Bodycam é um daqueles jogos que chamam a atenção muito antes de alguém lhes pegar, sobretudo pelo impacto visual imediato e pela forma como tenta replicar uma perspectiva pouco comum no género. Desenvolvido pela pequena equipa de duas pessoas da Reissad Studio, Bodycam surge claramente na sequência do burburinho gerado por Unrecord, outro shooter em primeira pessoa que ganhou fama graças à sua estética hiper-realista baseada numa câmara corporal policial. Esta ideia de seguir rapidamente um conceito popular não é nova na indústria e, por si só, não é necessariamente negativa. Muitas vezes, essas iterações acabam até por refinar ou reinventar ideias que outros lançaram primeiro. No entanto, no caso de Bodycam, essa inspiração levanta desde cedo algumas questões sobre identidade, propósito e, sobretudo, sobre se a perspectiva escolhida serve realmente o tipo de jogo que pretende ser.
Em acesso antecipado, Bodycam apresenta-se como uma espécie de prova de conceito jogável, com uma base técnica impressionante e uma atmosfera credível, mas também com um conjunto de problemas de design que impedem o jogo de se afirmar como um shooter competitivo sólido. A sensação constante é a de um projecto com boas intenções e algumas ideias interessantes, mas ainda longe de encontrar o equilíbrio entre inovação, jogabilidade e conforto para o jogador.
Jogabilidade
No núcleo, Bodycam é um shooter extremamente letal. Um único tiro bem colocado é suficiente para matar, e mesmo alguns disparos menos precisos acabam rapidamente com qualquer margem de erro. Este é um daqueles jogos onde ver primeiro significa quase sempre vencer, e onde a antecipação, o posicionamento e o uso inteligente do cenário são mais importantes do que reflexos rápidos ou controlo perfeito da mira. Nesse sentido, aproxima-se bastante de shooters tácticos como Counter-Strike ou Rainbow Six Siege, embora com uma abordagem ainda mais crua e punitiva.
As armas têm um recuo significativo, o que torna o uso de fogo automático pouco eficaz sem controlo e disciplina. Há um prazer muito específico em conseguir eliminar vários adversários em sequência, compensando o kick das armas e mantendo a calma sob pressão. O sistema de leaning, essencial para espreitar cantos sem se expor demasiado, é quase obrigatório, e correr de forma descuidada pelos mapas é uma receita certa para morrer rapidamente.
No entanto, onde a jogabilidade começa a fraquejar seriamente é no movimento. O controlo da personagem é pesado e pouco fluido, e a interacção com o cenário é frustrante. É demasiado fácil ficar preso em pequenos obstáculos como mesas, cadeiras ou armários, algo particularmente grave num jogo onde cada segundo parado pode significar a morte. A possibilidade de subir pequenos desníveis ou obstáculos existe, mas na prática é inconsistente e lenta, criando situações em que o jogador morre não por falta de habilidade, mas porque ficou preso num detalhe do cenário.
A própria perspectiva da bodycam contribui para este desconforto. O campo de visão é reduzido, a imagem distorcida pela lente arredondada e pelo movimento irregular, e apontar a arma implica levantar o corpo da personagem de forma pouco intuitiva, já que a arma é alinhada com a câmara no peito e não com os olhos. Tudo isto torna a leitura do espaço mais difícil e, em vez de aumentar a imersão, acaba muitas vezes por parecer um truque visual que atrapalha a acção.

Mundo e história
Bodycam não é um jogo particularmente interessado em contar uma história tradicional. Não existe uma narrativa clara, personagens definidas ou um contexto aprofundado para os confrontos. Os mapas e os modos de jogo existem quase num vazio narrativo, funcionando apenas como arenas para o combate. Apesar da estética remeter para operações policiais ou militares, o jogador não assume explicitamente o papel de um agente da autoridade, nem o jogo faz qualquer comentário temático sobre policiamento, violência ou ordem pública.
Esta ausência de contexto faz com que a perspectiva da bodycam perca parte do seu significado. Se a intenção fosse explorar temas ligados à vigilância, ao uso da força ou à tensão psicológica de situações reais, talvez este ponto de vista tivesse um peso narrativo maior. Assim, acaba por ser apenas uma camada visual sobre um shooter competitivo, sem grande impacto a nível de mensagem ou worldbuilding.
