwyn não é apenas um cenário bonito; há uma mitologia própria a descobrir ao longo das corridas. Durante a nossa jornada, somos acompanhados por figuras conhecidas como Mythics. Estas entidades funcionam como narradores e guias, oferecendo histórias, lendas e também benefícios passivos que afetam a jogabilidade. Cada Mythic tem a sua própria personalidade, preferências musicais e buffs específicos, o que incentiva o jogador a experimentar diferentes combinações e a descobrir mais sobre este universo.
À medida que avançamos, ouvimos histórias sobre personagens como Sir Gregory the Grey ou Phineas Feather, figuras lendárias de Norwyn que enriquecem o lore do jogo. Embora estas histórias sejam secundárias em termos de mecânica, dão uma profundidade inesperada ao mundo, tornando-o mais envolvente e misterioso.
Os bosses representam momentos altos da narrativa e da jogabilidade. Cada um deles tem níveis significativamente mais longos e complexos, durando mais de sete minutos, em contraste com os quatro minutos habituais. Estes confrontos são mais do que simples desafios de habilidade: incorporam mudanças súbitas na jogabilidade e introduzem novos inimigos e obstáculos, criando um verdadeiro clímax para cada capítulo da aventura.
Grafismo
Visualmente, Fresh Tracks consegue transmitir tanto a beleza quanto a brutalidade das suas paisagens geladas. O design dos níveis é variado, desde florestas densas e sombrias até glaciares deslumbrantes iluminados pelas luzes do norte. Cada faixa musical tem um ambiente próprio, refletido no cenário e nos elementos visuais, o que reforça a sensação de que cada nível é único.
Os efeitos visuais são particularmente eficazes no que diz respeito à comunicação com o jogador. Os objetos que devem ser atingidos brilham num azul distinto, criando uma linguagem visual clara e intuitiva. Já os inimigos e obstáculos perigosos têm designs ameaçadores e bem definidos, garantindo que nunca existam dúvidas sobre a ação necessária.
Apesar de não ser um jogo que impressione pela fidelidade gráfica, Fresh Tracks compensa com estilo e coerência visual. A arte tem um toque ligeiramente estilizado, o que contribui para a atmosfera mítica e lendária de Norwyn, sem deixar de transmitir a intensidade da ação.

Som
O áudio é, sem dúvida, a alma de Fresh Tracks. A promessa de uma banda sonora diversificada cumpre-se na perfeição, com 28 faixas que abrangem vários géneros musicais. Desde música pop eletrónica até rock épico e hip-hop, há algo para todos os gostos. Um dos momentos mais marcantes acontece quando encontramos Sovgar, um Mythic com gosto por metal, que introduz faixas mais pesadas e intensas, mudando completamente a energia do jogo.
O mais impressionante é a forma como a música se integra na jogabilidade. Cada batida, cada mudança de ritmo, tem impacto direto nas ações do jogador. Acertar os golpes no momento certo cria uma sensação de harmonia perfeita entre o que vemos e ouvimos. Além disso, mesmo faixas de géneros que normalmente não apreciamos acabam por se tornar agradáveis graças à forma como estão ligadas à experiência de jogo.
Os efeitos sonoros complementam bem a música, com o som das espadas, o impacto dos saltos e o vento a soprar durante as descidas. Tudo contribui para criar uma imersão completa, em que sentimos que estamos realmente a enfrentar os perigos de Norwyn.
Conclusão
Fresh Tracks é um jogo que surpreende em todos os aspetos. O conceito de misturar ski, ritmo e mecânicas roguelite poderia facilmente ter resultado num produto confuso ou desorganizado, mas o estúdio Buffalo Buffalo conseguiu criar algo coeso, viciante e inovador. A jogabilidade desafiante, combinada com uma banda sonora variada e impactante, mantém o jogador motivado, mesmo após várias derrotas.
Os bosses longos e imprevisíveis representam momentos de verdadeira adrenalina, enquanto a progressão roguelite garante que cada nova tentativa se sinta única. A mitologia rica e a presença dos Mythics acrescentam uma camada narrativa que dá profundidade ao jogo, tornando Norwyn mais do que apenas um pano de fundo.
Ainda que existam pequenas falhas, como a pouca diferença sentida entre os níveis de dificuldade, estas não chegam a comprometer a experiência global. No final, Fresh Tracks é um jogo que nos desafia não só a reagir rapidamente, mas também a perder-nos na sua música e no seu mundo gelado. É uma aventura que nos faz voltar ao teleférico vezes sem conta, sempre prontos para mais uma descida épica.