Análise: The Last Case of John Morley

The Last Case of John Morley tenta recuperar aquele charme perdido dos mistérios clássicos, onde um detective desiludido regressa a um caso que nunca devia ter ressuscitado. Há um hospital, uma mansão abandonada, crimes por resolver e até fantasmas. Em teoria, tudo isto seria terreno fértil para um thriller noir com cheiro a tabaco e sombras pesadas. Na prática, encontramos um jogo pequeno, ambicioso na alma mas limitado nas ferramentas, que prefere conduzir o jogador pela mão em vez de o desafiar a descobrir a verdade. Não deixa de ser uma experiência curiosa, mas é difícil sacudir a sensação de que estamos perante a maqueta de um projecto muito maior do que os meios permitiram.

Jogabilidade

A jogabilidade assenta quase exclusivamente na exploração lenta de ambientes fechados. O jogador percorre corredores, abre portas, examina objectos, lê apontamentos e activa pequenas cenas que avançam a história. O ritmo é deliberadamente lento, quase contemplativo, mas nunca atinge aquele equilíbrio necessário para envolver totalmente. A sensação que fica é a de estar num passeio guiado onde o guia nunca se cala.

Os puzzles, quando aparecem, são curtos e pouco estimulantes. Não existe qualquer grau real de dedução, nem momentos que exijam observar, comparar ou interpretar informação. O jogo resolve estes passos por nós, com Morley a verbalizar constantemente o que está a acontecer e o que devemos fazer a seguir. Esta insistência em explicar tudo esvazia qualquer oportunidade de descoberta. Numa obra sobre investigação, isso torna-se especialmente frustrante.

Existem também áreas onde surgem manchas verdes brilhantes, sinalizando que podemos activar reconstruções espectrais do passado. São cenas estáticas, como fotografias vivas, que representam a tentativa do jogo de apresentar momentos-chave através da perspectiva de Morley. Embora funcionem como pontos de viragem narrativa, acabam por salientar a falta de interactividade real. Tudo acontece diante de nós, não por causa de nós.

A ausência quase total de consequências também afecta a experiência. Não há inimigos, perigos, temporizadores ou momentos de pressão. É impossível falhar e, portanto, impossível sentir verdadeira tensão. Mesmo quando o jogo tenta sugerir que algo espreita na escuridão, sabemos que nada nos poderá impedir de andar para a frente. A jogabilidade, apesar de funcional, carece de profundidade e raramente estimula o jogador.

Mundo e história

É no campo da narrativa que The Last Case of John Morley mais tenta mostrar o seu valor. A história começa com Morley a acordar no hospital, resultado do seu último caso mal resolvido. Perdeu a secretária e amiga, Penny, por falta de fundos, mas recebe através dela uma última pista: uma senhora idosa quer contratá-lo para investigar o homicídio da filha, ocorrido vinte anos antes. Tudo aponta para a antiga mansão da família, agora abandonada, onde o passado parece ter ficado preso nas paredes.

O cenário de mistério gótico é forte e bem escolhido, mas o jogo nunca o aproveita totalmente. O distanciamento temporal, aliado ao formato de flashbacks estáticos, impede qualquer relação emocional com as personagens envolvidas no crime. As peças da história surgem sempre contadas em vez de vividas. É um enigma apresentado como relato, não como experiência.

Apesar disso, há ideias interessantes. O jogo brinca com a percepção, com a identidade e com a forma como as pessoas criam narrativas para suportar a dor. Há momentos em que parece querer explorar até onde a mente pode moldar a realidade para evitar enfrentar verdades desconfortáveis. Mas estas ideias nunca se desenvolvem plenamente. São sugestões, ecos de conceitos maiores, diluídos pela simplicidade da estrutura.

O final oferece uma reviravolta ousada, capaz de surpreender no instante em que acontece. Contudo, pensar nela por mais de alguns segundos faz tudo desmoronar. A lógica não acompanha o choque inicial e parte do impacto é perdido por uma revelação anterior que já coloca demasiado foco no rumo provável da história.

Ainda assim, nota-se o esforço. Há intenção, há vontade de contar algo com peso. Falta maturidade narrativa e falta sobretudo espaço para deixar o jogador participar activamente na descoberta.

Grafismo

Visualmente, The Last Case of John Morley transparece o seu orçamento reduzido. Muitos assets parecem retirados directamente da loja da Unity e, apesar de bem montados, nunca conseguem transmitir a sensação de um espaço verdadeiramente vivido. A mansão e o asilo têm atmosfera, mas falta-lhes personalidade visual. As salas parecem replicadas, demasiado limpas e sem aquela textura narrativa que eleva um cenário.

As personagens são o ponto mais fraco. Modelos rígidos, animações limitadas e expressões faciais quase inexistentes criam momentos involuntariamente desconfortáveis. A ausência de piscar de olhos, em particular, dá aos NPCs um aspecto artificial que quebra qualquer ilusão de proximidade. Talvez por isso o jogo tenha optado por manter a presença humana ao mínimo, preferindo espectros imóveis e memórias distantes.

Apesar destas limitações, há alguns enquadramentos bem pensados e uma atenção honesta à criação de ambientes escuros e tensos. Não chegam para disfarçar a natureza económica do projecto, mas demonstram que a equipa procurou fazer o melhor com os meios disponíveis.

Som

O design sonoro cumpre o essencial, apoiando-se nos truques clássicos do terror leve: rangidos, objectos a mexer ao longe, ecos ambíguos e ruídos metálicos que insinuam presenças invisíveis. São efeitos eficazes, mas demasiado familiares. A banda sonora é discreta, quase sempre submersa na atmosfera, servindo mais como pano de fundo do que como elemento expressivo.

A narração de Morley tem um tom adequado ao detective cansado que o jogo tenta representar. No entanto, a escrita excessivamente expositiva torna difícil apreciar verdadeiramente o desempenho, já que muito do texto serve apenas para explicar ao jogador o que pensar e como interpretar os acontecimentos.

Conclusão

The Last Case of John Morley é um projecto que ambiciona mais do que consegue alcançar. Há coração, há vontade de construir um mistério emocional e há temas interessantes espalhados ao longo do caminho. No entanto, a jogabilidade limitada, a narrativa demasiado guiada e a apresentação visual desequilibrada impedem que esta última investigação do detective Morley se torne memorável.

Não é uma experiência desastrosa. Há momentos curiosos, há atmosferas bem conseguidas e há reviravoltas que mostram criatividade. Mas tudo parece o rascunho de algo mais ambicioso, um esboço promissor que nunca teve o orçamento ou o tempo necessários para florescer.

Para quem gosta de walking sims simples com foco numa história leve e acessível, pode valer uma curiosidade. Para quem procura um mistério tenso, um thriller noir ou uma investigação envolvente, é difícil recomendar. Fica a sensação de que esta equipa tem ideias e paixão, e talvez o próximo projecto consiga transformar esta base imperfeita em algo verdadeiramente especial.

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