Os jogos da série Myst sempre ocuparam um lugar especial na história dos videojogos, definindo um género muito próprio com a sua jogabilidade única e ambientes misteriosos. Neyyah é um projeto que não apenas se inspira nesta série, como praticamente a recria, transportando os jogadores para uma experiência que poderia muito bem ter saído diretamente de 1997. Desenvolvido quase inteiramente por Aaron Gwynaire, sob o estúdio Defy Reality Entertainment, e publicado pela MicroProse, este jogo é fruto de sete anos de trabalho e dedicação.
Neyyah aposta numa abordagem clássica, mantendo-se fiel à fórmula original dos point-and-click de exploração e quebra-cabeças que tornaram Myst num fenómeno. Trata-se de uma aventura que combina uma estética retro cuidadosamente planeada com a tecnologia atual, permitindo ao jogo correr sem limitações modernas, como suporte para ecrãs widescreen. É uma verdadeira carta de amor a um género que marcou gerações e que, nos dias de hoje, já não tem tanta presença no mercado.
Desde o primeiro momento, é evidente que o objetivo de Gwynaire foi criar uma experiência autêntica, que não se limita a homenagear Myst, mas que consegue transmitir a sensação de estarmos perante um novo capítulo perdido da série. Tudo, desde os menus aos sons, passando pela interface e pelos cenários, foi pensado para replicar esse estilo clássico.
Jogabilidade
Tal como em Myst, a jogabilidade de Neyyah gira em torno da exploração e da resolução de puzzles. Não existem combates nem ação frenética; o desafio está em observar atentamente o ambiente, recolher informações e usá-las para desvendar enigmas.
O jogo oferece três modos distintos de assistência, permitindo ajustar a experiência à preferência de cada jogador. O modo Master of Your Own Adventure é o mais puro, sem qualquer tipo de ajuda ou pistas. Aqui, é essencial ter papel e caneta à mão para anotar pistas, tal como se fazia na década de 90. É uma experiência exigente e totalmente imersiva, ideal para quem quer sentir o verdadeiro espírito clássico da série Myst.
O modo Whispers in the Wind atualiza automaticamente o mapa com novas localizações descobertas, oferecendo uma ajuda subtil para não se perderem detalhes importantes. Já o Guided by the Ancients acrescenta ainda mais suporte, indicando sempre que há novas informações no Traveller’s Guide e oferecendo sugestões ocasionais sobre o próximo passo.
A dificuldade dos puzzles está bem equilibrada, proporcionando um desafio sólido sem cair na frustração. Em vários momentos, o jogador sente que sabe a direção a seguir, mesmo que não tenha ainda todas as peças do puzzle. As pistas nunca revelam a solução de forma direta, incentivando a leitura atenta de diários, notas e outros documentos espalhados pelo mundo. É um jogo que recompensa a paciência e a atenção aos detalhes, algo que pode parecer lento para jogadores modernos, mas que acaba por ser uma parte essencial da sua identidade.

Mundo e história
O mundo de Neyyah é composto por várias ilhas interligadas por portais, cada uma delas com características próprias, flora exótica e criaturas fantásticas. É um universo que mistura elementos familiares com o surreal, criando uma sensação constante de descoberta.
A narrativa é apresentada de forma gradual, através de cutscenes em vídeo com atores reais, à semelhança dos jogos clássicos dos anos 90. Estas cenas têm um tom teatral e peculiar, captando perfeitamente o espírito da época. Curiosamente, o próprio Aaron Gwynaire interpreta uma personagem, reforçando a ligação entre criador e obra.
No início, a história pode parecer confusa, devido à quantidade de termos e conceitos introduzidos rapidamente, mas à medida que o jogador avança, tudo começa a fazer sentido. As interações com personagens, combinadas com a leitura de diários e notas deixadas por habitantes locais, vão revelando gradualmente os segredos deste mundo. Esta forma de contar a história incentiva a exploração e a atenção aos pormenores, tornando cada descoberta mais gratificante.
Grafismo
Visualmente, Neyyah é uma verdadeira homenagem à estética clássica dos jogos de aventura dos anos 90. Apesar de usar tecnologia moderna, mantém o estilo de ambientes estáticos com pontos de vista fixos, exatamente como nos primeiros Myst. Esta escolha não se limita a uma questão de nostalgia; ela contribui para a atmosfera única do jogo, que dificilmente poderia ser recriada com gráficos totalmente tridimensionais.
O nível de detalhe nos cenários é impressionante, desde a arquitetura das estruturas às pequenas animações que dão vida ao ambiente. Criaturas gigantescas surgem ocasionalmente, criando momentos de surpresa e maravilha. A interface também merece destaque, com menus e fontes que parecem saídos diretamente dos jogos originais, transmitindo uma sensação de autenticidade rara.
O facto de o jogo correr em widescreen sem problemas é uma adição bem-vinda, algo que seria impensável na época em que se inspira. Esta mistura entre o visual clássico e algumas comodidades modernas resulta num equilíbrio perfeito entre nostalgia e conforto.

Som
O trabalho de som em Neyyah é fundamental para a imersão. Cada passo em passarelas metálicas, o eco em cavernas abandonadas ou o barulho de máquinas antigas contribuem para criar uma atmosfera rica e envolvente.
A banda sonora, composta por Zaedyn Turner e pelo próprio Aaron Gwynaire, segue a linha de música ambiente etérea que se tornou um símbolo da série Myst. Trata-se de um conjunto de melodias suaves e misteriosas que reforçam a sensação de isolamento e descoberta. Em muitos momentos, a música quase desaparece, dando lugar apenas aos sons do ambiente, o que aumenta a tensão e a imersão.
O equilíbrio entre música e efeitos sonoros é exemplar, nunca sobrepondo um ao outro e mantendo sempre a coerência com o tom do jogo.
Conclusão
Neyyah não tenta reinventar o género nem adaptá-lo às tendências modernas. Em vez disso, aposta numa recriação fiel do que tornou Myst e Riven tão memoráveis, oferecendo aos jogadores uma experiência autêntica que parece ter sido perdida no tempo.
A dedicação de Aaron Gwynaire é visível em cada detalhe, desde a jogabilidade desafiante até à apresentação cuidada. É um jogo que exige paciência e atenção, mas que recompensa quem se deixa envolver pelo seu ritmo tranquilo e misterioso.
Num mercado onde muitos jogos procuram modernizar fórmulas clássicas, Neyyah destaca-se por permanecer fiel às suas raízes. Para os fãs de Myst e para quem aprecia aventuras de exploração e puzzles complexos, este título é uma verdadeira pérola. É, sem dúvida, um dos lançamentos mais autênticos e apaixonados que o género viu nos últimos anos.