Ainda assim, os mapas conseguem contar pequenas histórias ambientais. Um hospital abandonado, por exemplo, transmite uma sensação de decadência e perigo iminente, com corredores longos e salas interligadas que favorecem emboscadas. Um edifício de inspiração russa ganha uma atmosfera quase de terror quando o ciclo dia/noite entra na fase nocturna. Há também um mapa passado numa arena de airsoft, com estruturas de madeira e manequins de treino que facilmente enganam o jogador num momento de tensão. Estes espaços, embora não estejam ligados por uma narrativa, ajudam a criar variedade e identidade visual.
Grafismo
É no grafismo que Bodycam realmente se destaca. O jogo é visualmente impressionante, especialmente tendo em conta a dimensão da equipa de desenvolvimento. As texturas são detalhadas, os cenários densos em detritos e elementos decorativos, e a vegetação, onde existe, é convincente e bem integrada. A lente da bodycam, com poeira, distorção e pequenas imperfeições, contribui para uma estética que se aproxima bastante de imagens reais.
A iluminação merece destaque especial. A alternância entre zonas completamente às escuras e áreas iluminadas por lanternas intensas cria uma dinâmica interessante, onde a gestão da luz se torna parte da estratégia. Decidir quando ligar a lanterna, denunciando a própria posição, ou avançar às cegas no escuro, é muitas vezes uma escolha tensa e arriscada. Este sistema funciona particularmente bem em mapas interiores e durante partidas mais tácticas.
No entanto, esta mesma abordagem visual tem um custo. O campo de visão limitado e a instabilidade da imagem dificultam a leitura da acção, algo que pode ser tolerável num jogo de terror ou numa experiência mais narrativa, mas que num shooter competitivo se torna problemático. A espectacularidade visual acaba por colidir com a necessidade de clareza e precisão.

Som
O design sonoro de Bodycam é competente e cumpre bem o seu papel. Os disparos das armas são secos, agressivos e transmitem bem a sensação de perigo. O som do recuo, das balas a ricochetear e dos impactos no ambiente ajuda a reforçar a letalidade do combate. Cada tiro parece ter peso, o que contribui para a tensão constante. Os passos e outros sons ambientais são igualmente importantes e funcionam como ferramentas essenciais para a sobrevivência. Ouvir um inimigo a aproximar-se do outro lado de uma parede ou a deslocar-se num corredor adjacente pode fazer toda a diferença. Em partidas mais lentas e tácticas, o som torna-se quase tão importante como a visão.
Por outro lado, não existe grande variedade musical ou ambiência sonora fora da acção directa. O foco está claramente no realismo funcional, e não em criar uma identidade sonora marcante. Isso não é necessariamente um problema, mas reforça a sensação de que Bodycam é mais uma experiência técnica do que um mundo totalmente construído.
Conclusão
Bodycam é um jogo com ideias interessantes e uma apresentação visual impressionante, mas que ainda não conseguiu transformar esse potencial numa experiência verdadeiramente sólida. A perspectiva da bodycam, apesar de original e impactante, acaba por ser mais um obstáculo do que uma vantagem na maior parte do tempo, prejudicando tanto a clareza da acção como a sensação de controlo. Quando tudo funciona, especialmente em partidas de Team Deathmatch mais tácticas e bem disputadas, o jogo consegue oferecer momentos intensos e recompensadores, onde cada movimento conta e cada tiro pode ser o último.
No entanto, os problemas de movimento, o design inconsistente de alguns modos, os tempos de jogo excessivamente longos e a falta de progressão significativa tornam difícil recomendar Bodycam no seu estado actual. O sistema de respawns no deathmatch é particularmente problemático, e a loja de cosméticos parece incompleta e mal equilibrada, oferecendo pouco incentivo para continuar a jogar a longo prazo.
Como jogo em acesso antecipado, há espaço para melhorias, e o roadmap anunciado sugere que os developers estão conscientes de várias destas falhas. Se conseguirem refinar o movimento, repensar alguns modos e dar mais profundidade à progressão, Bodycam pode vir a tornar-se algo mais do que uma curiosidade técnica. Para já, é sobretudo uma demonstração impressionante do que é possível fazer visualmente, mas que ainda precisa de muito trabalho para se afirmar como um shooter competitivo de referência.