Análise: Vlad Circus: Descend into Madness

Em 6 de junho de 1921, o famoso Vlad Circus ardeu em menos de dez minutos. O incêndio matou dezenas de pessoas e deixou centenas de feridos. Um ano depois, Josef Petrescu, irmão do dono do circo, foi condenado à morte por ser considerado o responsável pela tragédia. É com este prólogo que começa Vlad Circus: Descend into Madness, uma aventura gráfica em pixel art com elementos de survival horror desenvolvida pela Indiesruption, o estúdio responsável por Nine Witches. A partir deste ponto, o jogo mergulha-nos numa história de loucura, trauma e memórias fragmentadas, onde o passado de um grupo de artistas circenses volta para assombrar o presente.

O jogo oferece cerca de quatro horas de duração, dependendo da dificuldade escolhida, e combina exploração, pequenos quebra-cabeças e momentos de combate contra criaturas que podem ser reais ou apenas fruto da mente perturbada do protagonista. Apesar da sua duração relativamente curta, é uma experiência intensa, cheia de surpresas, sustos ocasionais e uma atmosfera que mistura terror psicológico com nostalgia visual.

Jogabilidade

O jogador assume o papel de Oliver “Lazy Ollie” Mills, o palhaço do antigo Vlad Circus, que após anos internado num asilo é convidado para uma reunião na mansão de Vlad Petrescu. Ollie não é apenas o palhaço do grupo, mas também o eletricista do circo, e logo no início tem de restaurar a energia da mansão após uma falha de corrente. A jogabilidade mistura mecânicas de exploração com elementos de sobrevivência: procurar chaves, encontrar objetos, desbloquear portas, gerir recursos limitados e enfrentar monstros grotescos.

O jogo pode ser controlado por teclado ou comando, mas a experiência com comando é mais fluida, sobretudo nos momentos de combate. Existem dois modos de dificuldade: Story Mode, para quem prefere focar-se na narrativa com combates mais leves, e Challenge Mode, onde os inimigos são mais agressivos, escassos recursos de munição e maior pressão sobre o jogador. É possível alternar entre modos a qualquer momento, o que dá alguma flexibilidade. A mansão e a floresta que a rodeia são os principais cenários. O jogador encontra itens essenciais, mas também outros opcionais que ajudam a dar contexto à história. Ollie dispõe de um diário que regista acontecimentos, objetivos, objetos largados e até um mapa simples. Este diário é essencial para manter a progressão organizada e evita que o jogador se perca. A gestão de inventário é, no entanto, limitada: começam-se com apenas cinco espaços, dos quais três ficam logo ocupados com o diário, o rosário e a lanterna. Existem bolsas adicionais que aumentam a capacidade, mas mesmo assim a logística de objetos obriga a decisões constantes sobre o que carregar e o que deixar para trás.

Para se defender, Ollie pode usar faca, revólver ou caçadeira, sendo que a faca precisa de ser afiada regularmente e a lanterna reabastecida com querosene. Em Story Mode, abrir o inventário pausa o jogo, mas no Challenge Mode o perigo é constante. Existem também pequenos minijogos, como afiar a faca ou usar uma gazua, que exigem precisão num medidor de tempo. Embora simples, estes momentos adicionam alguma tensão quando os inimigos estão próximos.

Mundo e história

A narrativa é o ponto mais forte de Vlad Circus. O jogo acontece oito anos após o incêndio do circo, quando Vlad decide reunir os antigos artistas na sua mansão. Estão presentes figuras como a mulher barbuda, o fakir, o homem forte, o ventríloquo, o mágico e as gémeas siamesas. Mas todos eles, incluindo Ollie, carregam cicatrizes emocionais e segredos obscuros. O jogador descobre gradualmente os traumas e motivações de cada personagem, enquanto tenta compreender o comportamento cada vez mais estranho de Vlad.

