Antevisão: Ages of Cataria

Ages of Cataria é um daqueles jogos que, à primeira vista, parecem feitos à medida para quem aprecia experiências tranquilas, contemplativas e focadas em histórias emergentes. Definido como um cozy story generation game, o título propõe algo ligeiramente diferente do habitual city builder ou simulador de gestão: em vez de números, eficiência e expansão agressiva, o foco está nas pessoas, nas suas vidas e nas histórias que vão deixando para trás ao longo de várias gerações. Cada partida começa com uma família que parte em busca de uma nova vida e se estabelece numa terra chamada Cataria, dando origem a uma pequena aldeia que cresce de forma orgânica ao longo do tempo.

A ideia central é simples, mas cheia de potencial. Os aldeões envelhecem diante dos nossos olhos, apaixonam-se, formam famílias, têm filhos, trabalham, contribuem para a comunidade e, inevitavelmente, acabam por morrer. O jogador assume um papel quase divino, observando e guiando este ciclo de vida, mais preocupado em criar um espaço harmonioso e funcional do que em optimizar cada segundo de produção. No entanto, apesar de uma premissa encantadora e de um conceito muito apelativo, Ages of Cataria encontra-se em Acesso Antecipado e isso sente-se de forma bastante evidente em praticamente todos os aspectos da experiência.

Jogabilidade

No seu núcleo, Ages of Cataria mistura elementos de gestão de aldeia com simulação social e geração procedural de eventos. O jogador é responsável por construir casas, quintas, pedreiras e outras estruturas essenciais para garantir abrigo, comida e recursos à população. À medida que a aldeia cresce, também crescem as suas necessidades e desejos, obrigando a uma expansão gradual e pensada do espaço disponível.

A gestão de recursos existe, mas é surpreendentemente básica na sua apresentação. Não há ferramentas claras para acompanhar quem está a trabalhar em cada edifício, nem alertas eficazes para indicar tarefas sem trabalhadores atribuídos. Grande parte deste controlo é feito de forma manual, obrigando o jogador a clicar edifício a edifício para perceber o estado da aldeia. Esta falta de informação centralizada torna-se rapidamente frustrante, sobretudo quando o número de habitantes começa a aumentar.

Outro ponto problemático está na interface e nos controlos. Em várias situações, edifícios comportam-se de forma errática, com menus que não surgem correctamente ou que assumem a identidade de outras construções. Há casos em que estruturas colocadas por engano não podem ser movidas ou removidas, quebrando o fluxo natural do jogo e obrigando, muitas vezes, a recarregar o save. Estes problemas técnicos acabam por interferir directamente com aquilo que devia ser uma experiência relaxante.

Ainda assim, quando tudo funciona como esperado, há algo de genuinamente agradável em observar a aldeia a ganhar vida, ver os habitantes a circular, a trabalhar e a interagir entre si. A jogabilidade não exige pressa nem reflexos rápidos, convidando antes a um ritmo calmo, quase meditativo, onde o prazer está mais na observação do que na acção constante.

Mundo e história

O grande trunfo de Ages of Cataria está na forma como constrói histórias sem recorrer a uma narrativa tradicional. Não existe um enredo fechado ou personagens pré-definidas com arcos narrativos escritos. Em vez disso, o jogo aposta em eventos aleatórios que surgem ao longo da vida dos aldeões e que ajudam a moldar a identidade da comunidade.

Estes eventos podem ser pequenos e quase insignificantes, como a descoberta de um insecto raro, ou momentos marcantes, como casamentos, nascimentos e outras mudanças importantes na vida dos habitantes. Cada aldeão tem a sua própria história, construída a partir das relações que forma, das experiências que vive e do papel que desempenha na aldeia. Ao longo do tempo, o jogador começa a reconhecer nomes, a criar ligações emocionais e a acompanhar famílias inteiras ao longo de várias gerações.

A morte é tratada como uma parte natural deste ciclo. Quando um aldeão morre, o seu espírito passa a integrar a árvore espiritual da aldeia, um local simbólico onde os vivos se podem reunir para recordar os antepassados e oferecer dádivas ao além. Esta mecânica reforça a ideia de legado e continuidade, dando peso emocional às vidas que passam por Cataria.

