Análise: Saborus

Há jogos que, de vez em quando, conseguem surpreender-nos não pela sua ambição técnica ou narrativa, mas simplesmente pela ideia de base. Saborus é um desses casos raros. Um jogo de terror onde controlamos uma galinha a tentar escapar de um matadouro industrial, perseguida por funcionários cujo único objectivo é transformar-nos em nuggets, não é exactamente algo que se veja todos os dias. A premissa é absurda, quase caricatural, mas também carrega um subtexto desconfortável que encaixa curiosamente bem no género de horror.

O nome Saborus não é aleatório: trata-se do nome da unidade de processamento onde decorre toda a acção. Uma fábrica fria, impessoal, comandada por uma corporação claramente maligna, saída directamente de um desenho animado com críticas sociais pouco subtis. Tudo aqui aponta para uma sátira exagerada do sistema industrial, mas o jogo nunca assume totalmente esse lado e acaba por oscilar entre o humor negro e o terror mais convencional. A ideia de jogar como uma galinha indefesa num ambiente hostil é, por si só, suficiente para despertar curiosidade. Infelizmente, como tantas vezes acontece, uma boa ideia não garante um bom jogo. Saborus tem momentos interessantes e algumas boas intenções, mas tropeça repetidamente na sua execução, tornando-se uma experiência mais frustrante do que memorável.

Jogabilidade

Quem já jogou títulos de terror mais tradicionais vai reconhecer rapidamente a estrutura base de Saborus. Não há combate directo, não há forma de enfrentar os inimigos. A única opção é correr, esconder-se e tentar ultrapassar os obstáculos com alguma astúcia. Até aqui, nada de novo. O problema é a forma como estas mecânicas são apresentadas e desenvolvidas ao longo do jogo.

Logo no início, somos atirados para uma sequência de perseguição sem qualquer explicação prévia dos controlos. O jogo não ensina, não contextualiza e não orienta. Se o jogador não começar imediatamente a experimentar botões, pode nem perceber que existe a possibilidade de correr. Estas sequências iniciais baseiam-se muito mais na memorização do percurso do que na reacção ou improviso, o que retira grande parte da tensão que este tipo de momentos deveria provocar.

Cada erro resulta na morte da galinha e num regresso ao último checkpoint. À medida que o jogo avança, estes pontos de controlo podem estar separados por longos períodos, chegando facilmente aos 15 ou 20 minutos. Isto faz com que cada falha seja mais frustrante do que assustadora, quebrando o ritmo e tornando o progresso penoso. Grande parte da jogabilidade gira em torno de mover objectos de um lado para o outro para desbloquear novas áreas. Caixas, carrinhos, plataformas improvisadas, tudo serve para criar caminhos alternativos. No papel, estas secções deveriam incentivar a exploração e o raciocínio, mas na prática tornam-se repetitivas e cansativas. Em vez de uma sensação de conquista, o que se sente é alívio por aquela tarefa específica ter terminado.

As interacções disponíveis são bastante limitadas, o que até faz sentido dado que controlamos uma galinha. Ainda assim, isso não desculpa a falta de criatividade na aplicação dessas interacções. Para além de empurrar objectos, podemos usar as garras para destruir caixas de fusíveis e aceder a computadores através de um sistema de pseudo hacking que se resume a carregar botões aleatoriamente. Nenhuma destas mecânicas é particularmente interessante ou satisfatória.

Para piorar a situação, não existe qualquer tipo de voo ou salto mais elaborado, e a galinha sofre dano de queda. Num jogo onde se anda constantemente a subir e descer estruturas improvisadas, isto torna-se rapidamente irritante. Pequenas quedas resultam em penalizações desnecessárias que só servem para prolongar artificialmente a experiência.