Ollie é uma escolha acertada para protagonista. A figura do palhaço carrega em si a dualidade entre a alegria e a tristeza, e aqui isso é explorado de forma psicológica. O seu passado marcado pelo fogo, pelo asilo e por uma infância religiosa complicada dá-lhe profundidade e torna-o vulnerável. A sua sanidade é medida por um indicador de stress: ratos, monstros e alucinações aumentam o seu nível de ansiedade, e só através da oração com o rosário consegue recuperar a calma. Quando o stress atinge o limite, Ollie desmaia, mas em vez de um ecrã de game over, acorda na cozinha, pronto a continuar. É um sistema interessante que reforça o caráter psicológico da experiência. Um dos momentos mais originais é o das fotografias antigas do circo. Sempre que Ollie encontra uma, é transportado para um mundo alternativo em tons sépia, onde revive memórias e descobre pistas cruciais para o enredo. Estes segmentos funcionam como flashbacks interativos e dão um toque emocional à exploração. Além disso, quase todos os NPCs têm importância real para a progressão, nunca funcionando apenas como adorno. A mulher barbuda, em particular, tem um papel central na narrativa.

A história remete para obras como Shutter Island ou American Horror Story: Freak Show, misturando elementos de mistério, paranoia e terror circense. A constante dúvida sobre o que é real e o que é alucinação mantém a tensão elevada e sustenta o interesse até ao final.

Grafismo

Vlad Circus apresenta-se em pixel art detalhada e expressiva. Apesar do estilo retro, a atmosfera é incrivelmente imersiva. A perspetiva elevada, não totalmente top-down, dá uma visão clara da mansão e da floresta, mas ao mesmo tempo reforça a sensação de isolamento. Os corredores escuros iluminados pela lanterna, os relâmpagos que iluminam o exterior e as sombras em constante movimento ajudam a criar um ambiente inquietante.

Sempre que surgem cenas mais violentas, como cadáveres ou animais mortos, o jogo muda para ilustrações em close-up, que apesar de estilizadas em pixel art, não deixam de ser perturbadoras. Estas imagens são impactantes e contrastam com a estética simplificada do resto do jogo, criando momentos de choque bem calculados.

As animações também contribuem para a imersão: desde o balançar de candelabros às pequenas ações de Ollie, como coçar a cabeça após algum tempo parado. O design da mansão é variado, com salas repletas de pormenores, quadros e objetos que enriquecem o cenário. A floresta, por sua vez, oferece um contraste entre o silêncio opressivo e o som constante da natureza, sempre acompanhado de uma sensação de perigo iminente.

Som

Se o grafismo constrói a base da atmosfera, o som é o elemento que a torna verdadeiramente assustadora. Cada passo de Ollie muda consoante o tipo de piso, lareiras crepitam, relógios marcam o tempo e os ratos não param de chiar pelos corredores. No exterior, a chuva e o vento criam um pano de fundo sonoro constante, interrompido por trovões repentinos que aumentam a tensão.

A banda sonora é discreta, mas aparece nos momentos certos para amplificar o impacto de eventos específicos. Sons súbitos e estridentes acompanham visões perturbadoras, enquanto temas circenses irónicos surgem em sequências mais frenéticas. Há ainda puzzles musicais, como os discos de gramofone que misturam jazz e ópera.

Curiosamente, o jogo não tem vozes, algo que pode desagradar a alguns jogadores, mas que acaba por reforçar a sensação de estranheza. Os diálogos aparecem em texto com retratos dos personagens, lembrando aventuras gráficas clássicas. Esta ausência de vozes dá espaço para que o ambiente sonoro e a imaginação do jogador tenham um papel mais ativo.

Conclusão

Vlad Circus: Descend into Madness é uma experiência curta, mas intensa, que aposta numa narrativa cativante e num ambiente perturbador em vez de puzzles complexos ou mecânicas inovadoras. A mistura entre exploração, gestão de recursos e combate resulta numa fórmula acessível que não afasta quem não gosta de ação, mas ainda assim consegue oferecer desafio a quem procura mais adrenalina.

O enredo dos antigos artistas circenses, a figura trágica de Ollie e a constante incerteza entre realidade e alucinação mantêm o jogador envolvido do início ao fim. Apesar de algumas limitações, como o inventário reduzido e uma sequência final particularmente frustrante, o jogo compensa com uma atmosfera rica, personagens memoráveis e uma boa integração entre elementos de terror psicológico e aventura clássica.

Não será o maior espetáculo do mundo, mas Vlad Circus é uma produção com alma, capaz de assustar, emocionar e entreter em igual medida. Para quem aprecia jogos narrativos com um toque de horror e mistério, é uma entrada que vale bem o preço do bilhete.

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