Análise: Kirby Air Riders

Quando Kirby Air Riders foi anunciado no início do ano, a reacção inicial foi, no mínimo, de estranheza. Não por falta de carinho pelo original de 2003, mas porque a ideia de dois jogos de corridas estilo kart da Nintendo no mesmo ano parecia redundante. O próprio Masahiro Sakurai não fugiu ao assunto, admitindo essa sensação durante uma apresentação oficial. Ainda assim, reduzir Kirby Air Riders a mais um jogo de corridas seria profundamente injusto. Apesar de a velocidade e a competição estarem no centro da experiência, este é um jogo que vive da forma como pega em mecânicas simples e as dobra, estica e reinventa para criar modos distintos, cheios de identidade própria. O resultado é uma sequela que respeita o legado do original, mas que o expande de forma surpreendente, com ideias inteligentes, desafios constantes e aquele charme inconfundível do universo Kirby.

Jogabilidade

À primeira vista, Kirby Air Riders parece quase minimalista. As máquinas aceleram automaticamente, libertando o jogador da gestão constante da velocidade. O controlo resume-se essencialmente à direcção e a dois botões: Boost Charge e Special. O Boost Charge funciona como um travão que carrega um impulso de velocidade, lançado no momento em que o botão é libertado. Bem utilizado, sobretudo em curvas, cumpre um papel semelhante ao drift em Mario Kart. Já o Special activa uma habilidade específica do Rider escolhido, variando entre ataques ofensivos e aumentos temporários de velocidade.

Existe ainda a possibilidade de inalar inimigos durante as corridas, copiando habilidades clássicas da série Kirby. Aqui surge uma das poucas decisões discutíveis do design: a inalação e a activação de habilidades estão ligadas ao mesmo botão do Boost Charge. Isto significa que um erro de timing pode resultar numa perda de velocidade inesperada. É algo que incomoda nos primeiros minutos, mas que acaba por se tornar natural com a prática.

Apesar da simplicidade dos controlos, cada corrida é um festival de decisões rápidas. Derrotar inimigos, seguir de perto adversários ou aterrar correctamente após saltos garante pequenos bónus de velocidade. Por outro lado, choques e ataques sofridos penalizam o ritmo. Tudo gira em torno do momentum. Saber quando carregar o Boost, quando arriscar um ataque e quando jogar pelo seguro faz toda a diferença entre o primeiro e o segundo lugar. A velocidade geral do jogo foi significativamente aumentada face ao original, e nota-se desde a primeira corrida. Kirby Air Riders é rápido, quase frenético. Efeitos visuais, inimigos e pistas passam a correr pelo ecrã a um ritmo que exige reflexos apurados. Num único segundo, pode ser preciso aterrar bem, inalar um inimigo e fazer um Boost numa curva apertada. Acertar tudo em sequência é incrivelmente satisfatório e transforma cada volta perfeita numa pequena vitória pessoal.

Outro dos grandes trunfos da jogabilidade está nas máquinas. Cada veículo tem estatísticas próprias, mas também peculiaridades que definem estilos de jogo muito distintos. Algumas mal viram, mas voam em rectas; outras sacrificam velocidade máxima por controlo absoluto. Existem até máquinas com mecânicas únicas, como a Transform Star, capaz de mudar de forma consoante o terreno. Aprender a dominar cada uma delas é parte fundamental da experiência, e desbloquear novos veículos mantém sempre aquele entusiasmo de descobrir algo completamente diferente.

Os Riders também têm agora um peso maior na equação. Cada personagem apresenta estatísticas e Specials únicos. Kirby, por exemplo, desfere ataques caóticos à sua volta, enquanto Waddle-Dee ganha um impulso de velocidade considerável. Nenhum se sente injusto ou dominante, mas todos acrescentam nuances importantes, especialmente em modos mais competitivos. Rick, o hamster de ténis, destaca-se pela habilidade de abandonar a máquina e correr a alta velocidade pelo percurso, algo tão eficaz quanto ridículo de ver.

Mundo e história

Kirby Air Riders não é propriamente um jogo focado numa narrativa tradicional, mas isso não significa que lhe falte contexto ou personalidade. O modo Road Trip funciona como o fio condutor da experiência a solo, juntando elementos de todos os outros modos numa espécie de viagem através de vários ambientes e desafios. Ao longo desta jornada, o jogador escolhe entre diferentes encontros, cada um com desafios específicos, desde corridas temáticas a provas de voo ou batalhas contra bosses.

