My Little Puppy é daqueles jogos que começam por nos desarmar emocionalmente logo nos primeiros minutos. Não porque atirem tragédia gratuita à cara do jogador, mas porque assumem desde o início que a experiência vai ser íntima, pessoal e, acima de tudo, honesta. Num mercado dominado por estímulos rápidos, loops de dopamina e sistemas pensados para reter o jogador a todo o custo, esta obra da Dreamotion segue noutra direcção. É um jogo pequeno, contido, mas com uma ambição temática que ultrapassa largamente a sua duração.
À primeira vista, pode parecer mais um jogo “fofinho” com um cão como protagonista, daqueles que tentam arrancar lágrimas fáceis. A verdade é que My Little Puppy evita quase sempre esse caminho mais óbvio. Parte da perda de um animal de estimação, algo universal para quem já partilhou a vida com um cão ou um gato, mas usa essa dor como ponto de partida para falar de empatia, responsabilidade humana e até ética social. Não é um jogo interessado em fazer chorar a qualquer custo, mas sim em acompanhar o jogador num processo de reflexão e, eventualmente, de cura.
Há também algo de profundamente autoral nesta proposta. Sente-se que não estamos perante um produto desenhado por comité, mas antes perante uma obra muito pessoal, nascida de uma ligação real e de uma perda real. Isso transparece em quase todos os aspectos do jogo, desde a forma como Bong-gu se move até à maneira como o mundo reage à sua presença. My Little Puppy não quer ser tudo para todos. Quer dizer algo concreto, e diz-lo com convicção.
Jogabilidade
Em termos de jogabilidade, My Little Puppy assume desde logo uma limitação física clara: Bong-gu é um Welsh Corgi, com pernas curtas e um corpo pouco dado a grandes proezas acrobáticas. Não salta alto, não escala paredes e não se move com a precisão de um herói de plataforma clássico. Em vez de tentar contornar essa limitação, o jogo abraça-a e constrói grande parte das suas mecânicas à volta dela.
Esta escolha transforma uma aparente fraqueza numa ideia central de design. Para chegar a determinados locais, abrir caminhos ou ultrapassar obstáculos, Bong-gu precisa frequentemente da ajuda de outros animais ou de personagens não jogáveis. Isso cria uma sensação constante de interdependência. Não somos um herói solitário, mas sim uma criatura que precisa dos outros para avançar. É uma tradução mecânica muito eficaz da ideia de que um cão só está verdadeiramente completo em relação com alguém. Outro elemento muito bem conseguido é o uso do olfacto como ferramenta principal de navegação. Em vez de um mini-mapa tradicional cheio de ícones, o jogo apresenta trilhos de cheiro que surgem no ecrã e guiam o jogador. Seguir um rasto roxo associado ao dono, por exemplo, é muito mais intuitivo e imersivo do que olhar para um mapa. É uma forma simples, mas inteligente, de colocar o jogador dentro do corpo e dos sentidos de um cão.
Para evitar a monotonia, My Little Puppy vai introduzindo pequenas variações de género ao longo da aventura. Há secções de stealth em que é preciso evitar inimigos gigantes, perseguições em cenários que colapsam e até momentos de combate leve que parodiam jogos de luta clássicos. Ver Bong-gu a “lutar” com as patas dianteiras é simultaneamente cómico e eficaz como quebra de ritmo, aliviando temporariamente o peso emocional da narrativa.

Mundo e história
A história de My Little Puppy gira em torno da perda, mas não se limita a uma abordagem abstracta ou simbólica. Está profundamente enraizada numa história real: Bong-gu foi um cão resgatado de um abrigo, doente e com pouco tempo de vida, adoptado pelo CEO da Dreamotion. A relação durou apenas alguns meses, mas foi intensa o suficiente para dar origem a este jogo. Saber isto não é essencial para compreender a narrativa, mas dá-lhe uma camada adicional de autenticidade difícil de ignorar.