Mundo e história

A narrativa de Saborus é simples e directa. Não há grandes reviravoltas nem personagens memoráveis. O jogador é uma galinha presa num matadouro e o objectivo é escapar por qualquer meio possível. Pelo caminho, vamos percebendo que a fábrica é gerida por uma corporação sem escrúpulos, num retrato exagerado e quase infantil do capitalismo industrial. Apesar do potencial para uma crítica mais mordaz ou para um humor negro mais assumido, o jogo raramente vai além do básico. Os ambientes contam alguma história através do cenário, com áreas de processamento, escritórios e corredores industriais, mas falta profundidade ao mundo apresentado. Tudo serve apenas como pano de fundo para as mecânicas de fuga.

Na segunda metade do jogo, o tom aproxima-se mais do terror clássico. Os espaços tornam-se mais escuros, os corredores mais apertados e a sensação de perseguição é mais constante. Infelizmente, esta mudança chega tarde demais para compensar a frustração acumulada nas horas anteriores. Há também uma secção baseada em luz que se destaca pela positiva, mostrando que existia potencial para mais variedade e criatividade. Por outro lado, as secções de labirintos acabam por ser um dos pontos mais fracos da experiência. Em vez de gerar tensão, tornam-se confusas e desinteressantes, quebrando novamente o ritmo e testando a paciência do jogador.

Grafismo

Visualmente, Saborus é competente, mas pouco memorável. O jogo apresenta um estilo realista simplificado, com ambientes industriais bem iluminados e texturas aceitáveis. A iluminação é, sem dúvida, um dos pontos mais fortes, ajudando a criar uma atmosfera fria e opressiva que combina bem com o cenário de um matadouro.

O desempenho nas consolas modernas é estável, sem quebras de framerate ou problemas técnicos de maior. Tudo funciona como esperado, o que é positivo, mas também não há nada que se destaque verdadeiramente. Os modelos dos inimigos e da própria galinha são funcionais, mas carecem de personalidade. Depois de ver algumas imagens ou vídeos do jogo, já se sabe exactamente o que esperar. Não existem surpresas visuais nem momentos que fiquem gravados na memória. É um trabalho competente, mas claramente contido por limitações orçamentais e por uma direcção artística pouco ousada.

Som

A componente sonora de Saborus é bastante minimalista. A banda sonora resume-se praticamente a uma única faixa ambiente que se repete ao longo de grande parte do jogo. É uma música monótona, quase hipnótica, que acaba por encaixar no ambiente industrial e opressivo, mas que rapidamente se torna cansativa. Os efeitos sonoros cumprem a sua função, desde os passos dos inimigos ao som das máquinas da fábrica, mas nunca são usados de forma particularmente eficaz para criar tensão. Falta variedade e falta impacto. O som raramente contribui para sustos ou momentos de verdadeiro desconforto, algo que é especialmente problemático num jogo que se assume como terror.

Conclusão

Saborus é um daqueles jogos que se lembram mais pela ideia do que pela experiência em si. Controlar uma galinha a tentar escapar de um matadouro é, sem dúvida, um conceito original e com potencial para algo especial. Infelizmente, a execução fica muito aquém do que seria necessário para transformar essa ideia num jogo verdadeiramente interessante. A jogabilidade é repetitiva, as mecânicas são pouco inspiradas e a frustração instala-se demasiado cedo. Mesmo sendo um jogo relativamente curto, Saborus consegue parecer mais longo do que deveria, um problema grave num género que depende tanto do ritmo e da tensão.Há alguns momentos positivos, nomeadamente certas secções mais focadas no terror e no uso da luz, mas são insuficientes para equilibrar uma experiência marcada por tarefas aborrecidas e decisões de design questionáveis. No final, fica a sensação de que este poderia ter sido um pequeno tesouro independente, mas acabou por se tornar algo esquecível.

Saborus é uma curiosidade interessante, talvez adequada para quem tenha acesso através de um serviço de subscrição e queira experimentar algo diferente. Fora isso, é difícil recomendá-lo, mesmo a quem aprecia jogos de terror mais experimentais. A novidade está lá, mas o jogo luta constantemente contra o próprio jogador, e raramente sai vencedor.

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