No entanto, apesar destas ideias interessantes, a curta esperança de vida dos aldeões acaba por limitar o impacto de algumas histórias. Em muitos casos, casais tornam-se idosos antes mesmo de terem filhos, o que faz com que a sobrevivência da aldeia dependa quase exclusivamente da chegada de novos habitantes. Isto quebra um pouco a fantasia de uma sociedade verdadeiramente geracional e revela um claro desequilíbrio que precisa de ser afinado.

Grafismo

Visualmente, Ages of Cataria aposta num estilo artístico simples, colorido e bastante acolhedor. As personagens têm um design fofo e expressivo, que combina bem com o tom relaxado do jogo. As animações são básicas, mas suficientes para transmitir vida e personalidade aos aldeões, mesmo que por vezes pareçam algo rígidas ou repetitivas.

Os cenários seguem a mesma linha, com uma paleta de cores suaves e uma apresentação que privilegia a clareza em detrimento do detalhe excessivo. Construções, campos e elementos naturais são facilmente identificáveis, o que ajuda na leitura do espaço e na gestão da aldeia. A possibilidade de decorar o espaço acrescenta uma camada extra de personalização, e há a sensação de que os próprios aldeões reagem positivamente a um ambiente mais cuidado e bonito.

Ainda assim, o jogo sofre claramente com a presença de muitos placeholders e elementos visuais inacabados. Certas animações parecem temporárias, alguns ícones são pouco intuitivos e há uma falta geral de polimento que denuncia o estado ainda embrionário do projecto. Não é um jogo feio, longe disso, mas também está longe de apresentar uma identidade visual totalmente consolidada.

Som

No campo sonoro, Ages of Cataria mantém uma abordagem discreta e funcional. A banda sonora é calma, suave e pouco intrusiva, acompanhando bem o ritmo tranquilo da jogabilidade. As melodias não são particularmente memoráveis, mas cumprem o seu papel ao criar uma atmosfera relaxante que convida à permanência.

Os efeitos sonoros são simples e eficazes, desde os sons associados à construção de edifícios até aos pequenos ruídos do dia-a-dia da aldeia. No entanto, tal como acontece com o grafismo, sente-se alguma falta de variedade e profundidade. Com o tempo, os sons começam a repetir-se e perdem impacto, algo que poderá ser melhorado com futuras actualizações.

A ausência de vozes ou de sons mais personalizados para os aldeões faz com que estes, apesar de visualmente distintos, soem todos iguais. Num jogo tão focado em personagens e histórias individuais, este é um aspecto que poderia beneficiar bastante de um pouco mais de atenção.

Conclusão

Ages of Cataria é um jogo cheio de boas ideias e de um charme inegável, mas que ainda não conseguiu transformar o seu potencial numa experiência verdadeiramente sólida. O conceito de acompanhar uma aldeia ao longo de várias gerações, observando vidas a nascer, crescer e terminar, é forte e emocionalmente apelativo. Há momentos em que o jogo consegue captar essa magia, especialmente quando eventos aleatórios criam pequenas histórias inesperadas.

No entanto, o estado actual do jogo é marcado por bugs frequentes, sistemas incompletos e uma falta de ferramentas básicas de gestão que tornam a experiência mais frustrante do que devia. É claramente um projecto ainda em construção, que precisa de tempo, patches e refinamento para alcançar a visão que promete.

A boa notícia é que a equipa por trás de Ages of Cataria parece empenhada e receptiva ao feedback da comunidade, lançando hotfixes e comunicando activamente com os jogadores. Sendo este o seu primeiro jogo, é compreensível que tenham subestimado a complexidade e os recursos necessários, e há sinais de que estão determinados a levar o projecto até ao fim.

Para já, Ages of Cataria é recomendável apenas a quem gosta de apoiar jogos em Acesso Antecipado e não se importa de lidar com falhas em troca de espreitar o futuro de uma ideia promissora. Para todos os outros, o melhor será esperar mais algum tempo e regressar quando Cataria estiver um pouco mais madura. O potencial está lá, falta apenas que o jogo cresça ao ritmo das histórias que quer contar.

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