O jogo inspira-se no conceito da Rainbow Bridge, muito popular em países de língua inglesa, segundo o qual os animais de estimação aguardam os seus donos no além. No entanto, My Little Puppy dá-lhe um twist importante. Aqui, Bong-gu não espera passivamente. Quando sente o cheiro do dono, corre ao seu encontro, atravessando fronteiras que deveriam ser intransponíveis. A mensagem é clara: o amor não é estático, é movimento, é acção. Ao mesmo tempo, o jogo não fecha os olhos à dureza do mundo real. Alguns episódios são directamente inspirados em acontecimentos verídicos, como casos de roubo de cães, abandono, luta clandestina de animais ou o peso psicológico suportado por veterinários obrigados a tomar decisões extremas. Estas histórias surgem integradas no percurso de Bong-gu e acrescentam uma dimensão social e ética que eleva a narrativa para lá da simples fábula emocional.
Grafismo
Visualmente, My Little Puppy aposta num estilo estilizado, mas expressivo. Não procura o hiper-realismo, mas também não cai no minimalismo excessivo. Os cenários são suficientemente detalhados para transmitir emoções e estados de espírito, variando entre ambientes mais acolhedores e outros marcados pela frieza ou abandono. A direcção artística está sempre ao serviço da narrativa.
O grande destaque gráfico é, sem surpresa, o próprio Bong-gu. A animação do seu corpo, especialmente da traseira, é feita com um nível de detalhe quase obsessivo. O abanar constante, o peso do corpo em movimento, a forma como o pêlo reage são elementos que revelam um carinho enorme pelo personagem. É difícil não sorrir ao ver Bong-gu a correr, mesmo em momentos narrativamente pesados. Este cuidado estende-se às pequenas animações contextuais: a forma como cheira o chão, reage a sons distantes ou se aproxima de outras personagens. São pormenores que não têm impacto directo na jogabilidade, mas que reforçam a ligação emocional do jogador ao protagonista. Bong-gu nunca parece um simples avatar, mas sim um ser vivo com presença própria.

Som
O trabalho sonoro em My Little Puppy é discreto, mas extremamente eficaz. A banda sonora surge muitas vezes em segundo plano, com temas suaves que acompanham o estado emocional da cena sem se imporem. Nos momentos mais dramáticos, o silêncio é usado com inteligência, deixando espaço para que o jogador processe o que está a acontecer.
Os efeitos sonoros são essenciais para a imersão. O som das patas no chão, os ganidos, a respiração ofegante ou o simples abanar da cauda ajudam a reforçar a sensação de estar no corpo de um cão. Também aqui se nota uma grande atenção ao detalhe, com sons que variam conforme o ambiente e a situação. Destaca-se ainda o uso do som como elemento de orientação, complementando o sistema de cheiros. Certos ruídos guiam o jogador ou alertam para perigos, funcionando quase como uma extensão dos sentidos de Bong-gu. É um trabalho subtil, mas muito bem integrado no todo.
Conclusão
My Little Puppy não é um jogo perfeito. Os controlos são por vezes imprecisos, a física pode ser frustrante em certos mapas e a duração relativamente curta levanta questões sobre o preço. Quem procura um desafio exigente ou sistemas profundos pode sentir que está mais perante um conto interactivo do que um jogo tradicional. No entanto, seria um erro avaliar esta obra apenas por esses critérios. O valor de My Little Puppy está na sinceridade da sua proposta e na forma como consegue tocar o jogador sem recorrer a truques baratos. É um jogo que fala de perda, mas também de amor, de memória e da ligação entre humanos e animais de uma forma rara no meio interactivo.
Quando os créditos finais surgem, é difícil não pensar nos animais que ainda nos acompanham ou naqueles que já partiram. E essa sensação de que eles continuam, de alguma forma, a correr ao nosso encontro é o maior triunfo do jogo. My Little Puppy é uma experiência que vai além do entretenimento e se aproxima de um ritual de despedida e lembrança. Pode ser tosco em alguns aspectos técnicos, mas compensa com um coração enorme. Para quem já amou um animal de estimação, é uma viagem difícil de esquecer.