Cada desafio concluído oferece melhorias persistentes para a máquina, criando uma sensação de progressão muito gratificante. Aos poucos, aquele veículo pesado e pouco ágil transforma-se numa verdadeira máquina afinada ao detalhe. O mais interessante é a diversidade constante. Num momento estamos numa prova de recolha de comida, no seguinte a enfrentar um boss em plena City Trial, e logo depois numa competição para ver quem voa mais longe. Esta estrutura permite explorar o mundo colorido de Kirby de forma fragmentada, mas eficaz. Não há uma grande história épica, mas há uma sucessão de situações que reforçam o espírito leve, divertido e imprevisível da série. Além disso, o Road Trip é altamente rejogável. Cada percurso dura entre duas a três horas, e é impossível ver tudo numa só jogada, incentivando várias tentativas para descobrir todos os ambientes e desafios.

Grafismo

Visualmente, Kirby Air Riders é um regalo para os olhos, embora esteja constantemente no limite do excesso. As pistas são vibrantes, cheias de cor e vida, com inimigos, efeitos e detalhes a preencher cada centímetro do ecrã. A maior velocidade do jogo torna tudo ainda mais intenso, criando momentos quase sobre-estimulantes, mas raramente confusos. O design das máquinas e personagens mantém-se fiel ao estilo simples e expressivo de Kirby, mas com um nível de detalhe superior ao do original. Cada veículo tem uma silhueta distinta, facilmente reconhecível em plena corrida, algo essencial num jogo tão rápido. Os diferentes ambientes, desde cidades futuristas a selvas e zonas industriais, oferecem variedade suficiente para manter o interesse ao longo de dezenas de horas.

Mesmo nos modos mais caóticos, como City Trial, o jogo consegue manter uma leitura clara da acção, algo que não é nada fácil quando dezenas de eventos, jogadores e efeitos acontecem ao mesmo tempo. É um trabalho técnico sólido, que mostra uma Nintendo confortável com o hardware e confiante nas suas escolhas artísticas.

Som

A componente sonora acompanha o ritmo acelerado do jogo com uma banda sonora energética e memorável. Os temas musicais variam entre o épico e o descontraído, adaptando-se bem aos diferentes modos e situações. Há melodias que ficam no ouvido após poucas corridas, reforçando a identidade de cada pista e modo de jogo. Os efeitos sonoros são claros e eficazes, fornecendo feedback imediato para Boosts bem executados, ataques acertados ou erros cometidos. As vozes e sons das personagens mantêm o tom leve e bem-humorado típico da série, sem nunca se tornarem irritantes, mesmo após longas sessões de jogo. No multijogador online, a música e os sons ajudam a criar um ambiente surpreendentemente acolhedor, especialmente na zona do Paddock, onde os jogadores podem conviver, mostrar máquinas personalizadas e preparar corridas enquanto a música toca em segundo plano.

Conclusão

Kirby Air Riders é muito mais do que parecia à partida. O que começa como um jogo de corridas simples revela-se uma experiência profunda, variada e extremamente viciante. Air Ride oferece corridas sólidas e intensas, Top Ride funciona como uma distracção rápida e acessível, City Trial é um caos delicioso e imprevisível, e Road Trip junta tudo numa campanha criativa e cheia de progressão.

Existem falhas, claro. O esquema de controlos limitado a dois botões nem sempre é ideal, e algumas decisões no Road Trip podem parecer injustas. Ainda assim, são pequenas nódoas num pacote impressionante. O multijogador é robusto, os desafios são quase intermináveis e o sistema de recompensas mantém o jogador constantemente motivado a experimentar novas combinações de Riders e máquinas.

Sakurai afirmou não ter planos para DLC ou continuações, e depois de dezenas de horas passadas com Kirby Air Riders, é difícil discordar. Este parece ser o culminar de uma ideia iniciada em 2003, levada ao seu limite máximo. Um jogo confiante, cheio de personalidade e capaz de surpreender constantemente. Para quem procura algo diferente dentro do género das corridas, Kirby Air Riders é uma aposta ganha, sem espinhas.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ComboCaster