Fur and Fables é mais uma entrada no agora popular género bullet heaven, um subgénero que explodiu com o sucesso de Vampire Survivors e que desde então tem sido explorado por inúmeros estúdios. A proposta é simples: controlar um grupo de personagens enquanto enfrentamos vagas de inimigos, numa jogabilidade acessível e viciante. No entanto, Fur and Fables tenta destacar-se ao introduzir uma mecânica de equipa e um sistema de progressão com elementos roguelite. O jogo está ainda em acesso antecipado, o que levanta sempre algumas dúvidas, mas também abre espaço para melhorias e equilíbrio. Com um estilo visual inspirado em livros infantis e uma abordagem diferente ao combate, Fur and Fables procura oferecer algo familiar mas com um toque próprio.
Jogabilidade
A maior particularidade de Fur and Fables está na forma como lida com a jogabilidade em equipa. Em vez de controlarmos apenas um herói, temos um grupo de personagens com diferentes classes e funções. A movimentação é feita em linha, quase como uma corda, o que dá um certo desafio ao controlo e à percepção da posição dos membros do grupo. Esta decisão de design é interessante, mas nem sempre eficaz, já que os últimos na linha são frequentemente os mais vulneráveis, sendo difícil protegê-los. Durante cada corrida, vamos enfrentando inimigos que surgem de forma controlada. O jogo raramente nos coloca numa posição em que nos sentimos verdadeiramente ameaçados, o que, por um lado, torna a experiência mais acessível, mas por outro, retira alguma da adrenalina típica do género. Os combates são simples e há apenas um inimigo que utiliza projécteis, o que facilita bastante o planeamento dos nossos movimentos.
Existe ainda uma camada de progressão onde ganhamos moeda para melhorar as personagens, e se estas sobreviverem à corrida, mantêm-se no nosso elenco com os níveis que alcançaram. Se morrerem, são perdidas, o que obriga a alguma gestão, mas nunca é demasiado penalizador, já que novas personagens podem ser adquiridas antes de cada nova tentativa. Infelizmente, existe um claro desequilíbrio entre as classes disponíveis, com uma delas a ser significativamente mais poderosa que as restantes, o que incentiva a criar equipas baseadas apenas nessa classe para facilitar a progressão.
Mundo e história
Fur and Fables não aposta numa narrativa complexa, nem parece precisar dela. O jogo não apresenta uma história clara nem motivações para os nossos heróis além da própria jogabilidade. Isso não é necessariamente um problema, especialmente dentro do género, mas acaba por contribuir para uma certa falta de identidade. A ausência de contexto narrativo impede o jogador de se ligar verdadeiramente às personagens ou ao mundo em que se encontram. É uma pena, porque com um estilo visual tão marcante, havia espaço para introduzir pequenas histórias ou até descrições de personagens que dessem mais profundidade ao universo.
Mesmo sem uma história definida, o jogo tenta criar um mundo coerente através dos seus elementos visuais e das classes disponíveis. Há uma sensação de fantasia leve, com criaturas e cenários que parecem saídos de uma fábula, mas essa atmosfera não é explorada ao máximo. Seria interessante ver este mundo ganhar mais vida em futuras atualizações, nem que fosse através de pequenos eventos ou diálogos entre personagens.
Grafismo
Visualmente, Fur and Fables é bastante apelativo. O estilo artístico lembra uma mistura entre banda desenhada e livro infantil, com cores suaves e personagens estilizadas. Esta escolha dá ao jogo uma identidade visual muito própria e funciona bem dentro do conceito geral. Os cenários são variados e bem desenhados, criando uma sensação de coerência estética ao longo dos diferentes níveis. No entanto, este mesmo estilo gráfico levanta alguns problemas práticos. Por vezes é difícil distinguir entre o que é um elemento decorativo do cenário e o que é um item interativo ou recolhível. Houve situações em que tentei apanhar habilidades que estavam parcialmente ocultas por outros elementos do cenário, ou em que colidi com objetos a pensar que faziam parte do fundo. Este tipo de confusão pode ser frustrante, especialmente quando compromete o fluxo do jogo. Ainda assim, não se pode negar que o grafismo de Fur and Fables é um dos seus pontos fortes. Há um cuidado evidente na apresentação visual e uma coerência artística que lhe dá um certo charme, mesmo quando a jogabilidade não acompanha totalmente esse esforço estético.
Som
A componente sonora de Fur and Fables é talvez a mais desconexa da sua proposta geral. Nos menus, somos recebidos por música ambiente que mais parece retirada de um elevador, enquanto no jogo ouvimos melodias de inspiração medieval que, embora se alinhem melhor com o estilo visual, não conseguem transmitir qualquer sensação de ritmo ou urgência. O resultado é uma banda sonora que parece sempre fora de lugar e que raramente contribui para a imersão. O som dos combates é funcional, mas pouco marcante. Os efeitos sonoros cumprem a sua função básica, mas não têm o impacto necessário para tornar os confrontos mais envolventes. Num jogo onde a repetição é uma constante, uma banda sonora mais dinâmica e efeitos sonoros mais variados poderiam fazer uma grande diferença na experiência geral. Com o tempo e as atualizações, seria desejável ver uma reformulação do design sonoro. Um jogo com este estilo gráfico merecia uma banda sonora igualmente encantadora e efeitos que realçassem melhor as diferentes ações e classes. Neste momento, o som acaba por ser um dos elementos mais esquecíveis de Fur and Fables.
Conclusão
Fur and Fables é uma proposta curiosa dentro do género bullet heaven. A aposta numa equipa em vez de um único herói traz algo novo à fórmula, mas também complica a jogabilidade de forma nem sempre satisfatória. A progressão e o sistema de perda permanente de personagens dão alguma tensão às corridas, mas o baixo nível de dificuldade e o claro desequilíbrio entre classes tornam o jogo demasiado fácil e repetitivo ao fim de pouco tempo. Visualmente, o jogo apresenta-se com muita personalidade e originalidade, ainda que alguns elementos do design acabem por atrapalhar a clareza do que é ou não interativo. A música e os efeitos sonoros, por sua vez, não acompanham o mesmo nível de cuidado, criando uma experiência sonora desinspirada. Em acesso antecipado, Fur and Fables mostra potencial, mas também revela várias áreas que necessitam de equilíbrio e afinação. Com apenas 10 níveis e um modo infinito, o conteúdo atual é limitado, sendo possível esgotar grande parte do que o jogo oferece em poucas horas. Ainda assim, o preço é relativamente justo para a experiência que propõe, embora recomendar uma compra imediata seja difícil. Talvez valha mais a pena esperar por mais conteúdo e melhorias, ou por uma promoção que torne a experiência mais apelativa face à concorrência.
