Antevisão: Pigface

Pigface é um daqueles jogos que surgem quase por acaso no radar, mas que rapidamente se impõem pela força da sua identidade. Em acesso antecipado desde setembro, este FPS independente aposta numa combinação pouco subtil, mas eficaz, de estética retro inspirada na era da primeira PlayStation, violência crua e uma estrutura de missões aberta que incentiva a experimentação. À primeira vista pode parecer apenas mais um exercício de nostalgia, mas basta passar algum tempo com o jogo para perceber que existe aqui uma ambição clara de ir mais além.

Apesar de o conteúdo ainda não estar completo, Pigface já apresenta uma base surpreendentemente sólida. A atmosfera é densa, desconfortável e marcada por um tom quase nihilista, onde cada missão é um mergulho em ambientes degradados e dominados pela brutalidade. As inspirações são evidentes, desde Hotline Miami a Manhunt, passando por algum cinema criminal mais cru dos anos 2000, mas o jogo consegue, na maior parte do tempo, evitar cair na simples cópia. Há personalidade suficiente para o distinguir e criar curiosidade em relação ao que poderá vir a ser na sua versão final.

Jogabilidade

A estrutura de Pigface assenta em missões relativamente extensas, cada uma situada em áreas semiabertas que funcionam como pequenos sandboxes. Um motel decadente, uma estação de comboios abandonada ou um bairro suburbano transformam-se em arenas de morte onde o jogador decide como abordar cada objetivo. A liberdade é um dos grandes trunfos do jogo: tanto é possível avançar de forma agressiva, arma em punho, como optar por uma abordagem mais calculista e silenciosa.

O arsenal disponível convida a estilos de jogo distintos. Espingardas e pistolas permitem confrontos diretos e rápidos, enquanto armas com silenciador favorecem uma progressão mais discreta. Também é possível procurar posições elevadas e usar armas de longo alcance, transformando certas missões quase num exercício de sniper improvisado. O jogo recompensa a exploração e o cumprimento de objetivos secundários, ainda que, nesta fase, essas recompensas sejam sobretudo simbólicas e sirvam mais para reforçar a progressão do que para oferecer grandes surpresas.

O combate corpo a corpo merece destaque especial. Usar armas pesadas como martelos ou outros objetos improvisados é visceral e satisfatório, com cada golpe a transmitir peso e impacto. As execuções são violentas e não deixam espaço para ambiguidades morais, algo que encaixa perfeitamente no tom geral do jogo. As armas de fogo também são eficazes, embora a ausência de mira tradicional seja uma escolha discutível. Por um lado aumenta a tensão e obriga a maior atenção, por outro torna alguns confrontos mais confusos do que deveriam ser.

Mundo e história

A narrativa de Pigface é, para já, minimalista, mas carregada de sugestão. O jogador controla Exit, uma mulher que acorda num armazém abandonado, coberta de sangue e com uma bomba cravada na cabeça. A partir desse momento, passa a ser forçada a cumprir missões para uma organização criminosa anónima, sob ameaça constante de morte. A premissa é simples, mas eficaz, e o jogo sabe usá-la para criar um ambiente de tensão permanente.

A história é contada de forma fragmentada, através de chamadas num velho telemóvel que parece saído do início dos anos 2000. Cada missão funciona como uma peça de um puzzle maior que nunca é totalmente explicado, deixando espaço para interpretação e especulação. Esta abordagem contribui para o mistério e para a sensação de desconforto, reforçando a ideia de que Exit é apenas uma peça descartável num jogo muito maior e mais obscuro.

Entre missões, o jogador regressa a um pequeno apartamento que serve de base de operações. É um espaço sujo, deprimente e cheio de sinais de decadência, onde se sente o peso psicológico das ações cometidas. Aqui é possível gastar o dinheiro ganho para adquirir novo equipamento e preparar as missões seguintes. As máscaras encontradas ao longo do jogo também têm um papel importante, não só a nível estético, mas também funcional, oferecendo bónus específicos como regeneração parcial de vida ou acesso a efeitos de câmara lenta após eliminações bem-sucedidas.

Grafismo

Visualmente, Pigface aposta sem pudor numa estética retro que remete para os primórdios da PlayStation 2, com modelos simples, texturas de baixa resolução e uma paleta de cores sombria. Há ecos claros de jogos como o primeiro Max Payne, embora aqui tudo seja apresentado numa perspetiva na primeira pessoa. Esta escolha visual não é apenas estilística, mas também serve para reforçar o ambiente cru e desconfortável que o jogo procura transmitir.

No entanto, nem tudo funciona na perfeição. A otimização deixa a desejar, com requisitos de sistema surpreendentemente elevados para o tipo de grafismo apresentado. Em algumas situações, a fluidez é inconsistente, algo que se torna mais evidente em cenários maiores ou com vários inimigos em simultâneo. Ainda assim, o jogo é perfeitamente jogável, inclusive em dispositivos como a Steam Deck, embora a falta de suporte nativo para comandos obrigue a soluções pouco práticas.

Apesar destas limitações técnicas, a direção artística consegue criar uma identidade forte. Os ambientes são memoráveis, cheios de pequenos detalhes que ajudam a contar histórias silenciosas de decadência e violência. Mesmo com gráficos simples, Pigface prova que estilo e atmosfera podem ser mais importantes do que realismo ou fidelidade visual.

Som

O trabalho sonoro em Pigface é fundamental para a imersão. A banda sonora aposta em temas eletrónicos sombrios e repetitivos, que acompanham o ritmo frenético das missões e reforçam a sensação de urgência constante. Não se trata de músicas particularmente complexas, mas são eficazes a criar tensão e a manter o jogador num estado quase permanente de alerta.

Os efeitos sonoros são igualmente impactantes. Cada disparo, cada golpe corpo a corpo e cada grito contribuem para uma experiência auditiva agressiva e desconfortável, exatamente como o jogo pretende. O som dos inimigos a aproximarem-se, muitas vezes fora do campo de visão, acrescenta uma camada extra de ansiedade, especialmente tendo em conta a ausência de uma interface demasiado informativa.

Por outro lado, o jogo poderia beneficiar de um maior refinamento em alguns aspetos, nomeadamente na reação sonora dos inimigos e na variedade de efeitos. Em sessões mais longas, certas repetições tornam-se evidentes. Ainda assim, para um título em acesso antecipado, o trabalho feito até agora é competente e consistente com a visão geral do projeto.

Conclusão

Pigface é um jogo imperfeito, mas cheio de potencial. Em acesso antecipado, apresenta falhas evidentes, sobretudo ao nível da inteligência artificial, que por vezes reage de forma previsível ou incoerente, prejudicando tanto o combate direto como as abordagens furtivas. Ainda assim, estas limitações não conseguem apagar o impacto positivo da experiência geral.

Cada missão é um curto, mas intenso, exercício de violência estilizada. Pigface não tenta justificar moralmente as ações do jogador nem esconder a sua natureza brutal. É um jogo honesto nesse sentido, focado no caos, na sobrevivência e numa atmosfera sufocante. A base está bem lançada e, com melhorias na IA, otimização e maior profundidade narrativa, pode facilmente tornar-se uma referência dentro do seu nicho.

Pelo preço pedido nesta fase, Pigface justifica plenamente a curiosidade. É uma proposta diferente, com identidade própria e uma visão clara, mesmo que ainda incompleta. Fica a expectativa de ver como irá evoluir até ao lançamento final e de explorar novos níveis que expandam este mundo violento e perturbador. Para quem aprecia shooters intensos e atmosferas sombrias, é um jogo que merece atenção.

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